Mostrando postagens com marcador Resenha. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Resenha. Mostrar todas as postagens

13.4.12

Vikings no UniversoHQ

Este ano eu ainda não havia publicado resenha em um dos meus sites favoritos, o UniversoHQ. Nesta sexta-feira 13, pude retomar os trabalhos com uma crítica a respeito de uma série de quadrinhos que faz uma excelente ficção histórica. Northlanders, ou Vikings, como é chamada no Brasil, retrata os povos nórdicos que entraram para a História um milênio atrás. Criação de Brian Wood, esses quadrinhos muitas vezes respeitam mais a ambientação e seus personagens que as várias deturpações vistas em outras mídias, das montagens de óperas aos cinemas. Na resenha publicada hoje, falo sobre o encadernado A viúva do inverno, que agrupou oito edições da série mensal que já foi cancelada nos EUA. Boa leitura, bom final de semana, boa sorte.


Esqueça aquela imagem popularizada desde as primeiras montagens de óperas em que os vikings aparecem como guerreiros ensandecidos com capacetes cheios de chifres.
Na série Northlanders (traduzida e simplificada como Vikings no Brasil), criada por Brian Wood para a Vertigo, não faltam os guerreiros ensandecidos entre aqueles habitantes do norte. Mas o cuidado histórico que o escritor reservou a suas HQs evitou anacronismos como os tais capacetes cujos adornos nunca existiram.
Da mesma forma, o universo daqueles protagonistas que aterrorizaram a Europa mil anos atrás é bastante enriquecido por outros personagens e abordagens além dos costumeiros saqueadores, sempre com as espadas e machados nas mãos. O roteirista, conhecido também por sua série futurista ZDM - Terra de ninguém e pelas capas que fez para as 12 edições de Frequência global, de Warren Ellis, focou em outros aspectos do cotidiano dos antepassados dos escandinavos de nossos tempos.
Este encadernado, que reúne oito histórias da série mensal, é um ótimo exemplo. A ambientação mostra uma cidade fundada pelos nórdicos, com sua estrutura política organizada e com sua rede de comércio estabelecida. Os protagonistas já se mostram afeitos à fé cristã, ainda que guardassem memória dos antigos deuses que cultuavam.

Continua

10.2.12

Nova resenha das Aventuras Secretas

A primeira coletânea nacional de contos baseados no mais famoso personagem de Arthur Conan Doyle ganhou nova avaliação crítica ontem, desta vez pelo jornalista e escritor Antonio Luiz M.C. Costa, em seu blog no site da revista CartaCapital. Seguindo a tradição desta página, reproduzo o início do texto, o trecho que se refere ao meu conto e deixo os leitores ao final com o link para o texto completo.

Desde o início, o detetive da Baker Street se fez notar como um personagem capaz de ganhar vida própria, para além da vontade do autor. Em 1893, quando Conan Doyle quis livrar-se dele para se concentrar em romances históricos mais sérios e o matou em O Problema Final, fãs e editores indignados o obrigaram a ressuscitá-lo e a continuar escrevendo suas histórias. Muitos acreditaram que seus personagens realmente existiam e escreveram cartas para o inexistente endereço da Baker Street 221B.
Escrever histórias apócrifas sobre Holmes é uma tradição inaugurada em 1907, vinte anos antes da morte de Conan Doyle. Os pioneiros foram um time de escritores alemães dentro de uma série chamada Arquivos secretos de Sherlock Holmes, traduzida em francês. E desde que Holmes caiu oficialmente em domínio público, a tentação de reinventar o personagem e suas histórias tornou-se irresistível para seus fãs em todo o mundo. Inclusive no Brasil, onde a Editora Draco acaba de lançar Sherlock Holmes – Aventuras Secretas (264 págs., R$ 46,90), organizada por Marcelo Galvão, cujos contos, na maioria, valem a leitura.
A introdução, de Carlos Orsi, lembra como, em 1911, o padre anglicano Ronald Knox fez uma palestra intitulada Um estudo da literatura de Sherlock Holmes, no qual aplicava aos romances e contos publicados até então por Conan Doyle os mesmos métodos aplicados pela Alta Crítica aos Evangelhos, tratando o detetive como realmente existente e procurando, pela primeira vez, atar as pontas soltas deixadas por Doyle.

Na verdade, como está bem sinalizado ao longo do livro, a coletânea foi organizada por Marcelo Augusto Galvão em parceria com Carlos Orsi. Segue abaixo a parte da resenha que registra opiniões e informações sobre meu conto:

O caso do desconhecido íntimo, de Romeu Martins, mantém Sherlock Holmes e John Watson, mas lhes dá destinos completamente diferentes. Em vez de ser um brilhante detetive, Holmes industrializa o reagente para hemoglobina cuja invenção anunciara no primeiro romance, Um estudo em vermelho e se torna um próspero empresário. Quanto a Watson, enlouquece logo depois de conhecê-lo, delira com aventuras detetivescas que imagina viver em sua companhia e escreve os romances e contos que conhecemos até que, indigente e agonizante, é recolhido a um hospital.
Ao ler seus escritos, o médico que o atende avisa Holmes – protagonista e narrador – que visita o Watson já inconsciente, mas nada compreende. Infelizmente, nem o leitor. Nenhuma revelação interessante sobre a causa dos delírios, nenhum lampejo de inspiração sobre o relacionamento da dupla ou a natureza da loucuraem geral. Este Holmes, talvez o mais obtuso já imaginado, vê Watson como uma monstruosidade incompreensível e sem sentido. Compara-o ao homem-elefante Joseph Merrick, atendido no mesmo hospital e não mostra nem sombra da perspicácia que o tornou célebre na pena de Conan Doyle e que retorna na maioria dos contos desta antologia.
Desajeitado na forma e prosaico no conteúdo, o conto trivializa seus personagens e lhes rouba o encanto sem nada ter para dar em troca. Notam-se também alguns anacronismos: Watson recebe medicação intravenosa, prática criada só nos anos 1930 e Holmes dirige uma grande empresa de pesquisa especializada, décadas a frente do tempo. Amostra:

O jovem médico se aproximou de mim e tocou em meu ombro, fazendo o mesmo rosto que, presumo, deveria dedicar àqueles a quem era obrigado a dar notícias sobre a proximidade da morte.
– Seria tão fácil quanto falso eu dizer que posso imaginar o que sentiu ao ler aqueles textos. Creio que ninguém poderia se pôr no lugar do senhor, para saber o que se passa em seu espírito com toda esta situação tão inusitada.
Não posso negar o quanto estava confuso desde que, em meu escritório, recebera o baú repleto de papéis escritos com uma caligrafia que ficava mais errática com o tempo. Desvendar a forma, no entanto, não era mais difícil do que aceitar o conteúdo, com tudo o que dizia respeito a mim. Ou, pelo menos, a uma versão possível de mim, da minha vida, do meu passado, e até mesmo, do meu futuro…
Por isso tudo, com tamanha confusão, não me sentia à vontade para desabafar a respeito com o médico, que conheci superficialmente anos antes e de quem não ouvira falar desde então. A única coisa que me ocorreu responder foi:
– Esta parte do hospital é bem mais tranquila que o ponto onde entrei, não?
Vale dizer que, quanto aos anacronismos notados pelo autor do texto, eles são elementos próprios da ficção especulativa que permite fazer avançar situações como a criação de uma empresa especializada na área de química ou as pesquisas em relação a tratamentos intravenosos da mesma forma que ocorre com a descoberta antecipada em mais de meio século de um equivalente do nosso Luminol ou ainda a construção de toda uma ala fictícia do bem real London Hospital, onde o Homem Elefante de fato esteve internado na década de 80 do século XIX. Por falar nisso, ao contrário do que diz a resenha, no conto não é Holmes quem compara Watson àquela figura histórica, mas sim outro personagem que faz essa relação reiteradamente.

A íntegra de "Sherlock Holmes em oito reencarnações" pode ser lida aqui.

7.2.12

Primeira resenha das Aventuras Secretas

Recebi ontem por email a primeira resenha dedicada à coletânea Sherlock Holmes - Aventuras Secretas, editada pela Draco. A autoria dos comentários é de Pedro Dobbin, resenhista regular deste blog e que me autorizou a postagem do texto a seguir, pelo qual já lhe deixo os meus agradecimentos e o convite a outros críticos para que também registrem suas opiniões:






Sherlock Holmes - Aventuras Secretas


Organizado por Carlos Orsi e Marcelo A. Galvão
Editora Draco, 2012, 264 páginas.

Uma coletânea de contos de Sherlock Holmes escrita por autores brasileiros. Com uma introdução ao que se chama de Grande Jogo escrita por Carlos Orsi, onde este explica de forma clara esse esporte intelectual que une pessoas do mundo inteiro na busca da “verdade” que se esconde em cada história do famoso detetive. Só essa introdução já vale a pena o livro e aqueles pouco familiarizados com a obra de Conan Doyle terão oportunidade de conhecê-la um pouco mais.

Ao final temos uma apresentação dos autores, com um desenho de cada um deles. Recomendo a leitura antes de iniciar o mergulho no restante, assim temos a oportunidade de saber um pouco sobre quem são e o que fazem cada um deles.

A aventura do americano audaz - um relato póstumo de John H. Watson, MD.
Octávio Aragão

A descoberta de documentos da família do autor trazem à luz uma história fascinante em que Watson narra uma aventura de Holmes desconhecida até o momento. Nesta aventura, Holmes tem a oportunidade de lidar com outra criação literária, dos clássicos da literatura de horror, e a forma com que a ação se desenrola é no mínimo surpreendente.

Destacam-se as referências ao cânone sherlockiano e o tom realista que o autor imprime à história. Embora pessoalmente eu tenha me surpreendido, pois os outros contos do autor que tive oportunidade de ler tinham uma ação vertiginosa e de tirar o folêgo, nesta história ele avança de outra forma, criando um clima de suspense e nos transportando ao ambiente sherlockiano com bastante realismo.

Excelente história, enredo bastante criativo e original.

Das reminiscências do Dr. Ormond Sacker, Clínico Geral
Marcelo A. Galvão

Numa realidade alternativa, Holmes irá investigar o assassinato de Watson junto com seu parceiro Sacker. Uma trama bem feita, com alguns toques de erotismo.

A aventura do falso Dr. Watson
Carlos Orsi


Para investigar a morte da esposa de Watson, Holmes se disfarça de...Watson!. Explorando a crença de Doyle no espiritismo o autor conseguiu montar uma trama envolvente e original. Excelente conto.

O caso do detetive morto
Cirilo S. Lemos


O Doutor Joseph Bell e Arthur Conan Doyle vão a Paris investigar a morte do famoso detetive Dupin. Para quem não sabe, o Doutor Joseph Bell foi professor de Doyle na vida real e muito se comenta sobre ter sido ele a inspiração para a criação de Sherlock Holmes. Quando ao detetive Dupin, trata-se da criação de Edgar Allan Poe. Muito boa história e o final é bastante surpreendente.

O caso do desconhecido íntimo
Romeu Martins

Um Holmes que não é um detetive famoso, mas um inventor, visita no sanatório ninguém menos que John Watson. Embora este não possa mais se comunicar, estando às portas da morte, a descoberta de escritos que mostram uma parceria entre os dois e sua pessoa como um famoso detetive deixam Holmes pensativo. Excelente conto, mostrando o que poderia ter acontecido se, por um motivo qualquer, a famosa dupla não tivesse tido oportunidade de se formar. Destaque para o momento em que Holmes tem uma intuição de que as histórias de Watson acontecem em outra realidade.

