30.3.10

Torre de Vigia 22

Já havia falado do blog e da blogueira em um post anterior. Agora a portuguesa Cristina Alves volta a ser mencionada por aqui, por um post publicado ontem em sua página chamada Rascunhos, no qual ela fotografa e comenta livros steamers, entre eles, a coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário. Segue abaixo o flagrante.


No início deste conjunto podem ver Steampunk, uma colectânea de histórias no género steampunk, onde podem encontrar autores como Fábio Fernandes (autor de Os Dias da Peste), ou Jacques Barcia, lançada pela Editora brasileira Tarja. Sobre os contos, podemos encontrar um pequeno resumo no site da editora:

Fábio Fernandes apresentou uma adaptação primorosa do complexo de Frankenstein, com uma visão fascinante de um futuro onde a sociedade divide seu espaço com a maquinidade. Alexandre Lancaster cedeu uma narrativa com ares de ficção científica, onde a ciência aponta que somente pode ser vista com simpatia se for inofensiva, caso contrário, torna-se uma maldição. Claudio Villa arremessa o leitor para o mar, singrando suas águas acima e abaixo, em busca de um tesouro que leva o leitor aos ares do terror lovecraftiano. Jacques Barcia nos dá um conto “estranho”, unindo o drama da guerra, máquinas quase humanas e seres inacreditáveis da mitologia em um caldo que realmente proporciona uma nova criação. E Flávio Medeiros encerra as páginas da obra com chave de ouro, mostrando os clássicos dirigíveis e submergíveis em um drama de honra que certamente agrada muito aos apreciadores do gênero.
Segue-se Boneshaker, uma história fantástica também enquadrada no género steampunk que cruza invenções na época victoriana, numa cidade caótica, isolada por um muro como resultado da libertação de um gás tóxico que transforma os seres humanos em zombies rápidos e acéfalos. Esta é uma história simples mas movimentada, com tecnologia movida a vapor, dirigíveis e cientistas malucos, onde podemos encontrar episódios de grande tensão. Embora não seja o melhor livro em que peguei este ano, encontra-se entre os melhores até agora.

Entrevista com China Miéville

Já havia falado do site Capacitor Fantástico quando comentei uma entrevista que eles traduziram com o escritor e organizador de coletâneas Jeff VanderMeer. Agora, seguindo uma dica via Twitter da cyberpesquisadora Adriana Amaral, fiquei sabendo que a equipe daquela página adaptou mais um material ao português, desta vez uma conversa de David Soyka com o escritor inglês China Miéville, nome mais citado quando se pensa em literatura New Weird. Reproduzo abaixo o texto de apresentação e as duas primeiras perguntas, que fazem referência ao gênero steampunk, uma das influências assumidas daquele autor. A entrevista completa pode ser lida aqui.


Seu primeiro romance, KING RAT, era uma aterrorizante história de fadas.

Em PERDIDO STREET STATION, Miéville criou 'New Crobuzon', uma metrópole corrupta habitada por insetos humanóides, cactos andantes, grotescos 'Renascidos' pela bioengenharia, e máquinas conscientes e 'vivas’, assim como um monte de tipos comuns, assediadas por criaturas que sugam espíritos, saídas de um experimento fracassado.

A fantasia de Miéville é permeada por um realismo que rejeita finais felizes. 


Pergunta:: Parabéns pelo Prêmio Arthur C.Clarke por 'Perdido Street Station'. Não parece irônico ou incongruente que um romance de fantasia baseado em um cenário 'steampunk' tenha recebido um prêmio tão importante, que recebe o nome de um escritor de Ficção Científica Hard, de satélites e naves espaciais, em que a sensibilidade para a prosa não é, digamos, sublime.


Miéville: Obrigado - ainda estou um pouco estupefato. Existe uma ironia sim, mas não é tão incomum este prêmio ir para alguém que faz uma FC tão pouco 'Clarkeniana'. O próprio Clarke é um sujeito muito generoso a respeito do que se trata o prêmio, e a quem deve ser dado.

Além de estar pessoalmente extasiado, me sinto contente, porque eu sempre senti que era impossível separar a Ficção Científica da Fantasia - certamente eu devo ter conscientemente estado em um e em outro, e eu esperava que o prêmio indo para um romance não tão de FC, deveria encorajar uma abertura conceitual da tradição. Sempre gostei de dizer que escrevo uma 'ficção esquisita', porque me sinto na interseção da Ficção Científica, Fantasia e até do horror, o que claramente, torna as fronteiras nebulosas. Quer dizer, é fácil dizer que Larry Niven é FC e Tolkien é fantasia, mas e David Lindsay? Lovecraft? Clark Ashton Smith?


P: A 'ciência' que aparece em seus romances, dependem de mecanismos da era-vitoriana. A teoria da grande crise soa igual à especulação quântica e a inteligência artificial sempre foi uma obsessão da FC. Tem sempre um cientista maluco e que é responsável por forças desastrosas, resultado direto de sua arrogância e da irracional manipulação cientifica, sem ligar para as conseqüências. O que da FC de antigamente se tornou um fato hoje, como a biotecnologia e as máquinas pensantes que aparecem em seu trabalho?

M: Em geral não penso que se possa ver a FC como profecia cientifica, sociológica ou outra coisa desse tipo. Não acho que FC trate disso. É obvio que muitos cientistas se inspiraram em historias de FC que leram quando jovens e não posso dizer que não seja uma influência.

Sou totalmente pró-ciência. Acho muito interessante. Tento evitar a tradicional tropa de escritores 'metidos a cientistas'. Não é a atividade cientifica por si só que nos causa problemas, como o doutor Frankenstein. Mary Shelley, refutava em ter a responsabilidade dos frutos de sua pesquisa - em meus livros, é algo mais como uma má sorte danada!

O problema não é a ciência, mas onde ela nos leva. Biotecnologia é um bom exemplo. Não tenho nenhum problema, em termos abstratos com a modificação genética dos alimentos. Porém, acho problemático quando ela caminha para beneficiar os exploradores.

Além disso, muita coisa é lançada no mercado sem os devidos testes - sem termos uma ideia real dos efeitos a longo prazo. Além disso, algumas pesquisas são socialmente inadequadas e inúteis, como fazer plantas que só respondam a um único tipo de fertilizante.

Muita coisa vai surgir nos próximos anos e isso é excitante. Particularmente estas coisas mais grotescas são as que mais falam à minha natureza macabra. Ratos com genes de águas-vivas e que brilham verdes, é demais!

29.3.10

Passarinhos vaporosos 2

Em um post anterior, tinha adiantado que Estevão Ribeiro, da tira Os passarinhos, traria novidades sobre um projeto steampunk com seus personagens, citando suas próprias palavras:

E antes que perguntem: Sim, tenho planos de fazer uma história sobre o Universo SteamPunk dos Passarinhos! Aguardem e até quarta! 

