Nem sei se vou ter tempo de tomar uma cerveja hoje (espero que sim), mas como tenho um capítulo de livro para terminar, uma conta de banco para encerrar, uma consulta médica para acompanhar e - se tudo der certo - dois filmes para ver no cinema depois de semanas sem aparecer em uma sala escura, vai ser difícil.
Para não deixar a data passar em branco, aqui em baixo vai mais um trecho da noveleta "Tridente de Cristo", uma vez que a maior parte da trama se passa neste dia, só que 142 anos atrás. A primeira parte publiquei
aqui, no dia do aniversário deste blog. Um brinde a todos.
Catedral de São Patrício, centro do Rio de Janeiro. Dia 17 de março.
A escolha do santo a que foi dedicada a nova Catedral do Rio de Janeiro motivou algum debate nos meios religiosos, políticos e jornalísticos. Mas a decisão do Imperador de prestar uma distinção aos migrantes que vieram em massa ao Brasil – muitos deles depois de breve passagem pelos Estados Unidos – foi, como de costume, soberana. Sem oportunidades no Velho Continente, desiludidos com a república norte-americana, uma multidão de irlandeses passou a aportar diariamente no Brasil, para substituir, em troca de salários, o trabalho dos escravos negros, libertados no país em 1850, contribuindo assim para a construção da infraestrutra que serve de base para o Império dos Trópicos.
Ao contrário do que ocorreu com outros grupos de trabalhadores estrangeiros, como os chineses que jamais se integraram de fato à sociedade brasileira, os irlandeses em boa parte prosperaram na nova terra. Muitos se tornaram comerciantes, industriais, autoridades religiosas. Alguns enriqueceram. Caso notável do noivo desta noite, que mesmo nascido nos Estados Unidos, tem avós paternos ingleses, de Hampshire, e maternos irlandeses, de Dublin. J. Neil Gibson e muitos outros católicos de mesma origem tornaram-se benquistos pela família real brasileira e foram os principais financiadores de inúmeros projetos na capital do Império. Entre eles a mais nova igreja da chamada Cidade Fantástica.
Dessa forma, o padroeiro da Irlanda, quem, segundo o mito, expulsara as serpentes e o próprio diabo da ilha européia tinha, no exato dia que lhe era dedicado pelos católicos, um novo templo sendo inaugurado. Ademais, para desgosto dos carmelitas, o lugar ocuparia a função da Igreja de Nossa Senhora do Carmo como a Sede Episcopal da Diocese. Mais desgosto ainda causava entre outras congregações o porte deste novo templo, um verdadeiro monumento da arte gótica revestido em mármore de carrara branco. A mistura do rancor movido pelo pecado capital da inveja e os chamativos detalhes daquele estilo arquitetônico motivaram um apelido maldoso, quase herético, à nova igreja.
Como a fachada dela é marcada por duas torres laterais espigadas, com 100 metros de altura cada, e por uma entrada também pontiaguda, encimada por uma cruz da mesma cor do mármore das paredes, a pena da galhofa carioca intitulou sua Catedral como Tridente de Cristo. E há que se concordar: ela parece mesmo um enorme garfo de pedra brotado do solo, com os dentes destro e canhoto bem maiores que o do meio.
Como seria o esperado, tal acunha só é sussurrada à boca pequena ou, caso apareça por escrito, em pasquins anônimos. Atribuir a arma predileta do seu eterno inimigo ao filho de Deus já seria blasfêmia capaz de atrair a Ira Santa. Mas usar isso para desmerecer a ereção de um projeto supervisionado pessoalmente por Pedro de Alcântara é pedir por algo ainda mais medonho: a Ira Imperial. Isso porque Sua Majestade se empenhou na viabilização da ideia que deveria ter sido posta em prática no gigante do Norte, na cidade de Nova Iorque. Contudo, ela foi sucessivamente sendo adiada pela baixa presença de católicos por lá, pelo início da Guerra Civil, pelo desastre econômico do país e, por fim, pela migração do seu projetista, James Renwick Jr., ao Brasil.