Esta capa ao mesmo tempo remete à da coletânea anterior, com uma nova cena retrofuturista emoldurada por um painel, ao mesmo tempo que mantém uma identidade própria e condizente com o que podemos esperar de uma obra dieselpunk. Quais foram as suas fontes de inspiração para o trabalho?
Enquanto em Vaporpunk busquei retratar a tecnologia tão presente na estética steampunk, em Dieselpunk quis enfatizar a vida nas cidades e por isso a escolha de um prédio estilo art decó, estilo que representa a época da euforia com o progresso no começo do século XX. Além disso, quando penso em Dieselpunk, penso nos holofotes e luzes que dão vida às cidades, e para o contexto retrofuturista pus uma polícia aérea que monitora a cidade vibrante que nunca dorme, uma linha de trem-bala que atravessa os arranha-céus que cobrem toda a paisagem.
Referências óbvias estão nos desenhos do movimento artístico futurista, cartazes como os do filme Metrópolis, de Fritz Lang (e mesmo o filme de animação homônimo a partir do trabalho de Osamu Tezuka), e os cartazes e quadros modernistas. Abri mão de referências consagradas como a Bauhaus ou a estética Nazista, ficando focado nas representações da época pelo cinema e cultura pop, com pequenas visitas às artes plásticas, além, é claro, das próprias criações de artistas contemporâneos que se dizem inspirados pelo dieselpunk. Diante de um repertório imagético tão grande fica fácil se perder, por isso busquei ter cuidado na distribuição de elementos, optei por poucas cores na moldura para representar o concreto e dar vida à imagem da cidade de São Paulo reimaginada sem torná-la poluída.
Na entrevista anterior para este blog, exatamente sobre a capa da Vaporpunk, você me disse que ela havia consumido cerca de 20 horas de trabalho. Quanto o cronômetro marcou desta vez? Foi um processo mais simples, pela experiência acumulada, ou foi como começar do zero, com outros tipos de programas?
Foram cerca de 30 horas de trabalho. Isso contando desde a concepção, montagem da imagem de São Paulo, criação das formas e planejamento da composição em 2D, modelagem em 3D, texturização e por último, o que tomou muito tempo -- cerca de 10 horas entre tentativas e erros --, os testes de iluminação e renderização para criar a atmosfera pretendida. Os programas utilizados foram exatamente os mesmos, mas antes de chegar ao 3D passei muito mais tempo no 2D criando as formas adequadas que levariam as extrusões e texturas. O processo foi muito mais simples e consciente graças justamente à experiência anterior, mas por outro lado as minhas exigências pessoais eram muito mais altas para tentar superar o resultado de Vaporpunk e atingir uma evolução real como artista.
Primeiro Vaporpunk, agora Dieselpunk, o organizador das coletâneas, Gerson Lodi-Ribeiro, já mencionou uma terceira a se chamar, pelo menos provisoriamente, de Solarpunk. Será uma trilogia ou ainda haverá mais apostas nessa área?
Solarpunk, que terá sua guia anunciada oficialmente no Fantasticon 2011 pelo próprio Gerson Lodi-Ribeiro, fecha a Trilogia Punk da Draco, mas nada impede de explorarmos ambientes tradicionais e conhecidos dos fãs de ficção científica como o Cyberpunk ou outros subgêneros de retrofuturismo ou futurismo. O mais importante dentro de nosso próprio trabalho é que essa coleção Punk inspirou iniciativas que vieram a nós depois como a Space Opera, por exemplo, grande sucesso que terá continuação, e é motivo de orgulho como realização de antologia temática trabalhada desde as regras do organizador até a sua apresentação gráfica, um projeto editorial que busca ter solidez e sustentação neste nosso mercado tão carente de títulos e que ainda precisa de muita divulgação e distribuição para ter representatividade efetiva nas livrarias e no público fora do fandom.
Novamente voltando a nossa primeira conversa, você me disse: "Quero trabalhar pelo dia em que o Brasil inverterá a situação e oferecerá as tendências a serem seguidas pela literatura estrangeira". Esta coletânea é uma obra desbravadora, pois não tenho notícias de uma outra antologia dedicada exclusivamente ao dieselpunk em nenhuma parte do mundo. Também tivemos recentemente a notícia de que um livro lançado por sua editora, A Corrente, do escritor e quadrinista Estevão Ribeiro, receberá versão para o mercado italiano. Este é o caminho que a Draco planeja seguir?
Sobre a escolha do tema, pensei em primeiro lugar na evolução natural da estética steampunk e nas possibilidades estéticas e visuais, como desenhista que sou. As ótimas oportunidades imaginativas que o gênero apresentou no cinema, como nos filmes Captain Sky e Rockteer, e nos games como Bioshock e a série de RPGs Fallout, que não é estritamente Dieselpunk, mas trata do contexto do sonho americano com um futurismo pessimista. Ora, Brasil e Portugal têm histórias riquíssimas e imaginar aventuras que pudessem remeter ao noir, ao clima progressista e otimista da Belle Époque, às contestações modernistas e aos regimes nacionalistas e toda a euforia da civilização de toda a primeira metade do século XX são o suficiente para ousarmos dar esse passo. Como material para criação narrativa os potenciais são imensos e por ter à frente do projeto um especialista em História Alternativa como o Gerson Lodi-RIbeiro me deixou bem respaldado para saber que a especulação seria tratada com a seriedade e o cuidado que a obra merecia. Se a antologia é desbravadora, fico contente, mas o ideal era dar continuidade a um trabalho que funcionou muito bem com Vaporpunk e espero poder levar esse projeto a ser conhecido fora do Brasil, não por um catáter de pioneirismo, mas por ser um projeto sólido e relevante dentro do subgênero retrofuturista.