Ele acaba de dar mais detalhes em seu blog sobre o assunto, um projeto chamado "A peça que move o mundo":

Neste universo, que tem referências steampunk, o Grande Piador criou a terra com a explosão de sua caldeira, que destruiu o pequeno espaço que ele chamava de lar. Ao ver elementos como engrenagens de seu relógio, sua caldeira e um pequeno vaso transformar formar um universo, resolveu observar e cuidar dele.

Mas uma minúscula peça de seu relógio, a que move o o universo caiu na terra onde vivem nossos heróis Hector e Afonso. Agora, eles precisam achar esta peça antes que o mundo acabe!

Aberta a temporada de caça aos desenhistas

Estou procurando pessoas que ilustrem no estilo europeu, personagens carismáticos e cenários detalhados. Trabalhos podem ser enviados para hectorandalfonse@gmail.com.

Os trabalhos começam no segundo semestre, porque passarei três meses fazendo o roteiro de Pequenos Heróis 2, mas gostaria de discutir um pouco do universo assim que possível.

Este trabalho apenas usa os personagens da tirinha Os Passarinhos e não terá relação direta com as tirinhas. A previsão é a produção de uma graphic novel de 80 páginas, ou uma minissérie em duas partes de 40 páginas.

Um confederado no Planeta Vermelho

A editora Aleph que já havia publicado em 2009 Anno Dracula e garante ainda para este ano The difference engine surpreendeu ao anunciar em seu blog mais uma obra fundamental para quem aprecia o steampunk. Está previsto para o dia 12 de abril o lançamento de Uma princesa de Marte, romance de estreia de Edgar Rice Burroughs (1875-1950), escritor americano mais conhecido por seu aventureiro perdido na África, um certo Tarzan.

Nesta primeira obra de uma série, vamos acompanhar como o ex-soldado da Guerra Civil americana (1861-1865) John "Jack" Carter, após lutar pelos estados sulistas e passar a se dedicar à exploração de ouro, foi capturado para viver sua mais estranha aventura, entre uma raça de marcianos chamada de Tharks. Escrito em 1917, o livro é uma influência para os cultuadores do gênero, um verdadeiro clássico da ficção científica. Como aperitivo, a editora deixou à disposição dos leitores as primeiras páginas do romance. Trata-se do prefácio, no qual o próprio Burroughs assina, apresentando o trabalho como sendo um manuscrito que teria recebido anos antes de seu tio, o capitão Carter, e o primeiro capítulo, "Nas colinas do Arizona", tudo na tradução de Ricardo Giassetti.


Abaixo, pode ser vista a capa desse novo lançamento do Ano do Vapor, produzida pelo estúdio Retina78.



25.3.10

Guerra e circo

Um evento inusitado ocorre nesta sexta, organizado pelos confrades do Conselho Steampunk. Confiram abaixo uma chamada & o cartaz e leiam o texto na íntegra aqui.






Eis que, uma semana depois do evento[bb] “SteamPunk de Volta”, o Conselho SteamPunk nos brinda com o evento “A Guerra da Criméia foi um Circo”, um SteamCamp – evento informal – que começa às 18 horas do dia 26 de Março de 2010 e vai até o dia seguinte em um divertido “Sarau Etílico”.

O “Sarau Etílico” vai fazer referência ao advento da declaração da Guerra da Criméia, conflito que se desenrolou de 1853 à 1856, às margens do Mar Negro, no sul da Rússia e nos Balcãs.

Reflexo da tentativa russa de aumentar sua influência nos Balcãs desde o Século XVIII, o conflito causava receio na Inglaterra que, sob a rainha Vitória, via a possibilidade de que a queda de Constantinopla diante das tropas inimigas comprometesse seu controle estratégico dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, cortando-lhe as comunicações com a Índia.

Mas nem só de desgraças e aborrecimentos vive a história, posto que na virada do dia 26 para o dia 27 é comemorado o Dia do Circo, homenageado no evento pelo Conselho SteamPunk, que convida artistas circenses de toda parte a participar[bb] ou mesmo apresentar seus talentos diante das ávidas câmeras das empresas[bb] de mídia presentes.

24.3.10

Feliz Ada Lovelace Day

Uma legítima e real personagem steampunk recebe homenagens no dia de hoje. Augusta Ada King, Condessa Lovelace (1815-1852). Não serei eu a falar sobre ela, deixarei para uma autêntica seguidora dos feitos dessa inglesa notável, minha querida amiga Giseli Ramos, a CyberGi (que ainda fez a gentileza de me citar em seu post dedicado à data):

Hoje é o dia de Ada Lovelace! Não, não, ela não nasceu nessa data, é um dia dedicado para blogar e/ou twittar a respeito das contribuições das mulheres na ciência, o que acho uma iniciativa bem válida. Afinal, você sabe se houve alguma mulher que ganhou a medalha Fields? E sabia que Ada Lovelace foi a primeira programadora? Ela fez o primeiro programa que poderia funcionar na máquina analítica de Babbage. De fato, a matriarca da programação (by Romeu).
Ada Lovelace
Ada Lovelace, a matriarca da programação

Bem que queria fazer um post caprichado a respeito (falta de tempo…), então me concentrarei em passar uns links que achei bem interessantes e uns comentários rápidos. Para começar, veja essa fantástica apresentação a respeito de Ada Lovelace (em inglês). Vale muitíssimo a pena ver! =D

É coisa recente as mulheres começarem a serem reconhecidas na área de computação… Conhecem o prêmio Turing? É uma espécie de Nobel da computação, para premiar as contribuições nessa área, afinal, um bom trabalho deve ser reconhecido, não? Desde 1966 não tinha premiado nenhuma mulher… até 2006! Quem ganhou nessa época foi Frances E. Allen, por suas contribuições à área de otimização de compiladores e de processamento paralelo. E em 2009, outra mulher ganhou o prêmio, Barbara Liskov, por contribuir para os fundamentos de design de sistemas e de linguagens de programação. Espero que no futuro possamos ver mais trabalhos importantes e marcantes feitos pelas mulheres. Para ver a lista de todos os ganhadores do Turing award, veja o verbete da Wikipedia.

Outra dica é esse wiki de mulheres notáveis. Vale a visita!
O texto continua aqui, recomendo.

22.3.10

Torre de Vigia 21

Alexandre Lancaster, um dos autores presentes na coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário foi entrevistado pelo site Ambrosia. O ponto principal da conversa foi a atuação dele como blogueiro especializado em mangás e animes. Porém, o entrevistador Phill Souza não se deixou de fora a participação de seu convidado na primeira antologia do gênero no Brasil e nem a HQ que ele está produzindo atualmente e que se passa no mesmo universo da noveleta "A música das esferas".