A aventura do penhasco dos suicidas
Alexandre Mandarino

Na primavera de 1944, ao investigar uma morte no Penhasco dos suicidas o inspetor Wells conta com a ajuda de um misterioso senhor que com seu método as vezes estranho acaba por elucidar o que de início parecia um suicídio. Destaque para as revelações ao final do conto.

Um estudo em Azul
Rosana Rios

Uma estagiária de uma delegacia paulista e seu colega de apartamento investigam uma ossada descoberta após a demolição de uma casa antiga. A estagiária parece-se, a cada parágrafo do conto, mais e mais com o nosso famoso detetive enquanto as investigações sobre a ossada levam a hipóteses que são no mínimo surpreendentes. A única participação feminina do livro é também um dos seus pontos altos. O conto é excelente e muito gostoso de ler.

O punhal adamantino do vazio
Lúcio Manfredi

Sherlock Holmes enfrenta seu pior inimigo numa aventura que parece de início ser um delírio a que foi levado nosso grande detetive, mas que acaba por mostrar algo totalmente inesperado. Nota-se a sequência de aparecimento de inimigos/amigos e a descrição dos raciocínios que, a meu ver, mais se aproxima do pensamento de Holmes no livro.

Conclusão


Oito contos, todos de excelente qualidade, os autores conhecem bem a obra do Conan Doyle e conseguiram criar histórias muito interessantes. Acredito que qualquer um que se interesse pelas histórias de Sherlock Holmes encontrará no livro uma fonte de entretenimento e prazer, os que não conhecem podem aproveitar para iniciar um primeiro contato. Não encontrei pontos negativos, exceto, uma falha de revisão na página 134 onde dois “que” aparentemente foram suprimidos.

24.1.12

Resenha e sorteio de Deus Ex Machina

O blog Empório dos Livros está promovendo o sorteio de uma edição da coletânea steampunk Deus Ex Machina - Anjos e Demônios na Era do Vapor. A responsável pela página, Vivi Guarapari, fez uma resenha absolutamente honesta da obra, deixando claro que não sentiu afinidade pelo gênero, mas ressaltou a qualidade de alguns contos, entre eles o meu, como pode ser lido abaixo:

Os contos são muito bem escritos. Analisando puramente a história proposta (sem entrar no mérito de interagir intensamento com ela) eu gostei da forma como 'A Diabólica Comédia - A Conquista dos Mares' (Romeu Martins) foi contada, dando uma alternativa interessante numa batalha onde um anjo e um demônio se juntam para guerrear. A música 'The Battle of Everymore' foi uma ótima trilha sonora para início de capítulo. Feliz escolha do autor.
Para participar do sorteio e ler a resenha completa, é só clicar neste link.

14.1.12

O maior dos problemas

O ano em que mais vai se lançar material steampunk no Brasil não poderia começar melhor do que com a exibição da segunda aventura sherlockeana dirigida por Guy Ritchie; Se na época do primeiro filme, resenhado aqui, houve quem pusesse em dúvida se se tratava mesmo de um filme do gênero (ignorando, essas pessoas, a clara retrotecnologia que aparecia na obra), nesta segunda produção os personagens principais, vividos por Robert Downey Jr. e Jude Law, até mesmo usam em certo momento googles, aqueles óculos protetores que são verdadeiros ícones do estilo. Sherlock Holmes - O jogo de sombras apresenta ainda mais invenções tecnológicas a frente do tempo em que se passa a história (1891), ao mostrar a tentativa do Grande Detetive vitoriano de desbaratar os planos de seu nêmesis, o Napoleão do Crime, para antecipar a Primeira Guerra Mundial em uma geração.

O filme nada mais é que uma versão estendida e muito mais explosiva daquele conto que deveria ser o último que Arthur Conan Doyle escreveria sobre seu maior personagem. "O problema final" ao mesmo tempo introduzia o professor Moriarty como o único vilão a se ombrear com Holmes nos dotes intelectuais e mostrava a morte da dupla de opositores, despencando do alto de uma catarata suíça, para livrar o escritor do ônus de ser eclipsado por sua criação. Como todos sabemos, a reação do público e dos editores foi tamanha que não restou alternativa a não ser promover a volta do detetive consultor às páginas das revistas de contos e dos livros. Esta é a base da narrativa escolhida pelo diretor britânico para voltar a se aventurar em sua recriação do maior dos mitos da Era Vitoriana nas telas de cinema.

A escolha do antagonista, que aparecia apenas parcialmente no primeiro filme, depois de muita especulação acabou recaindo em Jarred Harris, ator conhecido por seu papel no seriado de TV Mad Men, e que consegue ficar à altura de contracenar com Downey Jr. inspirado como sempre. A interação da dupla só não é mesmo maior que a existente entre o protagonista e seu coadjuvante de luxo. Jude Law revive seu John H. Watson (agora homem casado e com o enigmático significado da inicial do meio revelado) com a química perfeita com seu colega de cena. Nas cenas que se passam em um trem metralhado, a quantidade de alusões homoeróticas entre os dois parceiros é tão grande quanto as que haviam entre Batman e Robin nos gibis pré-Era de Prata do Morcego, no típico humor escrachado das produções de Guy Ritchie.

Aquele recurso unindo flashbacks e flashfowards que tenta reproduzir a velocidade das deduções de Holmes - e agora também de Moriarty - a que chamei de thought time na resenha anterior, está de volta em grande estilo. Assim como uma versão atualizada de seu ancestral, o bullet time visto pela primeira vez na trilogia Matrix. Na sequência em que Holmes, Watson e seus informantes ciganos são alvejados em uma floresta, a equipe do filme empregou novas câmeras capazes de captar movimentos com uma precisão de experimento científico. O resultado é bem operístico, assim como o filme como um todo. Um filme ainda melhor que o primeiro e que já prenuncia um terceiro que deverá formar a melhor trilogia steamer a chegar aos cinemas.



5.1.12

Nova resenha de 'As Cidades Indizíveis'

Então, pessoas.

Quando assumi o cargo de co-blogueira (o qual, faço mea-culpa, não tenho levado a cabo com o impeto que o blog merece), combinei com o Romeu que começaríamos a abrir um pouco o leque de gêneros, sem deixar de atentar para a característica principal do blog, o retrofuturismo. Um dos novos gêneros (ou subgêneros) a ser incorporado seria o da Fantasia Urbana, que vem começando a chamar a atenção no Brasil com o boom do seu irmão mais açucarado, o Romance Sobrenatural.

Bom, eu tenho o orgulho de ser a editora da primeira coleção de histórias de Fantasia Urbana do nosso mercado editorial, além de participar com um conto. Certo, é perigoso falar em primazias e etc, mas nunca antes se pensou em uma coletânea de Fantasia Urbana de forma consciente e dirigida. As histórias reunidas por Nelson de Oliveira e Fábio Fernandes em 'As Cidades Indizíveis' fogem um pouco ao que vemos nos romances de F.U. que nos chegam do exterior como Frente de Tempestade ou a série Instrumentos Mortais. Provavelmente porque somos brasileiros e isso se mostra no que escrevemos sem ter que pintar a capa de verde-amarelo...

Mas tergiverso.

Parte do combinado foi que faríamos uma torre de vigia similar à que o Romeu tem mantido para a coletânea 'Steampunk'. Infelizmente, quando acertei isso com ele já tinham saído duas excelentes resenhas do Lucas Rocha e do Josué de Oliveira. Então começamos a contar a partir de agora, certo?

O blogueiro P.M Zancan do Noites Malditas fez um belo comentário conto a conto do livro, sem spoilers e com uns insights bem bacanas sobre os contos. Como de costume, o apanhado geral e o que ele falou do meu conto.


"As Cidades Indizíveis" (antologia organizada por Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira) é um livro que li com atenção especial, não só por ter sido presente de uma pessoa muito especial (um suvenir trazido para mim em meio às aventuras dela na XV Bienal do Livro do Rio), mas por englobar dois de meus assuntos preferidos: ficção-científica (Sci-Fi) e fantasia. É um livro com narrativas muito variadas, das mais simples às mais complexas, da linguagem mais trabalhada a mais coloquial, onde o único elemento em comum é a importância da cidade. Devido à sua variedade, pode ser difícil para um leitor se identificar com toda esta obra, mas, para aqueles que, como eu, gostam de Sci-Fi e/ou fantasia, é uma opção de leitura agradável.
(...)
O LONGO CAMINHO DE VOLTA
de Ana Cristina Rodrigues

Neste conto, Clio retorna de seu exílio para Biblos, a cidade biblioteca. Esta é uma cidade única devido à sua função de armazenamento central do conhecimento humano, à magia utilizada para proteger seus preciosos livros e às leis que regem seus habitantes. A autora trata muito bem do conflito entre os paradigmas tradicionais e idéias revolucionárias, principalmente com relação à crueldade decorrente dos medos da mudança e do desconhecido.

Mais você lê aqui.

De resto, só posso agradecer ao resenhista pelo belo comentário e pelo elogio ao meu conto, pois era justamente o que eu queria passar!

13.12.11

Dirty Harry Potter

Quando foi lançado em 2005, o filme Constantine descontentou boa parte dos leitores de Hellblazer, a revista mais longeva do selo de quadrinhos adultos da DC Comics e que lhe serviu de inspiração. Ainda que não fosse exatamente um trabalho ruim, a obra tomou liberdades na recriação de seu protagonista com o objetivo de tentar torná-lo mais atrativo ao mercado dos EUA. Resumidamente, saiu de cena o loiro inglês com a cara do Sting das HQs para chegar às telas um americano moreno e com a cara inexpressiva de Keanu Reeves. O mais irônico é que havia à disposição dos produtores dos estúdios um personagem que corresponderia mais prontamente, sem a necessidade de descaracterizações, àquele modelo americanizado de mago investigador que foi levado aos cinemas. Estou falando de Harry Dresden, um bruxo morador de Chicago e que atende tanto clientes particulares quanto presta auxílio à polícia daquela cidade mediante a quantia de 50 dólares a hora. Criação do escritor Jim Butcher, um romance tendo ele como personagem principal foi lançado no Brasil pela Editora Underworld, a mesma que vai trazer a Steampunk Bible a nosso país em 2012.



Frente de tempestade é apenas o primeiro de uma longa lista de livros agrupados na série Dresden Files. Originalmente, foi lançado no ano 2000; no ano seguinte, o autor publicou dois outros títulos que já tinha prontos; desde então, anualmente um novo romance do bruxo de Chicago tem chegado ao mercado, sempre narrados por Harry Blackstone Copperfield Dresden. Filho de um mágico de circo (e de uma maga com poderes reais), o motivo de seu batismo na ficção teria sido homenagear Harry Houdini (1874-1926), David Copperfield e Harry Blackstone (1885-1867), três dos mais famosos mágicos de todos os tempos. Consta que Butcher descreve informalmente seu personagem e seu universo aludindo a outras duas inspirações que podem ser resumidas na expressão usada no título desta resenha. É uma excelente maneira de descrever o que o leitor pode esperar do livro: a união do ambiente policial dos filmes adultos protagonizados por Clint Eastwood com os ingredientes fantásticos da série literária  infanto-juvenil criada por J. K. Rowling. Uma espécie de fantasia hardboiled.

