Conforme comentei
no post anterior, vou publicar aqui a íntegra da entrevista que fizeram comigo para a revista Esquinas, do curso de Jornalismo da Cásper Líbero. As perguntas foram feitas por Roberto Francisco Causo.
Como você começou a fazer parte do movimento steampunk no Brasil?
Comecei a me interessar pela produção brasileira de ficção científica em geral em 2007, quando conheci o site de fanfics
www.hyperfan.com.br e descobri que entre os autores havia contistas, romancistas e dramaturgos do porte de Fábio Fernandes, Octavio Aragão, Carlos Orsi, entre outros. Até então, eu já apreciava bastante FC estrangeira, porém o que eu conhecia do gênero no país se restringia aos textos de escritores de gerações anteriores, como JJ Veiga e Ignácio de Loyola Brandão. Então fui procurar o que esse pessoal totalmente novo para mim estava produzindo, além dos contos disponíveis naquela página, e vim a encontrar as comunidades do Orkut em que eles se reuniam. Logo, passei a ler e a resenhar as obras desse pessoal para o portal
www.overmundo.com.br, o que fiz durante todo o ano de 2008. No finalzinho daquele mesmo ano, entrei em outras comunidades, justamente as que faziam parte da iniciativa de divulgação da cultura steamer do Conselho Steampunk.
Como foi fazer parte da coletânea Steampunk? O que lhe fez começar a escrever steampunk?
FC tem uma capacidade de contaminação terrível, é um típico vírus memético: quem começa a ler muito, acaba querendo escrever também. Eu já havia escrito sobre FC, naquela série de resenhas que foram republicadas em meu blog
www.romeumartins.blogspot.com, mas acabei também escrevendo FC de fato em algumas experiências com contos feitos despretensiosamente para outra página minha, a
www.terrorcon.blogspot.com. O primeiro desses contos acabou sendo publicado na edição de estreia de um projeto de coletâneas sem temática fixa da Tarja Editorial, a coleção
Paradigmas. Foi minha introdução formal nesse mundo dos escritores de ficção científica, com um conto que pode ser classificado como nowpunk, “A teoria na prática”, em 2009, menos de um semestre depois de eu ter começado a escrever ficção.
Acabou que um dos sócios daquela mesma editora, Gianpaolo Celli, entrou numa daquelas comunidades steampunk e perguntou quem ali escrevia algo do gênero. Fui dos que respondeu dizendo ter algumas ideias a respeito, apesar de não ter escrito na época ainda nada formalmente dentro do estilo. Mesmo assim, ele me convidou poucas semanas depois, bem no finalzinho de 2008, para fazer parte daquela que veio a ser coletânea pioneira do país: Steampunk – Histórias de um passado extraordinário. Receber esse convite foi uma surpresa e tanto, sem dúvida um desafio para um cara que mal tinha começado a se dar conta de que estava escrevendo textos ficcionais ter a possibilidade de ser publicado ao lado de gente consagrada, incluindo um daqueles autores que descobri via Hyperfan, o Fábio Fernandes. Para minha sorte, o processo inteiro foi muito profissional por parte da editora e do organizador e pude ainda contar com beta readers que me ajudaram bastante nesse desafio. Terminei o texto em fevereiro e em julho de 2009 o livro já estava sendo lançado.
Como entrou em contato pela primeira vez, com o steampunk?
Foi pelos quadrinhos. A primeira vez que tive a sensação de uau lendo algo a respeito foi pelas páginas da primeira edição da
Liga Extraordinária, de Alan Moore e Kevin O’Neill, quando eles mostram sua versão de uma Londres Vitoriana retrofuturista. Isso foi pelas edições importadas, via Amazon, em 1999, quando havia uma saudável paridade do real com o dólar facilitando aquisições de material importado. Aquilo mexeu muito comigo, a ponto de até hoje a
Liga Extraordinária estar entre os trabalhos do Moore dos quais mais gosto. E em termos nacionais, a primeira obra do tipo que li foi uma descoberta que fiz naquele citado site de fanfics, o Hypefan, e que acabou virando um romance:
A mão que cria, de Octavio Aragão. Livro com fortes elementos steampunk, ele foi o primeiro da FC nacional que resenhei, na época para o site
www.omelete.com.br.
Quais você acha, que são as maiores dificuldades que tal movimento enfrenta no Brasil, atualmente, especialmente em termos de distribuição, etc?
Bem, acho que comparativamente com outros subgêneros ligados à FC o steampunk até que está bem no contexto geral. Afinal, aquela primeira coletânea não só é relativamente fácil de se encontrar em boa parte do país, pela rede de livrarias Cultura e Saraiva, incluindo suas lojas on-line, como esgotou a primeira edição em menos de um ano. Na minha opinião, a maior dificuldade está em alcançar um público ainda maior por sofrer da mesma falta de divulgação entre grandes veículos de imprensa nacionais, jornais, revistas, programas de TV, e mesmo de portais voltados ao entretenimento, como o já mencionado Omelete, que qualquer outro tipo de ficção científica feita por brasileiros.