Logo abaixo, trechos da entrevista que focam o mundo steamer, sendo que a íntegra pode ser conferida aqui:

Phil Souza: E quanto ao Lancaster fora do Maximum Cosmo? O que ele gosta de fazer? Ler, Escutar...
Alexandre Lancaster
: Eu? Gosto essencialmente de rock, mas varia de acordo com o dia – tem momentos que eu me sinto pós-punk, tem dias que eu me sinto mais hard rock, tem dias que eu me sinto altamente contemporâneo, tem dias que eu estou nos anos 70. Tudo é estado de espírito. Em termos de atividades, estou desenvolvendo meu projeto de quadrinhos, que retomei e estou levando a sério. Escrevi alguns contos de ficção científica e estou com um deles na antologia Steampunk: Histórias de um Passado Extraordinário, da editora Tarja, que saiu ano passado e se passa no universo da minha série de HQ. Leio muita não-ficção, acredito que a leitura da história e de livros jornalísticos são essenciais até para minha visão de ficção. O último que li foi o Honoráveis Bandidos, de Palmério Dória. Procuro ler os jornais. Um homem não pode ficar longe do mundo em que vive. E se pensarmos bem, até os mangás são o que são por não ficarem longe do mundo em que seus leitores vivem, mesmo o mais fantasioso deles.


Phil Souza: Sua série de HQ? Você pode falar um pouco dela?
Alexandre Lancaster
: O nome dela é Expresso! – ele surgiu de um conceito que eu pensava quando tinha uns doze, treze anos de idade, e ficou adormecido, em parte por eu ter passado a ler quadrinhos Marvel/DC por um bom período da minha vida. Mas ele só foi tomar forma uns seis anos atrás mais ou menos. A história tem um protagonista brasileiro, Adriano, um garoto inventor que quer deixar uma marca no mundo – mas vai encontrar muitas pedras no caminho. É uma série steampunk, mas não quero fazer dela uma dessas "terras paralelas" – eu queria sugerir que aquele poderia ser realmente o nosso mundo, em nosso passado, apesar de suas máquinas fantásticas.


Phil Souza: Você é dono do roteiro e desenha também?
Alexandre Lancaster:
Sim.

Phil Souza: O Steampunk está sendo muito falado ultimamente. Esse subgênero sempre te atraiu?
Alexandre Lancaster
: Acho que eu sou um dos fãs de primeira hora do gênero. Ele tem um apelo meio nostálgico, dos filmes antigos que eu via quando era garoto, das adaptações para cinema do Jules Verne, e até um pouco dos velhos animes que passavam no SBT. Eu cheguei a ver o Sherlock Hound do Miyazaki em velhas fitas vhs há mais de dez anos e adorei. Eu pessoalmente tenho alguma reserva quanto a uma certa incorporação que o gótico fez no steampunk, mas não vou me amolar por isso.
Minha visão é luminosa, um pouco mais colorida. Não imagino o começo do Século XX em preto, branco e sépia.

Phil Souza: E quando veremos essa HQ nas bancas? Tem previsão?
Alexandre Lancaster: Espero que esse ano. Estou trabalhando nisso, faz parte de um projeto maior. Mas o primeiro conto ambientado na série está no livro da Tarja, e convido a todos para que dêem uma olhada no que vem sendo feito no cenário de ficção científica aqui no Brasil.

Torre de Vigia 20

A dica veio de Fernando Trevisan, via Twitter: na edição número 26 do longevo fanzine Scarium há um texto de Edgar Smaniotto abordando a cultura steamer. "Steampunk, naves de geração e seitas" é o nome do artigo que faz parte da seção "Observatório da ficção especulativa brasileira".

Aqui embaixo, segue a capa desta edição do zine e a relação dos demais textos presentes em suas páginas. A publicação pode ser adquirida aqui.



Editorial:
Como uma Fenix
Cartas

Artigos:
Steampunk, naves de gerações e seitas - Edgar Smaniotto
Hellboymania - Cesar Silva

Contos:
O Artista da Capa - Gabriel Boz
Kaori - Entrevista
Anuara Diva - John Dekowes
O Imortal - Celso Santos
Planeta Andarilho - Renato A. Azevedo
Um Sol para contemplar - Hugo Vera
Pássaro da Noite - Ana Cristina Rodrigues
A Capsula do Tempo - Luiz Fernando Riesemberg
Sonhar é Proíbido - Davi Melo
Granizo Púrpura em Céu de Diamantes - Gabriel boz
Guerra da Água - Miguel Carqueija
Capa Gabriel Boz.

70 páginas
Edição 26 - Vários Autores
Páginas: 70
Formato: 13,5 x 20 cm

Tecnologia viking

Tudo bem que você precisará ser bem liberal com o termo para considerar a nova animação da DreamWorks uma representante steampunk. Afinal, os protagonistas aqui são os vikings, aqueles guerreiros escandinavos que aterrorizaram parte da Europa um milênio antes da Era Vitoriana. Porém, boa parte do interesse daquele gênero está preservado no filme, com algumas invenções retrofuturistas em um estilo faça-você-mesmo de enjambração mecânica. Além disso, Como treinar seu dragão é uma ótima aventura, bem humorada e que explora de maneira muito eficiente os recursos 3d que devem se tornar um padrão irrevogável nas produções cinematográficas nos próximos anos, principalmente as voltadas para o público juvenil, como esta.

Basicamente temos uma vila chamada Berk, onde os tais guerreiros vivem há sete gerações enfrentando um problema bastante sério: ataques constantes de dragões. Uma verdadeira praga, o lugar é alvo das mais variadas espécies desses rápteis voadores. Soluço é o nome do filho do chefe daquele bando, um garoto magrelo e desajeitado que parece honrar mais uma outra vocação dos escandinavos que não tem a ver com os feitos heroicos. Lembrando que provavelmente o leitor tem ou já teve pelo menos um celular feito naquela região congelada do mundo, o rapaz é um precursor dos atuais engenheiros. Com uma de suas invenções - uma espécie de catapulta capaz de disparar uma rede - ele captura um dos mais misteriosos representantes daqueles inimigos.

Sim, porque não é apenas uma variedade de dragões que ataca o vilarejo; há uma infinidade de tipos - o mais interessante lembra um isqueiro orgânico, com suas duas cabeças, uma libera gás e outra provoca faíscas para causar o incêndio. No caso, o garoto alvejou, mesmo que ninguém acredite nele, um Fúria da Noite, animal nunca antes capturado ou abatido, capaz de disparar rajadas explosivas. Recusando-se a matar o bicho a sangue frio, o garoto aprende com esse dragão - Banguela é o nome que ele recebe - alguns truques que vão revolucionar uma guerra que já dura 200 anos. Para isso, ele vai precisar usar mais daquela mente analítica que os poucos músculos que tem.