O público alvo também corresponderia a tal colisão dos mundos de Dirty Harry com Harry Potter, pois toda a série dos Arquivos de Dresden é voltada para os chamados Young Adults, aquela nova faixa de consumidores que embarca lá desde a pré-adolescência até leitores por volta dos 30 anos - ou mais. Exatamente o grupo que a editora brasileira busca atingir por aqui e que resultou na aposta neste romance de estreia de Jim Butcher. Sendo assim, o livro pode não ter a profundidade psicológica que se esperaria de uma obra realmente adulta, mas em seu lugar reserva aos apreciadores de uma boa trama de investigação e também aos que cresceram apreciando aventuras com bruxos recitando encantamentos uma boa dose de ação e de diversão. O equilíbrio fica entre assassinatos brutais, com as vítimas tendo o coração arrancado por forças místicas, com cenas bem humoradas, descritas pela narrativa quase cínica e cheias de referências ao mundo real - com marcas bem conhecidas, por exemplo - do jovem adulto Harry Dresden.

O romance é uma boa e promissora estreia, com seus gangsteres humanos e cafetinas vampiras, que talvez agrade ainda mais os leitores de Hellblazer que aquele filme de seis anos atrás. Espero que o lançamento de Frente de tempestade seja seguido em nosso país por mais livros da longa série que nos EUA está programada para ter ao todo vinte livros (e que pode ainda não ter ido aos cinemas, mas já rendeu um seriado televisivo de curtíssima duração, com apenas 12 episódios exibidos na mesma época em que Constantine ia parar nas telas). A prosa e a imaginação de Jim Butcher mereceriam fazer sucesso no mercado nacional também. O mesmo vale para trabalho da editora Underworld, apesar do deslize desagradável ocorrido em algum lugar entre o trabalho de tradução de Johann Heyss e o de revisão de Marcelo Sampaio. Algumas expressões usadas por um foram apenas parcialmente substituídas pelo outro. O caso mais grave foi a sucessiva mudança de "que nem" para "como" que acabou por resultar em uma dezena de "comoque nem" espalhados ao longo das 340 páginas do livro. Fora esse contratempo, obviamente de caráter técnico, a revisão deixou ainda escapar vários "quês" e "porquês" sem o devido acento circunflexo e algumas palavras grafadas na velha ortografia, como "microondas" (agora, micro-ondas). São problemas que podem ser corrigidos em uma eventual segunda tiragem e que não devem se repetir em um possível novo livro da série.

6.12.11

Sherlock Begins

Antes do recente filme de Guy Ritchie com Robert Downey Jr. no papel principal, a obra cinematográfica que apresentou as aventuras do Grande Detetive a um novo e grande público foi O enigma da pirâmide, título nacional de Young Sherlock Holmes, de 1985. Duas décadas e meia depois daquela película - que já virou um clássico nas reprises da TV aberta - chegou às nossas livrarias o primeiro livro de uma série com o mesmo nome original e a mesma proposta de mostrar os anos de formação do personagem de Conan Doyle. O Jovem Sherlock Holmes - Nuvem da morte foi lançado no Brasil este ano pela editora Intrínseca que já promete publicar também a continuação, Parasita Vermelho, e, a depender do sucesso, quem sabe as duas outras obras da série, já circulando pela Inglaterra, país natal tanto do personagem quanto do autor, Andrew Lane.

Em certos momentos tão divertido quanto o filme oitentista, a vantagem inicial deste livro que abre a série é seguir mais de perto o cânone legado pelo criador do personagem. Tanto é verdade, que Lane conseguiu as bênçãos dos descendentes de Conan Doyle para escrever sua própria versão da adolescência de um dos personagens mais conhecidos e visados do mundo. Em Nuvem da morte, vemos Holmes aos 14 anos, na década de 60 do século XIX, ainda dando os primeiros passos para domar seu cérebro privilegiado, adquirindo a gama de conhecimentos que serão tão úteis para quando ele for morar em Baker Street e se tornar um detetive consultor, vinte anos mais tarde. Para tanto, Lane criou a figura de um tutor para o jovem, controvertidamente - e, por certo, com a intenção de tornar mais viável uma possível adaptação cinematográfica de seu texto - na figura de um personagem americano. Amyus Crowe, ex-caçador de recompensas em Albuquerque, foi a quem coube tal honraria.

Do material canônico, além do protagonista, apenas seu irmão Mycroft faz uma ponta. Outros personagens estão lá para cumprir funções de criações originais de Conan Doyle. Virginia, a filha de Crowe, seria A Garota, uma espécie de prévia de Irene Adler. Matty Arnatt, que abre o livro no prólogo, mas não é o narrador (o livro é em terceira pessoa), faz às vezes de Watson. Quanto ao vilão, uma espécie de antecessor de Moriarty, prefiro não revelar o nome e estragar alguma surpresa. Mas digo que, em caso de uma bem provável adaptação para o cinema, este antagonista poderia resultar em efeitos especiais tão memoráveis quanto os utilizados em O enigma da pirâmide, filme pioneiro no uso da computação gráfica, com seus doces ambulantes e um espadachim saído de um vitral.

O plano encabeçado pelo vilão é que não é lá grandes coisas na trama. Tanto que a partir do momento em que o jovem Sherlock deduz seus detalhes, o estrategema passa a ser contestado em sua viabilidade por todos os personagens coadjuvantes. Parece mais que a ideia surgiu mais para Lane fazer uma ponte entre esta estreia não-oficial do personagem e o interesse que o criador dele imaginou que Holmes teria ao final da vida, após se retirar das grandes aventuras. E mais não digo. Porém, mesmo inconsistente, o pano de fundo serve para divertir e para mostrar como o futuro ícone da lógica se virava no início da carreira. Segundo podemos ver na interpretação de Andrew Lane, enquanto não desenvolvia plenamente seu lado Spock, o rapazinho sabia lutar tão sujo quanto Kirk.

5.12.11

A ficção fantástica de Nautilus Friday

Já faz tempo que acompanho e escrevo por aqui a respeito da webtira Meu Monarca Favorito, do cartunista Tibúrcio. O primeiro post a respeito foi em abril de 2010, quando fiz uma apresentação da série e a classifiquei de "quase steampunk":

Tiburcio, quadrinista e ilustrador conhecido dos leitores por seu trabalho publicado na revista Mad, está desenvolvendo desde o início deste ano uma tirinha na rede com uma ambientação muito próxima aos trabalhos da cultura steampunk. Claramente inspirada nos últimos dias do Império do Brasil, Meu Monarca Favorito narra as desventuras de um rei fictício, de um país fictício, em pleno século XIX, cercado de ameaças à sua coroa.

Com um clima leve, acompanhamos uma série de conspiradores republicanos, civis e militares, cobiçando o poder do Monarca anônimo, mas cujas aparência e personalidade remetem instantaneamente a nosso conhecido D. Pedro II (1825-1891). As webtiras são postadas duas vezes por semana, às quartas-feiras e aos domingos, com algumas postagens intermediárias para apresentar novos personagens ou para dar alguma ilustração de brinde aos leitores, como foi o caso das que permitem a impressão de cédulas do dinheiro que circula naquela monarquia - o mango imperial - ou a que mostra a aparência da bandeira e das armas do país. As atualizações podem ser acompanhadas ainda pelo Twitter do cartunista, o que gerou o desenho perfeitamente steamer do computador ao lado.
Pois em uma nova fase da tirinha, iniciada esta manhã de segunda-feira, o material começa a se aproximar ainda mais da cultura steamer, com uma homenagem explícita ao autor do século XIX que é praticamente seu santo padroeiro. Tiburcio vai começar a apresentar a seus leitores o trabalho de um escritor de ficção fantástica que é claramente inspirado em Jules Verne, já desde o seu nome Nautilus Friday. Em uma série dentro da série, ele começou a publicar trechos do folhetim "Viagem na Mayonaisse", uma ficção fantástica com toques de 20 Mil Léguas Submarinas. Escrito em parceria com Shumora e revisado por André Lasak, o texto metalinguístico reproduz o estilo dos piomeiros da ficção científica. Confiram abaixo a primeira parte dessa viagem (cliquem para ampliar):

2.12.11

O Grande Irmão e o Canalha

Fazia tempo que não me sobrava uma folguinha para resenhar uma HQ para o maior banco de dados de críticas da nona arte do Brasil (e talvez, do mundo). Mas esta semana saiu material novo no UniversoHQ, um comentário sobre um álbum bastante fora do padrão de um de meus personagens favoritos, John Constantine, símbolo maior da Vertigo. A seguir, o início da resenha de Passagens Sombrias, de autoria do romancista Ian Rankin e do desenhista italiano Werther Dell'Edera::


Há mais de uma década, por todo este início de Século 21, o Brasil tem sido assolado pelo sucesso televisivo dos chamados reality shows. Como acontece com fenômenos do tipo, ele tem tamanha abrangência e massificação que divide a audiência entre quem os ama e quem os odeia, restando poucos totalmente indiferentes ao material.
Este lançamento da Panini, com o selo Vertigo, da DC Comics, tem tudo para satisfazer os dois lados públicos.
John Constantine estava levando sua vida de mago underground em Londres até o dia em que chega ao seu apartamento e encontra uma pessoa não convidada lá dentro: o produtor de Passagens Sombrias, programa que submete seus participantes enclausurados em uma mansão a truques para provocar medo.
O problema é que a série de visões e estranhas ocorrências que andam tirando a paz dos seis candidatos a celebridades nos primeiros dias de exibição não é provocada pela equipe da atração. Sua causa é, aparentemente, sobrenatural.
Eis que surge a participação do maior anti-herói da Vertigo, aqui em sua estreia em uma espécie de selo dentro do selo. John Constantine - Hellblazer - Passagens Sombrias é a primeira história publicada no Brasil da linha Vertigo Crime, que enfatiza tramas policiais e de suspense.
Continua

9.11.11

Vapor e mitologia em prol da literatura fantástica

O título acima é o mesmo da mais nova resenha que o livro Deus Ex Machina - Anjos e Demônios na Era do Vapor recebeu no blog da escritora Carol Mancini. Minha colega em outra coletânea da editora Estronho, Cursed City - Onde as almas não têm vez fez uma análise bastante detalhada de cada conto daquela antolgia e me deixou uma pergunta no ar. Vou fazer os procedimentos tradicionais daqui, postando o início do texto e o trecho que se refere ao meu conto, remetendo à íntegra, logo abaixo. Em seguida, volto para responder a pergunta:

“Deus Ex Machina” é outra das antologias da Editora Estronho com chamada e proposta criativa, que se diferencia também pelo capricho da edição. Em uma ambiente bastante saturado da literatura fantástica que é a “Guerra entre anjos e demônios” , os organizadores optaram por mesclar ao enredo a tecnologia Steampunk como objeto principal de trabalho para os escritores, ou até mesmo pano de fundo. De fato, não é uma temática fácil, e no final foram selecionados doze escritores que se juntaram ao convidado Romeu Martins, todos para nos contar de diferentes pontos de vista, e com bastante criatividade, caminhos e desventuras dessa grandiosa batalha.
O prefácio ficou por conta de Bruno Accioly, que nos indica que a viajem é para além de uma literatura de ficção sim, mas ficção de um passado que nunca existiu, (como é de fato uma característica do Steampunk), e que nesta feita, alinha-se ao celestial e ao improvável. Aqui, encontramos já o estilo um pouco mais rebuscado e de parâmetros cultos na escrita, o que esteticamente falando, já nos remete pela própria estrutura à época onde o gênero Steam é passado. Estilo esse que, em muitos contos, torna a aparecer.
Assim, aviso. Para os leitores desacostumados ou que preferem a simplicidade do coloquial pode não ser o tipo de obra a ser mais apreciada, mas tanto aos leitores que não se importem de por as engrenagens do seu cérebro para funcionar no desbravamento dessas frases ou para àquele que já está acostumado, “Deus Ex Machina” será um deleite de forma e conteúdo.
"Observação. Sempre que o termo “guerra” for utilizado, me refiro à guerra fictícia sugerida como proposta da antologia, e o termo “tecnologia” ao próprio gênero Steampunk.
Em segundo lugar, não sou uma entendida deste mesmo gênero, assim sendo, não avalio em nenhuma hipótese o quanto o que é apresentado se enquadra mais ou menos nesta temática."

