15.3.10

A Máquina

Por Leonardo Stockler



Convulsionando-se em engrenagens e ferrolhos, que disparavam estalos frenéticos, fazendo parecer desprender a camada de milhões de parafusos, ia desfilando pelo canavial aquela maçaroca sombria de mecanismos e aparelhagens. Marchava engolindo e digerindo os insetos e pequenos animais com os quais deparava em seu caminho amplamente circunscrito. Dentro de seu corpo, generosamente rebuscado de chaminés, e peças ainda manchadas de graxa quente, reinava uma fornalha infernal, onde iam morrer os restos dos animais que eram triturados pela galeria de brocas, cuja entrada situava-se na barriga da máquina, mirando o solo, que, através dos dispositivos ali instalados, sugava para dentro de si os bichinhos silvestres, em sua maioria insetos.

Pela popa da máquina as partes não aproveitadas pela fornalha eram defecadas violentamente esfarelando-se no vento, de modo que era impossível distingui-las após a ejeção. Sustentando toda a parafernália havia quatro patas muito bem articuladas compostas basicamente de ferro retorcido e alumínio.

O barulho era ensurdecedor e poluía desvairadamente o ambiente campestre, fazendo evacuar as populações da região, com justiça, embora qualquer tentativa de parar a máquina fosse vão esforço. Ia descendo austeramente a ribanceira, vez ou outra prescrevendo semicírculos aleatoriamente na plantação. Embora não fizesse jus à potência e natureza da máquina a vegetação ficava apenas parcialmente destroçada, porém nela permaneciam resquícios de escarros de fuligem e óleo do motor, sujeira que ali iria residir para sempre. Enquanto sujava deliberadamente a plantação, a máquina ia pigarreando, engasgando-se progressivamente com os alimentos de dura digestão e cuspindo vapor pelas chaminés.

Os destroços pereciam-se no caminho que havia sido percorrido. Eram escombros magnânimos de uma vilania temperada por essa indústria. Verdadeiramente não se podia considerar aquele objeto sinistro, que avançava sobre longas patas, uma máquina agrícola, ou, menos ainda, uma indústria. Não havia escondida em sua planta nenhuma esteira de produção ou manufatura. Não era imbuída de objetivos e também não iria parar jamais, pois a incineração dentro de seu esqueleto, que dispunha de alimentação eterna – o próprio capim e insetos - funcionava como um gerador de energia. Essa fortaleza móvel, rechaçada desesperadamente pelas gralhas ao longo de seu percurso, dominara tiranicamente toda a fazenda de seu dono.

De longe ele assistia a esse massacre, esboçando um sorriso largo no rosto, congratulando a si mesmo pela própria criação do monstro. As horas a fio na garagem martelando, desatarraxando e construindo com afeto essa criatura não haviam sido horas desperdiçadas afinal. Conservou-se mais um tempo contemplando o cenário apocalíptico e miserável, ornamentado vaidosamente pelo seu filho. Foi correndo até ele.

Ao lado da máquina havia a entrada para um fosso de diâmetro largo o suficiente para um corpo humano adulto por ali passar confortavelmente. Aquele caminho ia desaguar, através de um tobogã mortal, na fornalha, o estômago da máquina. O cientista pôde observá-lo tão logo alcançou a máquina na corrida. Calculou o impulso necessário para lá dentro cair sem qualquer empecilho, tomou distância, flexionou as pernas, e mergulhou para sua morte, trucidando-se na engrenagem colossal que o engolia e o devorava despreocupadamente. A energia do corpo humano daria mais fôlego e ânimo para a máquina.

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