 Há muito em comum entre esta animação e o megassucesso Avatar. O princípio básico das duas histórias é o mesmo, baseado na Jornada do Herói; os efeitos tridimensionais das imagens e várias sequências aéreas. São semelhanças e tanto. Porém, na obra destinada a um público mais jovem, tais elementos são mais bem resolvidos. Entre um filme assumidamente divertido e para todas as idades como este ou uma película supostamente séria e adulta como aquele filme de James Cameron, não teria dúvida sobre qual me faria voltar a por aqueles irritantes óculos para assistir a uma segunda rodada.

17.3.10

Feliz Dia de São Patrício

Nem sei se vou ter tempo de tomar uma cerveja hoje (espero que sim), mas como tenho um capítulo de livro para terminar, uma conta de banco para encerrar, uma consulta médica para acompanhar e - se tudo der certo - dois filmes para ver no cinema depois de semanas sem aparecer em uma sala escura, vai ser difícil.

Para não deixar a data passar em branco, aqui em baixo vai mais um trecho da noveleta "Tridente de Cristo", uma vez que a maior parte da trama se passa neste dia, só que 142 anos atrás. A primeira parte publiquei aqui, no dia do aniversário deste blog. Um brinde a todos.




Catedral de São Patrício, centro do Rio de Janeiro. Dia 17 de março.

A escolha do santo a que foi dedicada a nova Catedral do Rio de Janeiro motivou algum debate nos meios religiosos, políticos e jornalísticos. Mas a decisão do Imperador de prestar uma distinção aos migrantes que vieram em massa ao Brasil – muitos deles depois de breve passagem pelos Estados Unidos – foi, como de costume, soberana. Sem oportunidades no Velho Continente, desiludidos com a república norte-americana, uma multidão de irlandeses passou a aportar diariamente no Brasil, para substituir, em troca de salários, o trabalho dos escravos negros, libertados no país em 1850, contribuindo assim para a construção da infraestrutra que serve de base para o Império dos Trópicos.

Ao contrário do que ocorreu com outros grupos de trabalhadores estrangeiros, como os chineses que jamais se integraram de fato à sociedade brasileira, os irlandeses em boa parte prosperaram na nova terra. Muitos se tornaram comerciantes, industriais, autoridades religiosas. Alguns enriqueceram. Caso notável do noivo desta noite, que mesmo nascido nos Estados Unidos, tem avós paternos ingleses, de Hampshire, e maternos irlandeses, de Dublin. J. Neil Gibson e muitos outros católicos de mesma origem tornaram-se benquistos pela família real brasileira e foram os principais financiadores de inúmeros projetos na capital do Império. Entre eles a mais nova igreja da chamada Cidade Fantástica.

Dessa forma, o padroeiro da Irlanda, quem, segundo o mito, expulsara as serpentes e o próprio diabo da ilha européia tinha, no exato dia que lhe era dedicado pelos católicos, um novo templo sendo inaugurado. Ademais, para desgosto dos carmelitas, o lugar ocuparia a função da Igreja de Nossa Senhora do Carmo como a Sede Episcopal da Diocese. Mais desgosto ainda causava entre outras congregações o porte deste novo templo, um verdadeiro monumento da arte gótica revestido em mármore de carrara branco. A mistura do rancor movido pelo pecado capital da inveja e os chamativos detalhes daquele estilo arquitetônico motivaram um apelido maldoso, quase herético, à nova igreja.

Como a fachada dela é marcada por duas torres laterais espigadas, com 100 metros de altura cada, e por uma entrada também pontiaguda, encimada por uma cruz da mesma cor do mármore das paredes, a pena da galhofa carioca intitulou sua Catedral como Tridente de Cristo. E há que se concordar: ela parece mesmo um enorme garfo de pedra brotado do solo, com os dentes destro e canhoto bem maiores que o do meio.

Como seria o esperado, tal acunha só é sussurrada à boca pequena ou, caso apareça por escrito, em pasquins anônimos. Atribuir a arma predileta do seu eterno inimigo ao filho de Deus já seria blasfêmia capaz de atrair a Ira Santa. Mas usar isso para desmerecer a ereção de um projeto supervisionado pessoalmente por Pedro de Alcântara é pedir por algo ainda mais medonho: a Ira Imperial. Isso porque Sua Majestade se empenhou na viabilização da ideia que deveria ter sido posta em prática no gigante do Norte, na cidade de Nova Iorque. Contudo, ela foi sucessivamente sendo adiada pela baixa presença de católicos por lá, pelo início da Guerra Civil, pelo desastre econômico do país e, por fim, pela migração do seu projetista, James Renwick Jr., ao Brasil.

16.3.10

The difference engine vai sair no Brasil 2

No dia 13 de janeiro escrevi por aqui:

Estava ainda ontem dizendo que o Ano do Vapor se devia tanto às novidades produzidas no Brasil quanto às que devem ser lançadas em versão nacional. Pois o editor da Aleph, acaba de confirmar esse vatícinio ao comunicar na maior comunidade em português dedicada à FC do Orkut que uma obra clássica e definidora do gênero, da qual falamos aqui desde o início do blog, vai chegar às nossas livrarias. Adriano Fromer Piazzi disse: "Com imenso prazer que comunico que iremos publicar, ainda este ano, um grande clássico Steampunk. THE DIFFERENCE ENGINE, de William Gibson e Bruce Sterling".

A editora confirma o lançamento para o segundo semestre deste ano, ainda estão ajustando o cronograma para poder informar uma data mais específica, e o nome da tradutora. A versão para o português desta obra que inaugurou o subgênero steampunk vai ficar por conta de Ludimila Hashimoto, a mesma responsável pelas elogiadas traduções de A voz do fogo, de Alan Moore, e de vários  romances da série Discworld, de Terry Pratchett.

15.3.10

Sobre "A Máquina"

O texto do post abaixo é a primeira ficção de outro autor que publico neste blog. Ele foi escrito por Leonardo Stockler e ganhou o terceiro lugar na categoria minicontos do Prêmio Braulio Tavares de 2008, concurso organizado por Ana Cristina Rodrigues, a mesma responsável pelo Prêmio Melhores do Ano. Consegui a autorização do autor depois de uma breve negociação pelo Orkut, um tanto dificultada pelo hábito recém-adquirido por aquele site de mandar meus scraps para a caixa de spam dos destinatários. Agradeço a intervenção do também escritor Marcelo Augusto Galvão nas negociações.

A Máquina

Por Leonardo Stockler



Convulsionando-se em engrenagens e ferrolhos, que disparavam estalos frenéticos, fazendo parecer desprender a camada de milhões de parafusos, ia desfilando pelo canavial aquela maçaroca sombria de mecanismos e aparelhagens. Marchava engolindo e digerindo os insetos e pequenos animais com os quais deparava em seu caminho amplamente circunscrito. Dentro de seu corpo, generosamente rebuscado de chaminés, e peças ainda manchadas de graxa quente, reinava uma fornalha infernal, onde iam morrer os restos dos animais que eram triturados pela galeria de brocas, cuja entrada situava-se na barriga da máquina, mirando o solo, que, através dos dispositivos ali instalados, sugava para dentro de si os bichinhos silvestres, em sua maioria insetos.