Quem abre as narrativas é o convidado Romeu Martins (mais sobre ele e seus trabalhos no blog Cidade Phantastica) com “A diabólica comédia” (seria uma referência direta à "A divina comédia" de Dante?). Um conto onde interesses pessoais falam mais forte do que o “sangue” nessa batalha. Ele cruza diferentes mitologias levando a história aos primórdios da guerra. A tecnologia é um ponto interessante colocada sem prejudicar a fluência da leitura. Tudo bem equilibrado e com ótimas imagens.

Continua

A respeito da dúvida de Carol: o título completo do meu conto, "A Diabólica Comédia - A conquista dos mares", faz mesmo referência à obra mais conhecida do poeta Dante Alighieri, mas não apenas a ela. Quando meu caro confrade Cândido Ruiz, um dos organizadores do livro ao lado de Tatiana Ruiz e de M. D. Amado, me convidou para escrever algo para Deus Ex Machina unindo a temática steampunk com as figuras de anjos e demônios, apesar de ter aceitado na hora fiquei numa dúvida e tanto. Deveria escrever algo usando o cenário da noveleta "Cidade Phantástica" ou fazer algo novo?

O motivo da dúvida era que aquela mundo que dá nome a este blog tem algumas regras que eu me impus, sendo a mais notável que o seu protagonista, João Fumaça, só contracenaria com personagens já existentes, tomados de empréstimo de outros criadores. Sendo assim, até pensei em uma trama envolvendo meu agente da Polícia dos Caminhos de Ferro, o arcanjo Rafael, um cenário baseado em Demônios de Aloízio Azevedo e uma certa figura da mitologia greco-romana. O problema é que para desenvolver tudo aquilo eu precisaria de mais espaço que o estipulado para a coletânea que estava em desenvolvimento.

Sendo assim, decidi que usaria um outro universo para situar minha contribuição para o livro. A escolha recaiu em uma outra história que eu havia escrito, em 2008, para o blog Letra e Vídeo, criado por Ana Cristina Rodrigues. Como o nome sugere, a ideia daquele espaço era a de que os escritores escolhessem um vídeo musical e escrevessem algo inspirado nele. Minha contribuição na época foi o conto "A Diabólica Comédia", baseado na música "Ave, Lúcifer", da banda brasileira Os Mutantes. O disco em que saiu aquela música, de 1970, tem um nome duplo, é conhecido como Ando meio desligado ou ainda.. A Divina Comédia.

Sendo assim, aquele primeiro conto (cuja versão mais recente pode ser lida na revista Hyperpulp) foi batizado parodiando o nome de um disco que por sua vez citava o livro de Dante. Para escrever a continuação, mais uma vez recorri a uma inspiração musical (desta vez foi "The battle of evermore" da banda britânica Led Zepellin, a característica mais marcante daquele universo). Portanto, para marcar que "A conquista dos mares" fazia parte de uma história maior, deixei o "A Diabólica Comédia" no título completo do conto de Deus Ex Machina.

8.11.11

Nova resenha de Vaporpunk

Pedro Dobbin, o ganhador da coletânea Vaporpunk em sorteio realizado neste blog, me enviou ontem uma resenha daquele livro publicado pela editora Draco. Ele atendeu a um convite que refaço a todos os leitores deste espaço: caso queiram fazer críticas a obras relacionadas à temática daqui, e não tenham uma página pessoal para publicar, podem enviar o material para cá. Quando falo em temática, me refiro não apenas à cultura steamer e aos subgêneros coirmãos, como cyberpunk e dieselpunk entre outros. Falo também de outras abordagens que retratem o passado - histórico ou mítico - no gênero fantástico: weird west, fantasia histórica, espada & magia, gaslight novels e afins. Dito isso, resta agradecer a Dobbin por sua resenha completa e deixar o texto à apreciação dos leitores.




Vaporpunk, Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades

Organização: Gerson Lodi-Ribeiro e Luís Filipe Silva
Editora Draco, 2010, 312 páginas.

A proposta do livro, como podemos ver na introdução, é a de uma coletânea de noveletas steampunk com o enredo basicamente voltado às culturas brasileira e portuguesa. A questão do que vem a ser uma noveleta, se é algo maior que um conto e menor que uma novela é uma discussão à parte. Pelo que li tratou-se do número de palavras, entre 8 e 18 mil, classificando os contos em até 8 mil, as noveletas a seguir e as novelas acima de 18 mil. A justificativa para tal é pertinente: como se trata de história alternativa, necessita-se de mais espaço para situar o cenário histórico propriamente dito. No meu entender isso não deixa de lado os contos, que podem muito bem tratar disso com eficiência, mas as noveletas, ou contos grandes ,também são eficazes. A seguir breves comentários das 8 participações no livro, sendo 5 brasileiras e 3 portuguesas.

A fazenda-relógio
Octavio Aragão (bras.)

Pelo tamanho trata-se de um conto (não contei as palavras). E é a prova cabal de que contos podem dar conta da temática. Vemos a automação das fazendas escravagistas, com a libertação escravos, a transformação destes em hordas de desempregados miseráveis e suas consequencias. O ritmo é vertiginoso, tem-se a impressão de que estamos a correr junto com o autor de uma ação à outra. Mérito do autor, chega-se ao final quase sem folêgo, mas satisfeito. Excelente.

Os oito nomes do Deus sem nome
Yves Robert (port.)

Inglaterra, França e Portugal são superpotências e como tal lutam entre si. Inglaterra com a ciência física , França com as ciências psíquicas e Portugal com as ciências espirituais. A trama é um intriga internacional, envolvendo representantes das 3 potências e a tentativa de descobrir o segredo do crescimento acelerado do poderio Português. Um final um tanto confuso, mas de resto a trama é boa.

Os primeiros astecas na lua
Flávio Medeiros Jr. (bras.)

Um agente duplo luta com sua conciência e com as dificultades inerentes à traição. Inglaterra e o império Asteca de um lado e o império Francês do outro. É interessante observar as justificativas que o agente duplo dá para si mesmo. Outro ponto a notar são os grandes nomes e personagens da Literatura Fantástica alçados a posições políticas ou militares. É divertido encontrar essas referências. A história se desenrola bem e o final é no mínimo surpreendente.

Consciência de ébano
Gerson Lodi-Ribeiro (bras.)

Uma organização secreta dentro do governo é responsável por proteger um ser que é a “arma secreta” da República dos Palmares. A traição de um de seus membros e a construção de uma hidroelétrica são o pano de fundo para uma história maravilhosa, muito bem contada e original. Faz juz ao termo noveleta e é a melhor do livro.

Unidade em Chamas
Jorge Candeias (port.)

A história de um passarolista português e seu regimento, as dificuldades e a lenta transição do preconceito ao companheirismo quando um regimento de negros se junta ao seu. As traições decorrentes do abismo gerado pelo racismo de alguns. As descrições dos mecanismos das passarolas são muito bem detalhadas, assim como dos cenários e dos personagens. Excelente.

A extinção das espécies
Carlos Orsi (bras.)

Um naturalista inglês em viagem pela América do Sul narra seus encontros com cientistas e sua criações. A invenção de máquinas capazes de se reproduzir e de alimentarem-se dos mais variados cardápios dá margem a uma reflexão sobre qual espécie prevalecerá. Muito bem escrito, narração fluente, as vezes parece mais uma noveleta de terror. Um doce para quem descobrir quem é o naturalista, e atenção especial para a reflexão ao final. Muito bom.

Os dias da besta
Eric Novello (bras.)

Agentes da Guarda Imperial examinam um animal capturado no cais do Rio de Janeiro. Após a sua fuga descobrem que trata-se na verdade de um metamorfo que havia sido capturado pelos ingleses. Com a guerra do Paraguai se aproximando, um Brasil que ascende tecnologicamente, e uma Princesa Isabel aviadora temos uma história bastante interessante.

O sol é que alegra o dia...
João Ventura (port.)

História de um padre cientista com pitadas de aventura e intriga. A questão da parceira público-privada e sua eficácia é interessante, bem como a discussão sobre ciência e religião.

Conclusão


A edição é muito boa e as histórias são de qualidade. Na minha opinião uma ou duas foram “esticadas” e acabam por ter uma narrativa um pouco lenta, mas nada que prejudique o prazer da leitura. Destaque para a revisão, pois não pude encontrar os erros incômodos tão comuns em outras leituras, o que demonstra o cuidado e a preocupação da editora. A capa é um item a parte e merece um exame cuidadoso. No mais é leitura altamente recomendável.

28.10.11

Nova resenha de Deus Ex Machina

Acabo de receber uma nova avaliação da coletânea da editora Estronho para a qual fui o autor convidado: Deus Ex Machina - Anjos e Demônios na Era do Vapor. O autor da crítica é conhecido deste blog, Pedro Dobbin, que foi o vencedor no sorteio feito por aqui de uma outra coletânea, a Vaporpunk, da editora Draco. Ele fez uma resenha completa, de cada um dos contos, e ainda do material adicional do projeto gráfico, elaborado por M. D. Amado, que também é um dos organizadores da compilação, ao lado de Cândido e Tatiana Ruiz. Vamos ao texto, que publico aqui, na íntegra, conforme foi enviado por Dobbin.




Deus ex machina: Anjos e Demônios na era do vapor.
Editora Estronho, 2011, 200 páginas

Deus ex machina: Anjos e demônios da era do vapor tem a proposta de unir a temática Steampunk com o fascinante assunto de anjos e demônios. Trabalho dobrado para os autores da coletânea e também para os organizadores.

A capa e as ilustrações no interior por si só já valem uma folheada. Antes de cada conto temos uma apresentação do autor e ilustrações na temática Steampunk. Os autores são chamados de operadores e as páginas de caldeira. Dirigíveis, locomotivas a vapor, medidores de pressão podem ser vistos entre os contos. A editora Estronho mandou junto com o livro um botom e um marcador de livro, fazem um bom conjunto.

A diabólica comédia - A conquista dos mares
Romeu Martins
Numa batalha pelo controle dos oceanos, a nau capitânea dos demônios, um submergível, mostra todo o seu poder. A descrição dos artefatos de guerra é muito bem detalhada e a história da disputa pelo poder entre demônios, arcanjos e deuses olimpianos fascina. Quando a história termina percebemos que essa foi uma batalha de uma guerra que ainda pode durar muito. Excelente.