A coletânea
Steampunk recebeu uma divulgação imensa entre seus leitores que procurei registrar em um blog que tem o mesmo título de minha noveleta publicada naquele livro o
www.cidadephantastica.blogspot.com. Foram dezenas de citações que saíram em páginas pessoais, redes sociais e podcasts, de forma espontânea, e resenhas feitas no exterior, por críticos do porte do americano Larry Nolen e da portuguesa Cristina Alves; além de menções no blog do escritor americano Bruce Sterling - no portal da Wired - e no blog e na versão impresa da
Locus Magazine. Foi um autêntico fenômeno, comparado a qualquer outro livro de FC publicado recentemente no país. Mesmo assim, não houve espaço similar em jornais e em revistas nacionais. Em relação à TV, quando surgem matérias em programas de auditório, estão mais interessados em discutir o tipo de roupa que os fãs do gênero costumam usar em encontros do que a literatura envolvida. Acho que virar pauta na imprensa é uma das maiores dificuldades não só do steampunk, mas da literatura de ficção científica em geral. Talvez isso ocorra quando novas gerações de jornalistas, que hoje estão cursando a faculdade, cheguarem às redações.
Em contraponto, à pergunta anterior, por que acha que o movimento Steampunk está indo tão bem no Brasil e no mundo atualmente?
Naquele meu blog, eu também costumo publicar reflexões de pessoas que procuram entender esse fato. Em geral, concordo com a abordagem que no mundo hipertecnológico em que vivemos é irresistível reimaginar um tempo em que os apetrechos eram mais compreensíveis aos mortais comuns, quando engrenagens aparentes faziam acontecer a mágica que hoje se dá de modo invisível em chips. Além do que, há um charme todo especial na estética do gênero que pode ser apreciado mesmo por quem nem mesmo faz ideia de que há literatura por trás daquilo.
No mundo e em termos literários, a atual onda começou com uma coletânea organizada por Jeff VanderMeer chamada apenas de Steampunk, e foi reconquistando um espaço que parecia ter perdido entre os fãs. Isso deu fôlego para novos livros, novos filmes. No Brasil, a onda finalmente chegou para valer e encontrou uma diversidade de escritores interessados no gênero, como os reunidos na coletânea Steampunk, na mais recente Vaporpunk – da editora Draco, que traz também portugueses – e vários outros que preparam seus projetos para os próximos meses. Aconteceu então um fato muito raro: algo produzido por aqui em termos de FC encontrou ressonância com o que estava sendo consumido lá fora.
Tanto isso é verdade que as duas ondas acabaram se topando e nos dois próximos projetos de VanderMeer ligados ao gênero vai haver a presença de brasileiros que foram publicados na Histórias de um passado extraordinário. Na nova coletânea Steampunk Reloaded, ele vai apresentar aos leitores anglófonos trechos em inglês das noveletas “Breve história da Maquinidade”, do carioca radicado em São Paulo Fábio Fernandes, e “Uma vida possível atrás das barricadas”, do pernambucano Jacques Barcia. E no segundo projeto – um livro de arte que deve ser referência sobre o assunto quando for publicado em maio de 2011, a Steampunk Bible – além de entrevistas com esses dois, haverá um trecho da noveleta deste catarinense rebatizada como “Phantastic City”, em uma tradução de primeira providenciada por Fábio Fernandes. Uma honra mais do que inesperada, devo dizer.
Quais são suas maiores influências Steampunk?
Como não poderia deixa de ser, Alan Moore, em primeiro lugar. Fora do mundo das HQs, a influência vem dos diversos escritores que cito explicitamente na noveleta “Cidade Phantástica”, ou seja, o francês Jules Verne, o inglês Conan Doyle, o americano Philip José Farmer e os cariocas Octavio Aragão e Gerson Lodi-Ribeiro.
Planos para o futuro? Quais?
Tenho algumas outras histórias escritas naquele mesmo universo. O miniconto “Uderground Amazon” já foi publicado no blog de um artista plástico steamer californiano e deve ser republicado, em nova versão, em um zine. Um conto ilustrado chamado “Modelo B” deve sair numa revista on-line que está sendo preparada pelo Conselho Steampunk. E uma segunda noveleta, “Tridente de Cristo”, foi encomendada para uma nova coletânea que deve sair em 2011. Ainda no gênero, estou tentando viabilizar uma versão em quadrinhos da história que deu origem a isso tudo, a noveleta “Cidade Phantástica”, também para o próximo ano. Recebi, mais recentemente, um convite inusitado para mais uma coletânea que deve misturar steampunk com elementos de fantasia e estou, neste momento, trabalhando no texto. Fora desse mundo a vapor, há alguns outros texto ficcionais que estão sendo avaliados para outras duas coletâneas, de gêneros distintos, além de um novo livro de não-ficção sobre inovação tecnológica.
Por favor, um pequeno currículo com seu nome completo, idade, formação, profissão e se possível, uma foto em alta resolução, por favor.
Meu nome é Romeu Manoel Coelho Martins, tenho 34 anos, sou jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Minha especialidade é a área de ciência e tecnologia sobre a qual já publiquei um livro chamado Conhecimento & Riqueza, em coautoria com Roberto Pacheco, principal desenvolvedor da Plataforma Lattes, pela editora Instituto Stela. Na ficção, tenho contos publicados nos livros Paradigmas 1, Steampunk – Histórias de um passado extraordinário, da Tarja Editorial, e vou ser um dos brasileiros presentes na Steampunk Bible da Abrams Image.