Pela popa da máquina as partes não aproveitadas pela fornalha eram defecadas violentamente esfarelando-se no vento, de modo que era impossível distingui-las após a ejeção. Sustentando toda a parafernália havia quatro patas muito bem articuladas compostas basicamente de ferro retorcido e alumínio.

O barulho era ensurdecedor e poluía desvairadamente o ambiente campestre, fazendo evacuar as populações da região, com justiça, embora qualquer tentativa de parar a máquina fosse vão esforço. Ia descendo austeramente a ribanceira, vez ou outra prescrevendo semicírculos aleatoriamente na plantação. Embora não fizesse jus à potência e natureza da máquina a vegetação ficava apenas parcialmente destroçada, porém nela permaneciam resquícios de escarros de fuligem e óleo do motor, sujeira que ali iria residir para sempre. Enquanto sujava deliberadamente a plantação, a máquina ia pigarreando, engasgando-se progressivamente com os alimentos de dura digestão e cuspindo vapor pelas chaminés.

Os destroços pereciam-se no caminho que havia sido percorrido. Eram escombros magnânimos de uma vilania temperada por essa indústria. Verdadeiramente não se podia considerar aquele objeto sinistro, que avançava sobre longas patas, uma máquina agrícola, ou, menos ainda, uma indústria. Não havia escondida em sua planta nenhuma esteira de produção ou manufatura. Não era imbuída de objetivos e também não iria parar jamais, pois a incineração dentro de seu esqueleto, que dispunha de alimentação eterna – o próprio capim e insetos - funcionava como um gerador de energia. Essa fortaleza móvel, rechaçada desesperadamente pelas gralhas ao longo de seu percurso, dominara tiranicamente toda a fazenda de seu dono.

De longe ele assistia a esse massacre, esboçando um sorriso largo no rosto, congratulando a si mesmo pela própria criação do monstro. As horas a fio na garagem martelando, desatarraxando e construindo com afeto essa criatura não haviam sido horas desperdiçadas afinal. Conservou-se mais um tempo contemplando o cenário apocalíptico e miserável, ornamentado vaidosamente pelo seu filho. Foi correndo até ele.

Ao lado da máquina havia a entrada para um fosso de diâmetro largo o suficiente para um corpo humano adulto por ali passar confortavelmente. Aquele caminho ia desaguar, através de um tobogã mortal, na fornalha, o estômago da máquina. O cientista pôde observá-lo tão logo alcançou a máquina na corrida. Calculou o impulso necessário para lá dentro cair sem qualquer empecilho, tomou distância, flexionou as pernas, e mergulhou para sua morte, trucidando-se na engrenagem colossal que o engolia e o devorava despreocupadamente. A energia do corpo humano daria mais fôlego e ânimo para a máquina.

14.3.10

Passarinhos vaporosos

 Já havia falado da tira Os Passarinhos de Estevão Ribeiro por aqui, quando escrevi o que vai abaixo:

O símbolo do Twitter é um passarinho, certo? Então nada mais justo que uma tira que tenha se popularizado a partir daquela rede de microblogs, e se tornado em pouco tempo fenômeno na rede, seja protagonizada pelos mesmo animais emplumados. Os Passarinhos, criação do escritor, quadrinista e futuro telenovelista Estevão Ribeiro, são um exercício de metalinguagem com o mercado editorial brasileiro, uma vez que um dos piantes - o baixinho Hector - deseja se tornar um autor de sucesso.

Naquele post, comentei sobre estampas de camiseta com os personagens, uma delas sendo inspirada no subgênero steampunk. Pelo jeito, esse vai ser um estilo no qual o criador dos pássaros vai investir. No dia primeiro de março, ele postou o desenho abaixo, com gatos vestidos segundo a moda vitoriana: Agata Triste e Migalhas.



E neste domingo, Estevão Ribeiro mostrou a versão steamer de seu personagem o Grande Piador, dando uma indicação de que vem mais por aí neste universo a vapor.



No Universo SteamPunk dos Passarinhos, ele controla as engrenagens do lugar. Pelo relógio, Ele também pode ver o que acontece no seu mundo.

E antes que perguntem: Sim, tenho planos de fazer uma história sobre o Universo SteamPunk dos Passarinhos! Aguardem e até quarta!

12.3.10

Torre de Vigia 19

A lista da Locus comentada em um post anterior já repercutiu na mais nova iniciativa para dar visibilidade internacional à ficção científica brasileira. O Science Fiction Made in Brazil é um blog capitaneado por Ana Cristina Rodrigues que faz parte de uma série de diálogos mantidos pelo twitter com escritores e editores do Brasil e de outras fronteiras. O evento deve ser semanal e estreou hoje, em um chat com o editor americano David Rozansky.

Mas voltando ao blog, em sua segunda postagem, ele repercutiu a lista da Locus, reproduzindo os comentários de Fábio Fernandes aos três livros brasileiros escolhidos como sendo os destaques no panorama brasileiro de 2009 - a coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, entre eles. Acrescentou dois comentários, primeiro que a única omissão importante na listagem é uma obra do próprio autor, o romance Os dias da peste, da mesma editora que a coletânea, a Tarja. O segundo, que estes quatro livros devem ser resenhados naquele espaço. Good news.

Tibor Moricz fala sobre O Peregrino

Cândido Ruiz entrevista o escritor Tibor Moricz sobre seu segundo romance, a ser lançado ainda este ano, O Peregrino. Com chamada no site da Loja São Paulo do Conselho Steampunk, a conversa foi publicada em seu blog O Nocturlábio, dedicado ao conto que o próprio confrade anda a escrever por estes dias. Abaixo, segue a abertura da entrevista, na qual sou citado, e a primeira pergunta e respectiva resposta da entrevista que pode ser lida aqui.



Tibor Moricz não é um autor estreante e seus romances já nos são conhecidos. O Autor de Fome e Síndrome de Cérebro desta vez nos presenteia com O Peregrino – “Um romance ambientado no meio oeste americano, ano aproximado de 1870. Um homem desperta numa caverna, seminu, cabeludo, barbudo, com unhas longas e retorcidas. Sem memória nenhuma do passado. Ao seu lado, um Colt45 reluzente como novo.” – Eis o nosso ponto de partida neste romance que foi batizado de forma extrovertida por Romeu Martins como “bullets and sorcery“. O autor me revelou alguns elementos deste romance em uma breve entrevista.