A seita do Ferrabraz
Paulo Fodra
Anjos e demônios em boa forma. Mas quem são os bons na história? Quem deseja de uma forma ou outra garantir a sobrevivência da humanidade? Final supreendente de uma história cativante.

Anhanguera
Norberto Silva
Um padre faz de tudo para conquistar os fiéis e o preço é alto, a felicidade não é o paraíso que as pessoas pensam. Interessante ver o papel do Anhanguera que dá título ao conto.

O dia do grande Uirá
Davi M. Gonzales
Curtíssimo, tem o mérito de mostrar dois lados de uma história. De um lado um indigena e do outro o português, o império britânico é o vilão e o grande saqueador de recursos.

Neflin
Carlos Machado
Trabalhos de terraplanagem revelam restos humanos e não humanos. As pesquisas que seguem irão levar a conclusões inesperadas. A história que se segue é eletrizante.

Zeitgeist – Brigada anti incêndio
Yuri Wittlich Cortez
Um bispo patrocina a construção de uma máquina voadora para, literalmente, alcançar o céu. O papel da brigada anti incêndio não é exatamente o de apagar incêndios. Com alguns toques de humor, a história se desenrola de forma fantástica. É o mais divertido dos contos do livro.

O Sheol de Abaddon
Alliah
Um anjo e um demônio unem forças para caçar um rebelde, aliança improvável e mais improvável ainda é a existência deste rebelde. Vale a pena ver os motivos de tal rebeldia e divertir-se com as trabalhadas da dupla de protagonistas.

Avatar de anjo
Georgete Silen
Um anjo vai ao inferno para recuperar um artefato. A forma como ele, ou melhor ela, consegue isso é bastante original.

A obscura história da Sterling Railways
O. S. Berquó
A construção de um túnel para uma ferrovia encontra um portão de aço. A história da interrupção da construção e do sumiço de todas as informações a respeito é descoberta por um estudante em um livro antigo. Em alguns momentos me lembrou os contos de H. P. Lovecraft.

O pai da mentiras
Lenilson Lopes
Batalha épica entre anjos e demônios. Enredo interessante e bem elaborado. O papel de um dos anjos no conflito foi muito bem elaborado.

A máquina dos sonhos
Daniel I. Dutra
História de como uma máquina capaz de ver os sonhos das pessoas pode ser usada para o trabalho de alguns anjos. Também me lembrou em alguns momentos os contos de H.P. Lovecreft.

Os relógios pensantes de sua majestade
Alex Nery
Um cientista tem seu invento utilizado para propósitos bélicos. Muito bem mostrado o dilema e as escolhas do criador ao ver a criatura ser utilizada para fins diferentes dos que desejava.

Cálico: entre o céu e o inferno
Rebeca Bacin
Conto em ritmo de aventura. Bem escrito e envolvente. Uma mulher e um anjo lutam para impedir a detonação de uma bomba.

Conclusão


Apesar de alguns contos deixarem a desejar no atendimento à temática proposta a qualidade de todos é inegável e alguns são mesmo excelentes. Entre estes posso citar “A diabólica comédia - A conquista dos mares”, “A seita do Ferrabraz”, “Anhaguera” e “A máquina dos sonhos”. As ilustrações e fotografias contidas no livro são um bonus a parte e acrescentam valor ao mesmo. O conjunto como um todo é ótimo e vale a pena a leitura.

20.10.11

O dieselpunk é nosso 2

Algumas novidades em relação à resenha que publiquei aqui sobre a coletânea Dieselpunk da Editora Draco. A primeira é que meu caro conterrâneo Afonso Luiz Pereira, do blog Contos Fantásticos - que aliás foi o primeiro a me entrevistar a respeito de minha recente produção de ficção - republicou o texto em seu prestigiado espaço dedicado à literatura de gênero. Agora, "O dieselpunk é nosso" pode ser lido também por lá. A segunda novidade é que um dos contistas daquele livro, Sid Castro, escreveu e ilustrou uma nova crítica ao livro em sua página. Lá, ele linka minha resenha e faz uma revelação a respeito de um dos seus personagens que já havia comentado por aqui. Logo no início ele faz referência a uma sugestão que fiz para que sua noveleta "Cobra de Fogo" fosse adaptada para os quadrinhos, aproveitando também seus dotes de desenhista que podem ser conferidos abaixo:


Foi a sugestão do escritor Romeu Martins em seu blog “Cidade Phantastica” aqui , autor do conto de mesmo nome publicado em “Steampunk – Histórias de um Passado Extraordinário”, da editora Tarja. Aliás, revelei a ele uma curiosidade. Quase todos os personagens tem nomes referentes de uma maneira ou outra, como o mitológico Dâmocles, os Vultani (tirado do vilão do antigo seriado “O Homem Foguete”) e com consoantes dobradas, como nas HQs da Era Clássica. Já o mecânico JD (João Diesel), confessadamente inspirado no Sparky do Speed Racer, não conseguia um nome que me agradasse. Até que lembrei do antológico João Fumaça de Cidade Phantástica… e voilá

Devo dizer que é um baita orgulho ter servido de inspiração para batizar um dos personagens do meu conto favorito daquele livro. E é uma baita coincidência que isso tenha ocorrido, já que João Fumaça é apenas o apelido do personagem cujo nome completo é João Octavio Ribeiro. E esse nome se deve a uma homenagem que fiz a dois colegas de Sid Castro em Dieselpunk: Octavio Aragão, autor de “O dia em que Virgulino cortou o rabo da cobra sem fim com o chuço excomungado”, e o organizador Gerson Lodi-Ribeiro, escritor de "O país da aviação". Foi minha maneira de reconhecer a influência de livros daqueles dois cariocas na concepção de "Cidade Phantástica" - respectivamente A mão que cria e Outros Brasis. Saber que agora João Fumaça também serve de inspiração para um outro escritor é uma daquelas surpresas que só a cultura retrofuturista que anda tomando conta do Brasil nos últimos anos poderia me dar.

Para encerrar, posto aqui a resposta que dei a Sid Castro nos comentários da minha resenha quando soube da origem do nome de seu João Diesel:

Olha, muito legal saber a origem do nome do JD! Eu ia mesmo comentar que, além das locomotivas, gostaria de ver o personagem para saber se ele tinha algum parentesco com o JF hehe... Como curiosidade: eu não tive tempo de escrever o roteiro que imaginei para a Dieselpunk, mas cheguei mesmo a pensar numa trama e em personagens. O protagonista seria um negro parrudo apelidado de Chico Betume e que seria conhecido pelos engenheiros mecânicos alemães de uma certa Plataforma Lobato por... Franz Diesel ;-)
Sim, esbocei mentalmente como seria a noveleta dieselpunk que teria escrito caso não fosse atropelado por outros compromissos, "Plataforma Lobato". Seria uma história alternativa cujo ponto de divergência estaria no sucesso de Monteiro Lobato em convencer Getúlio Vargas a apoiar sua campanha "O petróleo é nosso". Como resultado, lá por 1943 já haveria uma plataforma petrolífera na costa fluminense, garantindo uma interesse ainda mais estratégico em se conseguir o apoio brasileiro na guerra que estaria se desenrolando na Europa. Mas o caudilho gaúcho se esforçaria por manter a neutralidade, já que os investimentos tecnológicos seriam garantido com recursos vindos dos países em conflito: EUA, Alemanha e Japão.

No dia 7 de Setembro daquele ano, o ditador iria fazer um gesto simbólico e decretar a nacionalização da plataforma, para surpresa dos engenheiros nipônicos e germânicos que lá trabalhavam. Para garantir a efetividade das ordens, o agente designado seria o tal Chico Betume, um gigante negro que, dizem os boatos na capital da república, era filho bastardo de um segurança de Vargas com a babá da casa de Lobato. Quem sabe um dia eu ainda escreva essa história.

19.10.11

Muito além dos mosquetes

Antes de mais nada, devo dizer que meu contato inicial com a obra de Alexandre Dumas - e uma de minhas memórias televisivas mais antigas - foi com uma animação do início dos anos 80 na qual D'Artagnan, Athos, Portos e Aramis eram cães de diferentes raças. Então, apesar de muito gostar da prosa do autor francês não tenho o mesmo apego purista que o de vários outros de seus fãs. Sendo assim, a mais nova superprodução a levar Os três Mosqueteiros ao cinema repleta de liberdades e modernizações, não me desagradou a princípio. E depois de ver o filme, em que parece que a intenção foi fazer um mashup com o outro escritor gaulês a concorrer em termos de popularidade com Dumas, Jules Verne, devo dizer que sai bem mais satisfeito da sala escura do que esperava. Gostei bastante da reinterpretação retrofuturista feita pelo diretor Paul W. S. Anderson e encabeçada pelos atores Logan Lerman, Milla Jovovich, Matthew Macfadyen, Ray Stevenson, Luke Evans, Mads Mikkelsen, James Corden, Juno Temple, Orlando Bloom, Christoph Waltz.



Só pela listagem dos profissionais envolvidos já dá para se ter uma ideia de quais as intenções por trás de mais esta transposição cinematográfica do clássico da ficção histórica. Com tanta gente vinda de franquias estabelecidas (ou que tentaram se estabelecer) como Resident Evil, Percy Jackson, 007, Piratas do Caribe, Besouro Verde é bastante evidente que a aposta é dar início a uma nova série de filmes unindo ação, aventura, humor, romance para toda a família. E como aconteceu com o recente Sherlock Holmes de Guy Ritchie, tal aposta passa por um investimento no tema que é mais caro a este blog: invenções tecnologicamente avançadas no passado que dão novos rumos à vida de personagens conhecidos. No caso deste filme, a retrotecnologia remete diretamente à quintessência do clockpunk, pois aquele dirigível já visto por todos nos trailers parte de ideias resgatadas dos arquivos de Leonardo da Vinci. A sequência inicial é justamente em Veneza, na ocasião em que os Mosqueteiros, então ainda em número de três, tentam chegar aos projetos do mestre renascentista em nome da França antes que o Duque de Buckingham o faça pela bandeira da rival Inglaterra.

Quando mais tarde o jovem gascão D'Artagnan se reunir ao grupo os acontecimentos já estarão alterados por essa corrida armamentista encabeçada pelos coroados Luis XIII e Jaime. Tanto que da obra literária original pouco resta, apenas alguma semelhança na sequência em que o novato interiorano chega a Paris e logo vai desafiando um a um os Mosqueteiros, sem saber quem de fato eram, para duelos no mesmo dia. A recriação, portanto, é bem radical, devendo afastar os mais fieis ao texto de Dumas, mas talvez com potencial para agradar novas audiências para um filme que se pretende explicitamente ser apenas o primeiro de uma série. Mais não fosse pela dica do diretor e do elenco, a cena final é bem clara a respeito disso. E essa ânsia acaba cobrando um preço no ritmo do primeiro filme que não apresenta por completo todos os personagens que são nominalmente protagonistas (apenas Athos e D'Artagnan têm algum destaque). Na verdade, os vilões recebem bem mais destaque na trama escrita por Andrew Davies e Alex Litvak, sendo que eles são bem numerosos, um para cada membro do quarteto dos mosquetes.

