9.1.10

Thought-time

Um ator que vive simultaneamente, em duas franquias cinematográficas de sucesso, personagens cínicos e canalhas: um deles cercado de tecnologia avançada e outro um aventureiro do passado nem tão distante. Estou falando de Harrison Ford que deu vida na década de 80 tanto a Han Solo, o contrabandista de Star Wars, quanto a Indiana Jones, o arqueólogo da série com seu nome. Mas daqui a algum tempo, essa frase pode ser verdadeira também ao se falar de Robert Downey Jr., que já vai para o segundo filme do super-herói hi-tech, beberrão e mulherengo de Homem de Ferro e que acaba de interpretar um detetive vitoriano, excêntrico e misógino em Sherlock Holmes. Se tudo der certo, como merece a obra, este último também vai virar franquia de sucesso e seu intérprete será o Harrison Ford desta nova década. E ele merece, ainda mais que a obra.

Quando anunciaram pela primeira vez esta nova adaptação do personagem de sir Arthur Conan Doyle  (1859-1930) não foram poucos o que acharam que estava tudo invertido. O atarracado Downey Jr. como Holmes e o galã Jude Law como Watson? Não seria o contrário, não? A intenção do diretor Guy Ritchie parecia ser essa mesma, a de subverter o mito, sair da tal zona de conforto e oferecer às novas gerações uma nova versão de um ícone. Paradoxal, a versão iconoclasta de um ícone. E deu certo. O protagonista entrega isso mesmo, um personagem que vive uma atmosfera de decadência, mas no sentido mais amplo do termo, pois vale lembrar que decadência é aquilo que se segue ao auge. Sherlock Holmes está no ápice de suas capacidades dedutivas e isso não é nada promissor em termos de futuro. O que se pode querer depois de se ter alcançado o máximo?

É este momento de crise o visto no recorte do filme, agravada ainda mais pela iminência do fim da parceria dos moradores do 221b de Baker Street. John Watson, médico e veterano de guerra, vai se casar o que acentua ainda mais o temperamento exótico de Holmes. Downey Jr. é certeiro ao dar esse ar de desesperada arrogância ao personagem. Se não fossem os novos chamados à ação que obrigam a dupla a continuar junta em mais um caso, a autodestruição do investigador do século XIX seria tão certa quanto a dos astros pop de nossos dias após terem conquistado tudo o que poderiam extrair de seu talento.

Mas para o bem da sanidade do detetive, e  o azar de Londres, ação não falta nos 128 minutos de filme. A história envolve conspirações, magia negra, ciência e tecnologia em uma mistura steampunk das melhores que o cinema já proporcionou. A trama é bastante intricada e confia no público ao evitar apresentações muito didáticas de seus personagens. Não se perde tempo explicando quem são Holmes e Watson, como eles se conheceram ou como travaram o primeiro contato com figuras como a antogonista, rival e algo mais do detetive Irene Adler (interpretada por Rachel McAdams). O texto oferece os detalhes básicos e convida a plateia a conhecer mais a partir do material que deu origem àquele universo. A noiva de Watson, por exemplo, faz referência a histórias de investigação que teria lido, citando explicitamente Edgar Allan Poe, e, em certo momento, esbarra no baú onde seu futuro marido guarda as anotações das dezenas de casos nos quais acompanhou as deduções do antigo colega.

Como cinema, Ritchie exibe suas características marcantes de obras anteriores, como Jogos, trapaças e dois canos fumegantes (1998) e Snatch - Porcos e diamantes (2000). A estilização da violência e os maneirismos visuais não agradam a todos, mas têm público cativo. Esse mundo não iria colidir com aquele criado por Conan Doyle sem soltar faíscas. Os mais puristas deverão estranhar muito; as vertentes acostumadas com as recriações da cultura steamer, por outro lado, talvez se sintam em casa. Para este segundo grupo, além das tecnologias deliciosamente retrofuturistas, o diretor ainda oferece um interessante olhar cinematográfico para os poderes de racionalização do grande detetive. Antes de partir para a violência explícita - seja agindo em campo ou numa luta de boxe movida a apostas - Holmes coreografa mentalmente cada golpe que vai dar, antecipando ações e reações. Se Matrix apresentou o já desgastado efeito do bullet-time, Sherlock Holmes surge com seu thought-time. É uma maneira de entrarmos na mente dessa genial criação vitoriana. O perigo é não conseguirmos sair mais de lá.

7 comentários:

Hugo Vera disse...

Olha... Eu já estava com vontade de assistir. Depois dessa resenha, deu mais vontade ainda!

Romeu Martins disse...

O filme é bacana e divertido, Huguinho. Gostei bem mais do que esperava.

Alexandre Lancaster disse...

O filme é sensacional, na boa. Faço questão de ter em blu-ray e olha que nem tenho blu-ray em casa. :)

Romeu Martins disse...

Cara! Superou muito as minhas expectativas, espero que vire uma série mesmo, afinal o vilão do segundo filme promete ser ainda melhor ;-)

Alexandre Lancaster disse...

E você não sacou quem era o vilão do segundo filme de antemão? XD

Romeu Martins disse...

Ah, sim, na carruagem já dava pra perceber :-) Mas isso é algo genial em termos de grandes franquias, não?, fazer uma prévia do grande anagonista ao invés de usá-lo logo de cara no primeiro filme.

Achei uma grande sacada do roteiro.

Leonardo Peixoto disse...

O filme é muito legal mesmo , e o segundo é bem maneiro :) Tomara que o terceiro mantenha o padrão !