1-Como o criador classifica sua obra? Nos conte um pouco mais a respeito deste universo que parece flertar com o Weird West e o Steampunk.

O Peregrino nasceu conto. Era pra ser um conto. Por tradição não elaboro antecipadamente as tramas de narrativas curtas. Deixo as palavras irem fluindo, juntando parágrafos. Às vezes não funciona e às vezes funciona bem demais, como nesse caso. Me dei conta de que tinha muito mais nas mãos do que um conto lá pela página 10. Foi aí que antevi toda a magnitude da história, toda a sua potencialidade. Mudei drasticamente de estratégia e comecei, então, um romance. Não pensei em gêneros nem em subgêneros enquanto escrevia. Deixei a coisa fluir, presa, porém, a um fio condutor tênue. Agora, pronto, vejo que tenho nas mãos uma obra que mistura fantasia e ficção científica. Reúne características de ambas. É um romance com características Steampunk, mas não foi escrito para ser assim. Não houve uma planificação neste sentido. Surgiu naturalmente.

Torre de Vigia 18 - A coletânea na Locus

Juro que não canso de me surpreender. Agora, a primeira coletânea brasileira steampunk acaba de surgir em uma nova lista internacional. Mas não é "mais uma" lista internacional. Por vários motivos. Primeiro, porque ela aparece no blog da Locus, uma das mais importantes revistas dedicadas à ficção científica em todo o mundo. Segundo, porque foi compilada por Jeff VanderMeer, escritor e organizador de coletâneas que se tornam referências obrigatórias no assunto. Terceiro, porque quem elaborou o segmento brasileiro da listagem - que contempla ainda o romance de História Alternativa Xochiquetzal - Uma princesa asteca entre os incas, de Gerson Lodi-Ribeiro, e a trilogia hard Padrões de Contato, de Jorge Luiz Calife - é Fábio Fernandes, também uma referência nacional, e cada vez mais internacional, nesta e em outras áreas.

Neste link, você pode conferir "Um panorama internacional da Ficção Científica e da Fantasia em 2009". Abaixo, segue uma tradução do comentário de Fábio Fernandes sobre a coletânea brazuca:



Steampunk—Histórias de Um Passado Extraordinário, editada por Gianpaolo Celli (Tarja Editorial) Esta é a primeira antologia brasileira de Steampunk, com nove histórias que variam do weird à ficção alternativa (brasileira e estrangeira) igualmente apresentando personagens de Jules Verne e de Conan Doyle. Há também uma história minha lá, uma versão de um conto publicado anteriormente em inglês, em 2009. O steampunk está crescendo rapidamente como uma subcultura no Brasil, e esta antologia tem merecido muitas resenhas em diversos blogs e sites steamers.

8.3.10

Entrevista comigo

Meu caro Afonso Luiz Pereira edita um site de inestimável qualidade chamado Contos Fantásticos. Naquele espaço ele não apenas reúne um acervo de contos diversos, como também artigos e entrevistas com escritores dedicados à literatura de gênero nacional. Ele decidiu começar o mês de março me entrevistando, ora vejam. Nada menos que minha primeira entrevista sobre ficção científica, pela qual sou muito grato ao entrevistador pelo espaço e pelas palavras generosas no comentário. Como não poderia deixar de ser, em vários momentos o assunto da conversa foi o subgênero steampunk. Abaixo vão alguns dos trechos sobre este tema, a íntegra você pode ler aqui.

O escritor Fábio Fernandes, em entrevista concedida aqui mesmo para CONTOS FANTÁSTICOS, foi pontualmente didático ao explicar o significado do termo Steampunk, mas para não perdemos o foco das perguntas que farei a seguir, seria possível você falar alguma coisa sobre e, também, esclarecer este seu súbito “arrebatamento” por este subgênero da FC? 


Fábio Fernandes é um especialista do gênero, tanto escrevendo FC quanto escrevendo sobre FC. Não teria nada a acrescentar às informações que ele lhe deu sobre o subgênero steampunk e de como ele derivou do cyberpunk. Recomendo a quem leu reler o material e a quem não conhece dar uma conferida "aqui". Meu arrebatamento não chega a ser tão súbito. Eu me interesso pelo subgênero desde o final da década de 90, quando em tempos de paridade de nossa moeda com o dólar foi possível acompanhar o lançamento na Inglaterra e nos EUA, via Amazon, da série Liga Extraordinária, de Alan Moore. Aquilo me conquistou de imediato, sabe? Costumo dizer que, racionalmente falando, sei que outras obras do inglês são superiores, nem preciso citá-las, mas algo naquele projeto, naquela ambientação, na ideia de reutilizar personagens clássicos de autores como Jules Verne me conquistou de imediato. 

E mesmo nesse resumo que eu fiz sobre minha aproximação em relação aos escritores de FC nacionais, dá para perceber que o interesse vem de longe. Falei do primeiro livro recente que li, A mão que cria, que, como ressaltei naquela resenha, se tratava de uma obra com elementos steampunk, ao imaginar Verne eleito presidente da França e incentivador de uma corrida tecnológica no século XIX.  Já naquela época, em discussões no Orkut, propus várias sugestões que, dois anos depois, acabaria eu mesmo incorporando em uma noveleta quando me convidaram a escrever uma história desse subgênero para aquela que acabou sendo a primeira coletânea steampunk brasileira. Então, arrebatamento, sim, mas nem tão súbito assim, para quem me conhece. 

Em sendo, teoricamente, a Ficção Científica um tipo de literatura já altamente restritiva ao gosto popular dos leitores brasileiros, o Steampunk, sabidamente uma vertente diferenciada deste gênero, tem fôlego para fazer bonito no Brasil? 

Daí depende das expectativas em jogo. Diria que, a princípio sim, pois existem grupos organizados em todo o país, a partir de uma iniciativa chamada Conselho Steampunk que mantém unidades regionais chamadas de Lojas – a exemplo do que fazem os maçons – em diversos estados, do sul ao nordeste. É um grupo forte, unido, coeso, que contribui com vários eventos e produção cultural, seja em termos literários, de moda, de jogos, enfim. É um verdadeiro exemplo, o melhor que conheço, sem dúvida, de fãs de um gênero que alimentam uma verdadeira cultura, chamando a atenção dentro e fora do país.Além  disso, as editoras e os escritores estão apostando bastante nessa área, com alguns lançamentos agendados, uma segunda coletânea de contos, histórias em quadrinhos, romances, uma produção que procuro documentar em meu mais recente blog, que completou um ano em janeiro, o Cidade Phantástica.

laro que, além da produção nacional, ainda há material produzido no exterior chegando ao Brasil, como filmes, a exemplo do recente Sherlock Holmes, com Robert Downey Jr., que ajuda a disseminar a estética entre mais e mais interessados. Este ano de 2010 vai ser bastante pródigo em lançamentos, tanto que, pegando emprestada uma expressão do cofundador do Conselho Steampunk, Bruno Accioly, estamos chamando de “O ano do vapor”.