Outro problema básico no roteiro da dupla acontece em uma das batalhas aéreas. Difícil de acreditar que soldados experientes não desconfiem que, em relação ao citado dirigível, basicamente um navio de madeira elevado aos céus por um balão, o alvo principal da artilharia deve ser justamente aquele que também é o mais fácil de acertar. Ou seja, mirem os canhões no frágil, desprotegido, inflamável e enorme balão, meus caros.

Sendo vendido já no título pelo uso da tecnologia 3d, esta nova produção tem um capricho maior que o da maioria dos filmes com atores que utilizaram o recurso desde o lançamento de Avatar por James Cameron. Não que Anderson ouse muito neste aspecto, pois novamente a tridimensionalidade se resume aos objetos jogados na direção do público. Porém, o problema com a iluminação, grande alvo de crítica em relação a esse modismo, parece ter sido resolvido. Nada de imagens escuras aqui, ao contrário. Há exuberância nos detalhes das roupas e da recriação arquitetônica nos cenários que estão tão nítidos para os olhos de todos que dificilmente a Academia deixará de premiar a obra com alguns Oscar técnicos em categorias como figurino e desenho de produção.

14.10.11

Nova resenha de Cursed City

A primeira coletânea da qual participei este ano, Cursed City - Onde as almas não têm valor, da editora Estronho, acaba de receber uma nova e completa resenha, com comentários para cada um dos seus vinte contos. A avaliação foi feita por no blog Guria que lê, mas por um guri, Gutemberg Fernandes. Como é o costume neste blog, irei republicar o início do texto e a crítica que o resenhista faz ao meu conto. Como extra, também o comentário a respeito de minha coblogueira Ana Cristina Rodrigues, parceira naquelas páginas amaldiçõadas. Ao final, deixo o link para o texto completo a respeito da primeira antologia weird western do Brasil.



Cursed City, outrora conhecida por Golden Valley, é uma cidade incrustada no interior do meio-oeste americano, em meio a cânions e desertos que já viveu seus melhores dias sendo que hoje abriga somente um punhado de almas condenadas.
Tomada por forças do mal, Cursed City é um local onde até mesmo o Diabo tem medo de andar a noite e seus habitantes vivem trancados em meio ao temor e o álcool, vivendo cada segundo das longas noites como se fossem eras. Os esperançosos rezam para o sol chegue mais rápido enquanto que os desafortunados para não terem que agüentar outra lua sob aquela cidade maldita.
Certo é que quando o sol se põe somente a escuridão tem vez naquelas paragens.
Cursed City foi à primeira das antologias editadas pela Estronho Editora que tive o prazer de ler e esta me surpreendeu tanto pelo cuidado com a diagramação quanto pela qualidade dos textos. Seguindo a proposta de sua linha editorial, cujos títulos em catálogo e seus futuros lançamentos tendem a explorar vertentes poucos ortodoxas da literatura e promoverem ótimas misturas de gênero, esta antologia reuniu vinte autores para mostrarem como seria a visão de cada um sobre o velho oeste permeado por criaturas fantásticas e seres de outros mundos.
O resultado desta mistura de elementos, que pode ser chamada de Weird West ou Oeste Estranho, resultou numa das melhores, e mais coesas, coletâneas de contos que li até então. Por conta de determinados itens do regulamento da seleção, que exigiam a presença de certos elementos da cidade fictícia, cada conto, mesmo criado por autores diversos, conseguiu manter o ritmo e o clima da narrativa ao longo das duzentas e quarenta páginas de Cursed City.
Outro ponto muito importante de ser frisado é a qualidade dos contos. Em geral as pessoas tendem a preterir a leitura de antologias, mesmo as feitas por autores únicos, por conta da variação do nível dos textos apresentados. Em Cursed City esta preocupação é inexistente, uma vez que de todas as obras selecionadas tem atrativos para todo o tipo de leitor.
O único ponto negativo com relação a publicação que acho interessante de ressaltar diz respeito a margem interna do livro, que prejudica em alguns momentos a leitura por esconder o final das frases próximas a costura. Quanto a diagramação, tanto interna quanto externa, a editora merece muitos elogios, pois oferece um livro de qualidade gráfica bem superior ao que muitas das editoras. (...)
“Domingo, sangrento domingo” de Romeu Martins foi uma das surpresas dentre os contos que fazem parte de Cursed City. O primeiro ponto é a presença do diálogo bem coloquial entre os personagens que consegue trazer a narrativa para mais perto do leitor e em seguida o desenrolar da trama, e suas reviravoltas, que tornam o desfecho do conto bem interessante e diferente. Além do título que é muito mais profundo em sua origem do que se esperar ao deparar-se com ele. (...)
Ana Cristina Rodrigues merece destaque por conta de seu ótimo conto “Aquele que vendia vidas”. Embora nos tenhamos outros contos elementos bem exóticos este em particular me chamou a intenção por aproveitar-se de outro elemento sobrenatural muito conhecido da cultura americana. Valendo-se disto a autora foi capaz de criar um conto dentro da temática da antologia, porém distinto dos outros em seu cerne, o que torna sua leitura ainda mais atraente.

Para ler mais, clique aqui

A nova geração de Perdedores

Escrevi a resenha abaixo para ser publicada hoje no UniversoHQ, mas por desatenção minha não percebi que ela já constava nos arquivos do site - que é um dos maiores, talvez o maior, banco de resenhas de HQs do mundo. Então, para não perder a oportunidade, vou publicá-la por aqui, mesmo não sendo um material ligado ao steampunk. Mas, afinal, a temática da série, sobre teorias da conspiração e jogadas políticas, é uma das minhas favoritas, como sabe quem acompanhava meu outro blog, o dos Terroristas da Conspiração. Boa leitura!

Título: Os Perdedores – Hora do troco

Por Romeu Martins, responsável pelo blog Cidade Phantástica

Editora: Panini

Autores: Andy Diggle (texto), Jock (arte), Lee Loughridge (cores) – Originalmente em The Losers #1 a #6


Preço: R$ 22,90

Número de páginas: 160

Data de lançamento Abril de 2010

Sinopse

Os Perdedores formavam um grupo secreto do governo americano envolvido nas diversas guerras que o país articula mundo a fora. Em uma missão no Oriente Médio, os cinco agentes são abandonados pela CIA para morrer na explosão de um helicóptero. Agora, aliados a uma sexta integrante, ainda ligada àquela agência, eles se preparam para a vingança contra as instituições que os traíram.

Positivo/Negativo

Este encadernado lançado pela Panini não traz o primeiro grupo da DC Comics a levar o nome de Os Perdedores. Originalmente, personagens assim chamados surgiram no final dos anos 60, pelas mãos do autor Rober Kanigher, vivendo histórias durante a II Guerra Mundial.

Eram tempos de um novo tipo de guerra, travada tanto no Vietnã quanto na opinião pública, que levavam artistas de todas as mídias, literatura, cinema, teatro e quadrinhos, a repensarem a participação dos Estados Unidos em outros eventos históricos. Mesmo a participação em um evento tão importante quanto a maior de todas as guerras.

Nada mais era sagrado neste campo. A contestação da contracultura fazia as pessoas reverem antigas verdades absolutas.

Algo semelhante passou a acontecer após o clima de consternação geral do 11 de Setembro, tão logo os EUA se voltaram para aquilo que foi chamado de Guerra ao Terror. Era o clima ideal para um novo time de Perdedores entrar em ação, agora em uma realidade ainda mais midiática e com a contestação à superpotência americana atingindo todas as partes do mundo.

Não é de se admirar que a proposta tenha sido levada para o selo de quadrinhos adultos da editora. E menos ainda que o projeto tenha sido realizado por autores britânicos, conterrâneos daquela geração de Alan Moore, Neil Gaiman, Garth Ennis que fizeram história na Vertigo.

A partir de 2003, quando os acontecimentos em países como Afeganistão e Iraque começavam a invadir o café-da-manhã da população americana, e até 2006, por 32 edições, a nova série ficou por conta dos roteiros de Andy Diggle e seu antigo colega de 2000AD Jock.

As seis primeiras histórias reunidas nesta edição especial mostram o novo grupo em ação, agentes secretos traídos pelo governo e que eram apenas inspirados pelos soldados anteriores. Clay, Roque, Vira-Latas, Jensen, Cougar eram os homens em busca de vingança contra a CIA e, especialmente, a um certo agente de nome (ou codinome?) Max. A eles se junta Aisha, vinda do Oriente Médio e ainda na ativa na Companhia.

Em “Ação entre mortos”, a HQ que abre o álbum, uma boa medida da ação ininterrupta que se poderia esperar da série. Tanta que nem dá tempo de apresentar todos os personagens pelo nome, enquanto eles roubam um helicóptero, e com ele um carro-forte, Aisha desembarca em Nova Iorque, e o básico da motivação do grupo é explicado nas entrelinhas.

O arco seguinte, formado de cinco histórias, mostra uma ação ainda mais ousada dos ex-operativos em solo americano. “Golias” é o título em comum das histórias e o nome da megacorporação que, com seu G maçônico estampado em tudo, está por trás de várias ações ilegais relacionadas com a exploração de petróleo.

Para quem acompanhou – e ainda acompanha – o noticiário a respeito das operações de reconstrução iraquiana, não é difícil descobrir que companhias reais estão representadas por aquela empresa fictícia. Vale o mesmo para o PAR-SEG, grupo de mercenários terceirizados pelos EUA em missões na América Latina e no Oriente Médio.

O texto de Diggle é de uma agilidade impressionante, combinando muitas informações técnicas sobre equipamentos, armas e bastidores do mundo da espionagem com ação e humor bem dosados. É bem verdade que alguns clichês escapam, mas no geral a qualidade é alta

Já a arte de Jock, cujo nome real é Mark Simpson, é mais conhecida pelas capas que faz para a série Escalpo , publicada todos os meses na revista Vertigo . Mais estilizado que realista, ele abusa um pouco das cenas em que os personagens parecem posar para fotos, mas consegue efeitos muito bons com seus ângulos ousados. Em uma grande cena de explosão, por exemplo, imita o efeito de distorção de uma lente de grande ocular, como se estivéssemos vendo tudo por uma câmera de cinema.

Não é à toa que o material chamou a atenção de Hollywood, pois as histórias pareciam mesmo storyboards prontos para serem filmados. Infelizmente, o filme lançado em 2010 foi mal nas bilheterias americanas e foi lançado diretamente em DVD no Brasil. Talvez a concorrência com um material semelhante mas baseado em produto mais conhecido tenha alguma responsabilidade nisso: a adaptação do seriado dos anos 80 Esquadrão Classe A foi produzida no mesmo período de Os Perdedores

Com isso, muitos perderam a chance de ver Chris Evans, o Tocha Humana dos filmes do Quarteto Fantástico, e o atual Capitão América, vivendo outro personagem dos quadrinhos: o falastrão Jensen.

Foi na esperança de que a película ajudasse na divulgação do encadernado que a Panini lançou a série por aqui na mesma época e com chamada na capa: “A história em quadrinhos que inspirou o filme”. Antes dela, a extinta editora Opera Graphica já havia traduzido as mesmas histórias e lançado por aqui com um preço bem mais alto.

Seria uma pena se o fraco desempenho dos cinemas levassem a editora a desistir de publicar as outras 26 HQs de Os Perdedores que ainda restam inéditas no país.