A publicação na Itália é uma realização muito importante e nos mostra que é nessa junção do trabalho do autor com o editorial que poderemos ter produtos atrativos. Nessa negociação feita pelo próprio Estevão Ribeiro foi muito satisfatório entender que A Corrente estava sendo licenciado como projeto editorial, não apenas pelo seu título como romance. E é esse trabalho que a Draco busca, fazer dos livros projetos coerentes e sedutores, complementar o texto através do desenho gráfico e que após o contato com as capas o público possa ter a melhor experiência com o seu conteúdo, sendo elas o começo e o fim desse passeio do leitor, não somente uma ferramenta para impulsionar vendas.
Diante do belo trabalho gráfico destas capas e de outros lançamentos com o selo do dragão, pergunto: Erick Santos não tem vontade de lançar sua própria graphic novel?
Agradeço muito a avaliação que faz do nosso trabalho. A linha de HQs da Draco vem esse ano com o álbum Para tudo se acabar na Quarta-feira, baseado no conto de Octavio Aragão, arte de Manoel Ricardo. É um trabalho que tem levado muito tempo para um resultado satisfatório e como trabalhei com edição de arte em quadrinhos por vários anos, sei das enormes dificuldades em se fazer bem feito. O trabalho de quadrinistas é duro e muito extenso, portanto não teria condições de me dedicar a isso se não fosse em caráter exclusivo, portanto prefiro editar bons artistas que queiram lançar seus álbuns, de preferência romances gráficos, para termos mais uma linha dentro da editora para realizar e levar às livrarias coisas interessantes.
12 comentários:
Bem, em termos de ficção especulativa, esse é o livro para o qual estou mais ansioso em 2011. E me alegra saber que haverá uma Solarpunk. Desejo todo sucesso para a antologia.
Dou os parabéns à Draco e ao Gérson pela Dieselpunk - cuja capa, de fato, ficou fantástica.
Quanto à (excelente) questão que você levantou, Romeu, de um dia o brasileiro lançar tendências lá fora ao invés de absorver as que vêm do exterior, é como eu, Ivo Heinz, Gerson e outros discutimos no dia do lançamento da antologia Space Opera: para esse circuito inverter é preciso antes que o brasileiro saiba o que é feito lá fora, para que ele conheça as tendências e não reinvente a roda, achando que está fazendo algo original. Quando isso acontecer, os autores de FC brasileira poderão se lançar de uma vez por todas ao exterior sem nenhum medo de errar.
Também desejo sucesso ao novo projeto, Josué
Opa, Fábio, concordo, como sempre, contigo. Termos escritores antenados no que se produz nos maiores mercados é a única chance de realmente inovarmos nesta área. Sorte contarmos com um colunista da excelente SFSignal entre nós ;-)
Mais um trabalho fantástico da Draco, mais um trabalho extraordinário do Erick Sama.
Longa vida à Draco!
Acho bem legal quando é exibido o processo de criação
Gosto muito das capas que dão ideia de 3D
Você por acaso já tinha visto a capa do cd da Janelle Monae?
Imagino que poderia ter ajudado quando vc criou
http://flash.atlrec.com/myspace/JanelleMonae/android-cover-700x.jpg
Oi, Lucio, obrigado pela referência, de fato é uma bela imagem. Acabamos chegando num resultado semelhante por outro caminho. :)
Abraço!
A capa está lindissima.
O sucesso da Draco, concretizado nos seus belos títulos e também no feito de vender um livro no exterior, mostra que ao invés de falar e se julgar melhor ou mais entendido do que o resto da humanidade, o que faz a literatura - e o mundo - avançar é quando cada um faz a sua parte, sem tentar destruir a conquista alheia.
Verdade, Ana. Até estava comentando isso com o Erick ontem, que tem gente querendo criar flame war com o sucesso alheio, como se seus fossem, e que de incendiários só estão mesmo conseguindo queimar o próprio filme.
Fico muito contente em ver que o mercado brasileiro "pegou".
Livros novos de autores também novos, coisa boa e muita gente discutindo projetos, tudo isso junto mostra que é viável, basta ter qualidade.
Complementando o que o Fábio e o Romeu escreveram, o pessoal aqui faz do seu jeito, sem copiar descaradamente ou reinventar a roda; jogam o tempero brasileiro nas obras sem me parecer "macumba pra turista ver". Escrever é, antes de tudo: ler, pensar e entender, daí planejar aonde se quer chegar. Lá fora estão experimentando muita coisa legal, muitos conceitos mais radicais, que o povo aqui também ouse, arrisque e crie.
Opa, Ivo, tem de tudo chegando no nosso mercado e isso é ótimo. Ainda tem coisa que é por demais chapada no que se fazia lá fora anos e anos atrás, convivendo com material mais "em linha" com as tendências.
Acho que o importante mesmo é termos sempre algum diferencial daqui, o tal tempero brasileiro como você disse. Que pode ser tanto o sal grosso sulista ao dendê do norte e tudo o mais que houver entre os dois pontos ;-)
Ótima capa! Acho que algumas editores precisam perceber que a capa é uma das partes essenciais do produto ela que levará leitores ocasionais - que não estão acostumados e inteirados por completo das novidades - a chegar ao produto. E uma mal feita pode afastar um eventual comprador.
Em suma, ótimo trabalho do Erick Sama e da Draco! (=
Assino embaixo, Warty, como eu disse ano passado, Erick tem elevado o padrão das capas nacionais com o trabalho dele na Draco. E é ótimo ver que ele não deixa de se aprimorar a cada novo trabalho.
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