Agora, se por fazer bonito você quer dizer resultado comercial, bem, aí fica difícil prever. No Brasil, literatura fantástica não costuma ser uma boa aplicação em termos financeiros. A única exceção que me ocorre é o vampirismo, como um subgênero da fantasia e do horror. Só o tempo dirá se o steampunk algum dia vai conseguir repetir o feito dos vampiros e produzir um escritor que viva disso. 

“Ouvi dizer” que a antologia Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, da qual você participa com um dos noves contos que compõem a obra, independente do retorno popular, recebeu críticas superpositivas de quem entende do assunto, até mesmo no exterior. A informação procede? 

Você ouviu bem. A repercussão que essa primeira coletânea nacional dedicada ao gênero alcançou desde que foi lançada, na metade de 2009, certamente surpreendeu a todos nós, aos nove autores, ao organizador, Gian Celli e a seu sócio Richard Diegues, da Tarja. Teria que fazer um levantamento para poder afirmar com certeza, mas esse deve ter sido o lançamento recente, da última década, de ficção científica brasileira, que alcançou o maior número de comentários de leitores e de críticos. E isso no Brasil e lá fora, sendo a maioria dessas avaliações positivas. A resenha que mais chamou a atenção foi a de um dos maiores especialistas em literatura fantástica, um americano que mantém uma média de leitura anual na casa dos 500 livros. Larry Nolen primeiro posicionou a obra, sem maiores comentários, entre as melhores que havia lido no ano de 2009 – entre as 500 e tantas que lei aquele ano, volto a reforçar. Pouco depois ele escreveu um texto extremamente atencioso e muito positivo sobre a coletânea em si e sobre o potencial da FC brasileira que, em minha opinião, caso o livro tenha uma segunda edição deveria vir com a tradução do artigo a título de apresentação ( link do artigo ). 

E o impacto não parou por aí. No final de fevereiro deste ano ainda ficamos sabendo que uma versão em inglês do conto do já citado Fábio Fernandes, presente na obra com a noveleta “Breve história da Maquinidade”, vai surgir em uma nova coletânea, dessa vez um livro americano. Steampunk reloaded vai ser lançado ainda este ano pelo casal de editores Ann e Jeff VanderMeer, dando continuidade a outra coletânea compilada por eles. E este segundo volume vai vir com brazuca ao lado de trabalhos de escritores mundialmente conhecidos como William Gibson, ninguém menos que o homem que criou o subgênero steampunk ao lado de Bruce Sterling. Haverá ainda uma publicação virtual, ligada ao livro, que também terá a presença de outro conterrâneo nosso, Jacques Barcia, escritor e jornalista Pernambucano. O e-book trará uma tradução para o inglês da noveleta “Uma vida possível atrás das barricadas”, também publicada originalmente em Steampunk – Histórias de um passado extraordinária.

Arrisco a dizer que esta é uma das poucas, raras, raríssimas vezes que a produção nacional de ficção científica entrou em ressonância com aquilo que está sendo produzido e apreciado lá fora, nos grandes mercados consumidores e fornecedores de FC. Por isso há o interesse deles em saber o que é o tal Brazilian steampunk. E o melhor é que eles estão lendo e gostando daquilo que é feito aqui.            

6.3.10

O capitão e o camundongo

Não fosse esta nota do Universo HQ, certamente teria deixado passar em branco a edição deste mês de Mickey, da editora Abril, na qual o personagem símbolo de Walt Disney (1901-1966) se encontra com o personagem mais famoso de Jules Verne (1828 - 1905). Imagino que deveria fazer uns 25 anos desde que comprei pela última vez um gibi do camundongo. O jejum foi quebrado agora, quando o encontro no número 810, para conferir o que prometiam ser "a melhor aventura dos últimos 125 anos" com a participação do Capitão Nemo. Não posso dizer que gostei, mesmo levando em conta o público a que se destina a HQ e o preço reduzido da revista, R$ 2,95.

Pelo menos houve um avanço neste último quarto de século e já podemos saber o nome dos verdadeiros quadrinistas responsáveis pela história, pois, da última vez que eu tive uma dessas na mão, a assinatura de Walt Disney era a única visível nos créditos. "Mickey e o selo de Vladimir Zeta" foi produzida no país que chama aquele camundongo de Topolino pelo roteirista Francesco Artibani e pelo desenhista Giuseppe Dalla Santa. A premissa básica é interessante: em tempos atuais, uma expedição oceanográfica localiza no fundo do Oceano Atlântico restos de um naufrágio, entre eles, pedaços de madeira com o nome "Isère" e um selo gravado com uma letra que tanto poderia ser Z ou N, a depender de como se girasse o material. Mais notável que isso, havia ainda uma réplica da tocha da Estátua da Liberdade, feita totalmente em ouro.

Uma dupla de cientistas amiga de Mickey e Pateta, professor Zapotec e doutor Marlin, não só tem acesso à descoberta, como determina que as peças realmente são originárias - exatamente - do ano 1885 e, ainda por cima, conta com uma máquina do tempo à disposição para resolver o mistério. Desta forma, as autoridades científicas enviam para o passado os dois investigadores temporais, até o porto de Le Havre, de onde partiu o navio Isère rumo aos EUA com a estátua ainda desmontada, presente da nação europeia pelo primeiro centenário da independência do país americano. Alguns outros detalhes da trama podem ser adivinhados apenas se observando a capa, que revela mais do que o necessário: um personagem denunciando sua cara de vilão e parte do que obviamente é o submarino Nautilus.

O problema da história, como pode constatar quem for ler o gibi, é justamente na motivação do mistério do nem tão misterioso Vladimir Zeta, o homem por trás daquele selo que tanto pode ser um Z quanto um N. Sendo ele, na verdade, um personagem que se define pelo veículo pioneiro que criou, por que haveria de passar tanto trabalho, ter que confiar em tipos tão suspeitos, e embarcar uma carga clandestina, muito preciosa para ele, no navio mais visado e bem protegido daquele fim de século XIX? A coisa não se sustenta nem mesmo com a desculpa de ser uma história de detetive destinada a crianças. Faltou um bom trabalho de edição para exigir mais de Artibani. E o editor também poderia fazer Dalla Santa se esforçar mais com a reconstituição da época vitoriana.