Por ironia, na última página desta revista, a Panini estampou uma publicidade de outra série da Vertigo, Loveless – Terra Sem Lei. Ela estava publicando naquele mesmo mês o primeiro de quatro encadernados que fizeram com que aquele western de Brian Azzarelo fosse o primeiro material do selo a ser inteiramente lançado no Brasil pela editora.

Os Perdedores bem poderiam entrar para esta seleta lista caso os leitores mostrassem mais interesse pelos personagens que os cinéfilos.

Classificação: 4

13.10.11

O dieselpunk é nosso

Em um dos posts mais visitados deste blog pode ser lido o seguinte: “Este termo, cunhado pelos game designers Lewis Pollak e Dan Ross para o RPG Children of the Sun, indica uma civilização da era industrial com futurística tecnologia à base de petróleo”. O termo em questão que servia para batizar o gênero de um videogame de 2002 é o mesmo a batizar uma obra literária de 2011, que não apenas dá continuidade à bem sucedida saga nacional de especulação retrofuturista como é, até onde sei, a pioneira do mundo em sua categoria. Dieselpunk – Arquivos confidenciais de uma bela época é a segunda coletânea de uma anunciada trilogia de livros da editora Draco, sempre organizados pelo escritor carioca Gerson Lodi-Ribeiro, a trazer para ambientações lusobrasileiras os conceitos dessas diferentes formas de imaginar o mundo a partir da adoção de tecnologias revolucionárias. O primeiro deles foi Vaporpunk – Relatos steampunk publicados sob as ordens de Sua Majestade, um legítimo exemplar da cultura steamer a que mais tem se desenvolvido no Brasil e no exterior; o terceiro vai se chamar Solarpunk e já teve suas regras para participação dos escritores divulgadas. Este novo livro é de fato uma contribuição e tanto, com seu ineditismo em compilar em um mesmo livro noveletas dentro daquele cenário que une a era industrial da primeira metade do século XX com as tais tecnologias futurísticas a base de combustíveis fósseis. Ponto para o Brasil, para a editora Draco e para os autores reunidos nestas 384 páginas.



Da mesma forma que na resenha que escrevi para o primeiro livro desta trilogia, acho que o melhor é começar os comentários pela capa, mais uma vez a cargo do dono da editora, Erick Santos Cardoso ou, como ele assina seus trabalhos gráficos, Ericksama. Ele conseguiu o feito de ao mesmo tempo manter uma coerência com a obra anterior e o de dar uma identidade toda própria e adequada à nova proposta. Desta forma, está mantida a ideia básica de uma espécie de tela na qual se visualiza uma paisagem típica dos mundos que encontraremos no interior do livro; tela esta emoldurada por vários elementos condizentes com a estética do gênero em questão. A parte da atualização surge logo de cara na alteração de tais elementos: saem as letras serifadas, as engrenagens e o cobre de Vaporpunk para em seu lugar entrar uma elegante fonte de linhas verticalmente alongadas, tudo em um cinza marmóreo e cheio de padrões geométricos. Já naquela tela, no lugar do Rio de Janeiro do século XIX, podemos ver os espigões de uma São Paulo da primeira metade do século seguinte, com aviões mais pesados que o ar voando sobre eles e disparando as luzes perscrutadoras de holofotes. A embalagem já evoca um clima que vai desde o de outro viedogame, este mais recente, Bioshock (a partir de 2006); o de um clássico do cinema daquele mesmo período histórico retratado ali, Metrópolis, de Fritz Lang; ou ainda de Batman, the animated series, de fins dos anos 80. Mais um ponto para editora.

Agora, de nada adiantariam propostas inovadoras e um formato adequado se o conteúdo não fosse trabalhado com o mesmo cuidado. Felizmente, como é próprio das obras organizadas por Lodi-Ribeiro, este é um motivo para um terceiro ponto, pois quase todos os trabalhos que fazem parte do livro são de alta qualidade. Isso já pode ser visto logo desde o início pela noveleta que abre Dieselpunk, de autoria do jornalista Carlos Orsi, que também estava presente em Vaporpunk. “Fúria do Escorpião Azul” parece ter sido que mais inspirou aquela cena paulistana da capa da antologia, descrita no parágrafo anterior. Historicamente alterada por uma revolução de moldes stalinistas, a São Paulo reinventada por esse paulista de Jundiaí tem aquele mesmo ar opressor, estranho e reconhecível que embala o livro. Da mesma maneira que os autores do mais velho dos gêneros punk, o cyber, viam com descrença um futuro inspirado pelas ideias políticas e econômicas ultraliberais de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, este brasileiro dieselpunker volta sua crítica à burocracia das economias planificadas, à violência das ditaduras do proletariado e à corrupção da nomenklatura do partido único.

Assumidamente inspirado nas histórias que Novell Page escreveu para o herói pulp Spider, Orsi criou seu próprio vigilante mascarado que, utilizando muita tecnologia retrofuturista, rebela-se contra o sistema que tomou conta do país. O Escorpião Azul do título enfrenta os homens armados da DPE, a famigerada Diretoria Política do Estado, usando dardos envenenados, lentes de visão noturna, seu próprio dirigível negro. Tudo descrito na prosa de um dos melhores escritores da literatura especulativa nacional, que nesta sua noveleta (cujo cenário espero ver sendo explorado mais vezes no futuro) emprega uma narrativa bastante entrecortada, saltando e voltando no tempo sempre que a trama agitada pede. O único momento em que ele acelera demais é justamente no final, quando encerra todos os subplots muito rapidamente, quase atropelando o leitor com tantas informações nas últimas páginas. A revelação da identidade do protagonista, por exemplo, é tão pouco surpreendente que poderia ter sido dada logo de início sem prejuízo algum para o resultado final do texto.

O steampunk tem um subgênero erótico conhecido como steamypunk. O conto seguinte do livro, “Grande G”, do também paulista, e publicitário, Tibor Moricz poderia inaugurar algo semelhante dentro da estética dieselpunk (para ficar nos trocadilhos, talvez algo com “trocando o óleo” fosse adequado). Mas há bem pouco de dieselpunk no texto que trocou as possibilidades da especulação próprias da FC pelas alegóricas cidades rivais de Smoke City e Steam City, e por um motor que, de algum modo não explicado, alia as mecânicas tradicional e a quântica. Sim, Smoke City, Steam City, o autor foi o único a dispensar a proposta da obra de se utilizar de cenários nacionais para voltar a insistir em localidades com nomes assim, de tamanha obviedade, exatamente da mesma forma que fez em seu romance mais recente, também publicado pela Draco. Em O Peregrino já havia o trio Downtown, Middletown e Uptown emprestando a mesma consistência de isopor e papelão ao cenário que pode ser vista aqui. E quanto ao sexo, é tudo feito de maneira de tal sorte hiperbólica e ao mesmo tempo com tão pouca profundidade que não causa impacto algum, diferentemente de um romance anterior de Moricz, construído por contos compartilhando a mesma ambientação, Fome, lançado pela Tarja Editorial. Com personagens príapicos e ninfomaníacas, que não se inibem em conjugar o verbo foder mas fazem questão de usar palavras como vagina e ânus mesmo nos momentos de maior tensão, o resultado empata em termos de constrangimento com alguma pornochanchada. Estou exagerando? O que dizer do seguinte trecho de diálogo: “a vagabunda tinha uma vagina quente e apertada, tão apertada quanto o ânus de ambas”?

Se ao menos a linguagem empregada no texto fosse mais cuidadosa poderia ser perdoada a falta que fazem uma especulação consistente, um cenário interessante, personagens relevantes e uma trama menos previsível. Mas não é bem o caso, como já entrega aquela quadruplamente redundante frase da primeira página do conto (e a 57 do livro): “Pináculos gigantes se alongavam em direção ao céu”. Entre expressões clichês como o “olhar repleto de significado” da página 73 que volta como “olhares cheios de significado” na 83 (a última do conto), a esperança de que pelo menos a forma se sobreponha ao conteúdo acaba perdida de vez. Se fosse para usar uma expressão emprestada dos meios automobilísticos para descrever o resultado final da leitura seria “perda total”; ou, se for para citar a expressão que o próprio autor criou para criticar contos tão equivocados quanto este em seu blog, “triplo eca”. É uma pena que um escritor que começou de forma tão promissora em seu primeiro romance, Síndrome de Cérbero – apesar de um brutal erro de lógica interna já naquele trabalho de estreia – tenha se perdido em um caso aparente de autoparódia e de preguiça estilística como este.

Felizmente o nível volta a subir dali para frente e se mantém ao longo de todo o livro. Em particular com o texto seguinte que, se não é o maior em termos de páginas, é o recordista no tamanho do título com folga. “O dia em que Virgulino cortou o rabo da cobra sem fim com o chuço excomungado” é a contribuição do designer carioca Octavio Aragão para o livro, outro que também esteve presente na Vaporpunk. O Virgulino que aparece ali é ele mesmo, o cangaceiro Lampião, que nesta recriação não apenas aceita uma missão que lhe propuseram mesmo em nossa realidade – a de combater a Coluna Prestes em sua passagem pelo Nordeste, na década de 20 –, como ainda faz isso usando armamento inimaginavelmente avançado. Acontece que o mesmo arsenal, uma forma bastante radical de nanotecnologia, é oferecido aos revolucionários em marcha, o que por um lado serve para equilibrar a peleja, por outro pode trazer consequências drásticas àquele mundo alternativo. Os destaques ficam por conta da linguagem empregada na narrativa, emulando a fala nordestina com muita cor local, e na misteriosa origem dos artefatos extemporâneos que surgem na história. Sendo o autor natural do Rio de Janeiro e criador de um universo ficcional sobre viagens no tempo, a Intempol, fica a impressão de que há ali uma brincadeira particular dele com o personagem denominado Carioca.

No quarto texto da coletânea temos o Barão de Mauá, a serviço de Pedro, o Imperador do Brasil, usando tecnologia avançada financiada por sua fortuna para defender o país em uma guerra territorial com a Argentina. A sinopse de “Impávido Colosso”, do também publicitário e escritor paulista Hugo Vera, pode soar mais como um representante do punk a vapor do que como um movido a gasolina; e essa é mesmo a impressão que persiste até o final da noveleta. Como um carro que passa por uma lanternagem completa para aparentar ser de um modelo mais recente que sua estrutura interna realmente é, elementos mais apropriados ao imaginário steamer foram jogados literalmente duas gerações adiante, para os anos 40 do século XX, de forma a se adequarem ao período histórico e à temática do livro. Tanto o Barão de Mauá quanto o Imperador em questão são netos daqueles conhecidos da história real (no caso, o jovem Pedro III que aparece aqui é apenas o primeiro de uma sequência a surgir nesta coletânea). Apesar disso e de um elemento que pode deixar a narrativa datada dentro de pouco tempo – o nome escolhido para a agente paraguaia, aliada do império brasileiro na guerra contra os argentinos, que se trata de uma piada com a musa da última Copa do Mundo – a noveleta é muito boa, com seus autômatos portenhos e um gigante de metal saído da Mauá Indústria e Tecnologia (creio que a sigla possível desta empresa não seja mera obra do acaso). E isso é o que realmente interessa no fim das contas, como definiu o compilador no prefácio da obra: “na seleção das noveletas que compõem a Dieselpunk, levou-se em conta dois critérios principais: qualidade literária e de elementos típicos das temáticas steampunk e dieselpunk”.

