Candlepunk. O período histórico é a Idade Média, motivo para o subgênero também ser conhecido como "Castlepunk" e "Middlepunk". O escritor aponta ainda variantes: "Dungeonpunk", quando ocorre a adição de elementos mágicos, ou "Plaguepunk”, quando se enfatiza as antigas doenças que ocorreram naquela época. O exemplo citado é Doomsday Book de Connie Willis.
Tempos atrás, em uma conversa via twitter com Ana Cristina Rodrigues, ela me lembrou de um ótimo exemplar nacional que se encaixa em tal classificação. O conto em questão é "As lágrimas amargas de Sir Kay", escrito por Délio Freire para um especial do site de fanfics Hyperfan dedicado a recriar lendas inspiradas na figura do mítico Rei Arthur, de Camelot. Organizada pelo escritor e designer Octavio Aragão, uma das regras das Arturianas Alternativas era que não se utilizasse nos enredos a presença ativa da magia. O recurso poderia surgir como em nosso mundo, como por medo de maldições, por exemplo - algo explorado por Ana Cristina em seu conto, "A dama de Shalott", que mais tarde acabou sendo reunido em sua antologia Anacrônicas.
Mas foi Freire quem explorou mais a fundo a possibilidade de se usar tecnologias retrofuturistas em um cenário medieval naquele ciclo de contos. Herdeiro das ciências proibidas estudadas pelo falecido Merlin, o irmão de Arthur, Sir Kay, é convocado para investigar uma série de assassinatos na Abadia de Belaventura. Vou citar a seguir um trecho dessas investigações de Kay, com seu ajudante Tom, no melhor clima de O nome da Rosa, como um bom exemplo nacional de candlepunk - ou castlepunk, ou middlepunk, ou, se preferir, sem o tal sufixo, apenas como um retrofuturismo medieval:
A noite foi passando e quem chegou em seu lugar foi uma manhã de sol forte. Mas a noite dos dois servos do bom Rei Arthur foi passada em claro. O sol estava forte, mas ainda assim dois enormes castiçais acessos ajudavam os olhos de Sir Kay para a observação cuidadosa do objeto que cortava, a pele ressecada do cadáver. Uma incisão precisa na tampa craniana e um movimento firme das mãos foram o suficientes para retirá-la. Tom aproximou-se, mas afastou-se de imediato. O fedor e a visão interna do morto não faziam seu estômago comportar de maneira dócil.
A visão de pequenos vermes rastejando pelo cérebro do monge morto fez Tom acreditar que aquele corpo estava dominado por ovos de dragões. Sem demonstrar muita consideração pela opinião de seu pajem, Sir Kay voltou a tampar a cabeça do cadáver, explicando em seguida as relações existentes entre o consumo de carne de porco mal cozida e determinadas doenças estudadas por Merlin.
Desconcertado e cansado, pela noite em claro, Tom sentiu-se inútil naquele método investigativo e pediu licença para se recolher aos seus aposentos, no que o irmão de Arthur, necessitando de silêncio, atendeu prontamente. Enquanto o jovem fechava a porta, o cavaleiro examinava a face desfigurada do homem, que o intrigara desde que a viu. Porque alguém se daria ao trabalho de jogar um ácido no rosto do inimigo já morto? Haveria interesse em não identificar a vítima? Ou seria esse apenas um capricho sem sentido do criminoso? E tal homem seria uma espécie de canibal, um devorador de seus semelhantes? Ou, o que não acreditava, não seria esse um homem?
Pelo que observara do braço mastigado, um ser vivo havia se deitado sobre o monge com fins de se alimentar de sua carne. Com este, já eram quatro as vítimas. Todas, segundo o monge que os recebera, tiveram partes do corpo amputadas, como se a criatura ou o homem fosse movido por uma fome animal, uma necessidade visceral.
2 comentários:
são tantas possibilidades, que às vzs eu fico besta xD
Mas isso é o legal, né?, além de variar nos períodos históricos ainda é possível variar no uso de FC, fantasia, horror e mesmo de outros gêneros e subgêneros.
Daria um ótimo trabalho acadêmico analisar isso, né? ;-)
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