Um Mickey vivendo aventuras no século retrasado não é nem de longe algo inédito. Na verdade, havia mesmo uma série em que ele - ou pelo menos um personagem homônimo, talvez um antepassado - era o ajudante de uma paródia de Sherlock Holmes na Londres daqueles tempos. Com roteiros bem mais interessantes que o desta revista, desenhos detalhados e bem pesquisados e uma diagramação inventiva, valeria a pena se ver uma compilação das HQs com o personagem Sir Lock Holmes. Não o confunda com outra sátira da Disney chamada Berloque Gomes que se passava em tempos contemporâneos: Sir Lock (Sleuth, no original; Ser Lock ou Hulme, na Itália; Ser Lock, na Espanha) foi uma criação de Carl Fallberg e de Al Hubbard apenas para o mercado externo da Disney, com histórias que, até onde pesquisei, não foram publicadas nos EUA. Se a editora Abril lançasse uma edição especial com o personagem e seu ajudante eu compraria com muito mais gosto que fiz com este gibi agora.

1.3.10

Prêmios Melhores do Ano

Comentei a histórica cobertura que Ana Cristina Rodrigues fez do não menos histórico ano de 2009 na ficção fantástica nacional em três posts deste blog, o primeiro foi este; o segundo, este; e o terceiro, um especial steampunk, este. Acontece que aquela retrospectiva rendeu uma ideia ainda mais interessante à sua autora: ela aproveitou a exaustiva listagem para servir de ponto de partida para uma velha requisição dos leitores, escritores e editores de FC, Fantasia e Horror do país, a criação de um prêmio.

Prêmio Melhores do Ano é justamente o título do post que explica as regras do jogo, do qual destaco alguns trechos abaixo:

Usando a listagem da retrospectiva feita aqui, com as obras de autores brasileiros publicadas em 2009, resolvi instituir o Prêmio Melhores do Ano. A carência de prêmiações já foi apontada e discutida a exaustão na NetFC, porém ninguém tinha chamado a si a tarefa de organizar algo.

Com a listagem pronto, o grosso do trabalho já estava feito. Logo, porque não aproveitar?
Então, com vocês, senhoras e senhores, as regras do Prêmio Melhores do Ano!

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- A votação no Prêmio Melhores do Ano é aberta a qualquer um interessado em participar.
- O periodo de votação será de 1o de março a 20 de abril de 2010, sem prorrogações.
- Será permitido votar da seguinte forma:
— Nas comunidades criadas no Facebook, aoLimiar e Orkut para o Prêmio
— Nos tópicos criados nas comunidades ‘Ficção Científica’ e ‘Escritores de Fantasia’ para isso
— Nos posts no blog ‘FC e Afins’ destinadas a cada categoria
— Por email: fds.editora@gmail.com
- Cada votante poderá indicar até 3 obras/pessoas em cada categoria, a exceção da categoria de Contos (em que poderão ser indicado até 5 obras), nas categorias Não-ficção e Ezines (em que só poderá indicar uma obra) e só poderá votar uma vez.
– Votos poderão ser retificados até o final da votação.
– O votante deve se identificar de forma adequada.
– Não é obrigatório votar em todas as categorias.
– O votante poderá indicar menos que o limite máximo.
— Votos que excedam o limite serão anulados se não forem retificados até o final da votação

- Em cada categoria, só poderão ser indicadas as obras constantes das listagens publicados no blog ‘FC e Afins’, a exceção da categoria Contos. Nessa categoria, o voto será espontâneo, ou seja, o votante irá indicar livremente.

– O conto só poderá ser votado se tiver sido publicado em 2009 em alguma das mídias (livros, fanzines, ezines, ebooks e sites) presentes na listagem a exceção de contos fantásticos presentes na coletânea ‘Todas as Guerras’ e os contos brasileiros da coletânea ‘Rumo a Fantasia’, que serão indicados no tópico para a votação dos contos.

Aproveito a oportunidade para duas coisas. A primeira, parabenizar a incansável Ana Cristina por mais essa iniciativa para fomentar a literatura de gênero brasileira. E a segunda, lembrar aos leitores que, por tabela, estou participando de algumas categorias:

Melhor coletânea, com Steampunk - Histórias de um passado extraordinário e Paradigmas 1;

Site de contos, com o Terroristas da Conspiração;

Contos, com "A teoria na prática", "Cidade Phantástica" e "Amazônia underground";

Sites informativos e de resenhas, com Cidade Phantástica e Ponto de convergência;

Colunista, resenhista, comentarista.

Editor, organizador, com  o Terroristas da Conspiração.

Convescote vitoriano no UOL

Tinha noticiado o encontro promovido pela Loja São Paulo do Conselho Steampunk no último da 20 num post do dia 15 de fevereiro. Virou o mês, uma matéria no portal UOL fez a cobertura completa do encontro, com direito a vídeo da entrevista com alguns participantes e trilha sonora da banda The Fall num cover de "Victoria", dos sessentistas The Kinks.

A matéria e o vídeo são de autoria do repórter Rodrigo Bertolotto que podem ser acessados na íntegra aqui. Mas aqui embaixo vai a abertura da reportagem "Jovens de SP adotam estilo vitoriano e adoram tecnologia a vapor" que fez multiplicar o número de visitantes do site do Conselho Steampunk:

Nos dias atuais, tem muita gente projetando que o eterno país do futuro Brasil emergirá como uma potência do século 21. Mas, alguns brasileiros preferem imaginar que já habitam um império, só que do passado. Eles reverenciam uma Londres do século 19, acham que os mares são ingleses e que o sol nunca se põe nos vastos territórios da rainha Vitória.

E nem só verão tropical atrapalha os nossos vitorianos. “Não avisaram vocês que o Carnaval já acabou?”, faz troça um pândego que passa pela curiosa órbita de donzelas de espartilho e rapagões de fraque se dirigindo para um piquenique no parque Trianon, em plena avenida Paulista.

“O pessoal vive perguntando onde é a peça de teatro. Ou pede para tirar fotos junto”, resigna-se Eduardo Castellini, que também atende pela alcunha de Lord Fire. Ele e sua pequena assembleia adentram no bosque atlântico decorado à maneira europeia, deixando para trás o escarcéu de uma batucada de estudantes na calçada.  Ao lado de uma fonte de água, começam o festim.

Essa tribo urbana possui uma vantagem magnífica sobre as outras: a consideração e a estima dos pais pelo modo respeitável de seus hábitos. “Eu era gótica. Minha mãe torcia o nariz e falava que eu parecia um urubu. Descobri o estilo vitoriano, passei a usar corsets, vestidos longos e gargantilhas. Agora minha mãe adora”, folga em dizer Jéssica Nascimento, que dispõe ainda de trajes de milady, aviadora, lolita e governanta.
No tocante à moral vitoriana, Jéssica confessa que é impossível seguir à risca suas manias e seus pudores, mas conserva-se um cavalheirismo dentro do grêmio. “Tratamos as mulheres como damas. A Inglaterra vitoriana era uma época de mais respeito”, opina Lord Fire.

Esse ressurgimento nos últimos anos surgiu no estrangeiro e foi nomeado de steampunk. Decerto esses sujeitos garbosos são mais steam (vapor) do que punk.