E quem escreveu estas palavras, o organizador desta trilogia de antologias, ressurge como contista a seguir. Gerson Lodi-Ribeiro igualmente usa um ponto de divergência que também é mais próprio do steampunk em sua história alternativa “País da aviação”. O inventor americano Robert Fulton, pioneiro da navegação a vapor do final do século XVIII, ajuda o imperador Napoleão Bonaparte a reequipar a esquadra francesa de tal maneira que nem mesmo a Royal Navy comandada pelo almirante Nelson resiste ao embate do aço contra a madeira. Porém, aquele é apenas o ponto de partida, e após uma elipse (com o tempo contado segundo o calendário revolucionário dos gauleses) um outro Napoleão, bisneto do original, recebe mais inventores americanos na alvorada de um novo século para garantir a hegemonia agora dos céus. Em tempo: Napoleão deixou de ser apenas um nome próprio, e passou a ser empregado como um título honorífico, tal qual ocorrera com os Césares romanos. E da mesma forma, o Bonaparte do turno não é apenas o Imperador de um país, pois a era dos mandatários autocráticos ficou para trás, mas o responsável por uma estrutura administrativa internacional bem mais complexa em um dos melhores cenários já elaborados neste gênero no Brasil. Sem o recurso de elementos exteriores - como aquele vampiro da noveleta que ele publicou em Vaporpunk, por exemplo -, para os apreciadores mais puristas de HA esta nova noveleta de Lodi-Ribeiro, com suas divisões de tempo bem demarcadas, é um banquete, com entrada, prato principal e sobremesa. Se o romance Xochiquetzal – Uma princesa asteca entre os incas que ele lançou em 2009 inaugurando a editora mereceria ser traduzido para o espanhol, “País da aviação” deveria ser publicada em língua francesa sem demora, de preferência na forma de um novo romance ampliando os detalhes aqui delineados.

A sexta contribuição do livro, “Ao perdedor as baratas”, de autoria do jornalista paulista Antônio Luiz M.C. Costa, também é um cenário de história alternativa que já havia sido explorado anteriormente em outra coletânea, a Steampunk – Histórias de um passado extraordinário, da Tarja Editorial. Mas o conto de 2009 não foi a primeira incursão neste universo que o escritor chama de “Outros 500”: nove anos antes o cenário básico havia surgido em um ensaio para a revista onde ele trabalha, a CartaCapital, imaginando como seria o Brasil e o mundo caso Dom Sebastião não houvesse desaparecido no Marrocos em 1578, deixando para trás o trono português vago e uma crise dinástica que levou ao processo de decadência daquele reino. Um segundo conto na mesma ambientação foi publicado de forma on line e já recebeu comentários neste blog. Em Dieselpunk, por sua vez, vemos como seria o século XX daquele mundo em uma disputa eleitoral na república brasileira alternativa. Se em “A flor do estrume”, o texto de 2009, havia uma interação de diferentes personagens de Machado de Assis, nesta noveleta, apesar de o título ser uma paráfrase da expressão machadiana “ao vencedor, as batatas”, as criaturas literárias são de outros autores, entre eles, mais notadamente Clarice Lispector e Franz Kafka, convivendo com algumas personalidades históricas.

“Ao perdedor, as baratas” é quase uma visão em negativo do texto de Carlos Orsi que abre a coletânea. O que era visto com ceticismo pelo primeiro, um governo de moldes comunistas no Brasil, é apresentado mais do que de forma utópica, praticamente com caráter publicitário aqui. Com personagens discursando a cada oportunidade sobre as vantagens de tal regime; cenas como a do garoto pobre que recusa uma gorjeta e mais tarde se forma um profissional médico; ou ainda na nomenclatura de órgãos como os conselhos de Solidariedade Mútua, de Ajuda Econômica Mútua, de Amizade e Segurança Comum e de Cooperação Científica e Cultural, o texto chega em alguns pontos bem perto de se igualar à utopia de João Ventura que fechou Vaporpunk. E isso não é um elogio. Além disso, este texto também parece um reflexo invertido em relação a do de seu colega jornalista em outro ponto. Se Orsi acelerou demais perto do fim, Costa ao contrário alonga demais uma situação ao final, quando a trama em si já estava encerrada, de um modo bastante angustiante para o leitor. Parece que o autor não quis deixar passar a oportunidade de fazer uma última interação literária e usa espaço demais nisso, explicando excessivamente o que deveria ser apenas um detalhe. Espaço que poderia ser empregado em mais tecnologias de caráter retrofuturista, por exemplo, que tiveram pouca participação na história.

Explicar demais não é um problema da noveleta seguinte, “Auto do extermínio”, de Cirilo Lemos, professor de história do Rio de Janeiro que, aos 29 anos, é o mais jovem dos escritores reunidos neste livro. Aqui também há um conflito envolvendo a transição do poder no Brasil, mas não uma eleição, pois voltamos a ver um país monárquico nestas páginas. Mais do que isso, é o segundo D. Pedo III da coletânea, desta vez um monarca muito idoso e que pode morrer antes de deixar um herdeiro oficial para usar sua coroa. Novamente, forças externas (e internas) intervêm nos acontecimentos para tentar influenciar o rumo de um Império no qual grupos integralistas e comunistas ameaçam tomar o poder. Manipulado pelos acontecimentos, um homem que divide seu tempo tentando criar o filho e agindo como um matador profissional, se envolve num atentado político que tumultua ainda mais a situação. Para deixar as coisas ainda mais interessantes, tanto ele quanto seu garoto são assombrados por estranhas visões: o adulto pelas de uma santa, o jovem por um super-herói de revistas pulp, o que empresta um ar de fantasia urbana misturada com elementos de alta tecnologia. Sem dúvida, o texto com a pegada mais exótica da coleção.

A penúltima noveleta é a terceira a contar com um D. Pedro III em todo o livro, dando conta de como histórias sobre impérios brasileiros alternativos fazem mesmo parte do imaginário de nossos escritores. “Cobra de Fogo”, do editor gráfico de São Paulo Sid Castro, é a história mais empolgante e divertida do livro e a que melhor emprega as possibilidades do gênero quando se pensa no básico do dieselpunk: enormes veículos movidos a óleo diesel em um mundo vagamente semelhante ao do início do século XX. O autor oferece exatamente isso, uma corrida maluca entre gigantescas locomotivas que correm fora de trilhos, por terra, céu e mar, se preciso for. Na disputa, que ocorre em torno do globo, a posse territorial da Amazônia. Tal corrida é a forma que a Liga das Nações encontrou para decidir conflitos entre as diversas potências de uma realidade em que a posse de artefatos nucleares levou a um impasse conhecido como Pax Atomica. Neste mundo, o “Grande Crack de 29” não foi apenas uma crise econômica, como no nosso, ele dá nome ao início de um ataque que começou por Manhattam e no qual Hiroshima, numa ironia cruel, foi a última das cidades bombardeadas com aquele tipo de armamento.

Sid Castro criou uma história que é bastante leve, mas sem descuidar em nenhum momento na motivação dos personagens e na dos países e impérios que eles representam. Por trás de cada um dos pilotos incríveis e de suas máquinas extraordinárias – às vezes até mesmo na ambientação e nos intertítulos engraçadinhos –, um festival de referências, quase sempre cinematográficas, aguarda os leitores. Vamos unir agora dois fatos. Primeiro: na lista de antigas atividades do autor publicada ao final do livro estão incluídas as de ex-chargista e de ex-quadrinista (ele produziu roteiros e desenhos para revistas nacionais como Calafrio e Mestres do Terror); e segundo: a Draco vai estrear brevemente um selo dedicado às HQs com um álbum do citado Octavio Aragão e sua Intempol. Fica aqui uma sugestão, pois seria ótimo ver as locomotivas M’Boitatá, do Império do Brazil, General Lee, do Estados Confederados da América, Potenkim, da União Soviética, Yamato, do Japão, e todas as outras em uma graphic novel com o selo do dragão na capa.

Para encerrar a antologia, a presença internacional que também fez parte de Vaporpunk (e não apenas parte, pois foi o autor da melhor peça daquele primeiro livro). Jorge Candeias é um tradutor português que se tornou recentemente best seller no Brasil com suas versões para os livros da série de fantasia Game of Thrones. Nesta nova oportunidade, ele retoma o universo da noveleta anterior, “Unidade em chamas”, no qual as invenções aladas do padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão foram adotadas em Portugal revolucionando a maneira daquele país guerrear contra seus adversários. Em “Só a morte te resgata” as passarolas não apenas estão mais evoluídas com o passar dos anos decorridos entre uma história e outra; agora elas são acompanhadas de veículos aéreos mais rápidos e mais ágeis, chamados de albatrozes. O protagonista agora é o piloto de um desses últimos - um brasileiro que, apesar da descendência lusitana, luta pelo lado inimigo, uma confederação de países como França e Alemanha. Jeferson é o nome do rapaz, não que ele deixe de usar outras identidades ao longo da trama, que faz a opção de combater o país de seus antepassados motivado basicamente por racismo.

É na mente de um personagem de tal sorte controverso que Candeias nos faz mergulhar ao longo de toda sua história. Desde os momentos iniciais, quando Jeferson aparece em suas missões de voo, até a longa jornada de retorno ao Brasil, feita de maneira clandestina, envolvendo situações típicas de contos de espionagem, logo após ele receber uma misteriosa correspondência capaz de obrigá-lo a refazer todos os seus planos. Escrita de forma esmerada, com cuidado especial para os aspectos emocionais porém sem cair nas armadilhas da pieguice, a noveleta é um dos pontos altos do livro, deixando quem acompanhou esta e a história anterior ansioso por saber ainda mais deste mundo de Candeias. Numa nota à margem, não posso deixar de comentar o quanto o fato de ver pela primeira vez minha Florianópolis natal – aqui ainda chamada pelo nome antigo de Nossa Senhora do Desterro – em uma obra retrofuturista, e isto se dar pelas mãos de um autor estrangeiro, me faz pensar no quanto tem sido de fato enriquecedora a experiência que a cultura steamer tem alcançado em terras lusófonas nos últimos anos. Que tal experiência não pare por aqui e continue dando um resultado tão bom quanto este.

Revisitando mais uma vez a minha resenha de Vaporpunk, afirmei algo na ocasião que se era verdade para aquele livro, passa a ser para este. Eu disse que o primeiro, com seus oito textos, já havia sido a coletânea nacional – ou binacional, no caso – mais equilibrada que tivera a chance de ler. Pois eis que Dieselpunk – Arquivos confidenciais de uma bela época a supera neste quesito: a qualidade geral das nove narrativas reunidas neste segundo momento é ainda mais elevada e mais bem dosada. Mais não fosse, o pior conto daquela primeira antologia era bem maior, nesta, é o menor de todos, e os demais estão, na média, ainda melhores que seus antecessores. Um outro ponto a se acrescentar naquele placar. O sucesso das duas empreitadas aumenta a expectativa em relação a Solarpunk, o livro a sair em meados de 2012 e que encerrará este ciclo, desde a curiosidade em relação à cidade que estampará a capa – Manaus? Brasília? Lisboa? – até a qualidade e a imaginação das noveletas que deverão traduzir para nosso contexto o greenpunk.