21.12.09

2010, o Ano do Vapor?

A repercussão e a movimentação em torno do steampunk deve ter surpreendido até o mais otimista dos fãs brasileiros deste subgênero. Este blog, que nasceu em janeiro de 2009, tinha o objetivo apenas de me ajudar a pensar e a divulgar uma noveleta, publicada na primeira coletânea nacional dedicada ao estilo. Porém, ele acabou se tornando uma testemunha deste processo, agrupando links e noticiando resenhas, artigos,  entrevistas, novas produções literárias e em quadrinhos, eventos virtuais e reais, enfim, algumas das vertentes da cultura steamer nacional e do material estrangeiro que foi publicado no Brasil.

Agora, chegando o final do ano, é um bom momento de olharmos para a frente, já que o passado está registrado em nosso arquivo. Tomando o mote que eu li em uma matéria do site do Conselho Steampunk comentada por aqui, é hora de perguntarmos se a onda acaba assim mesmo ou se 2010 vai ser o Ano do Vapor?

Vou reunir aqui, neste post, algumas das novidades agendadas para o próximo ano que podem dar a melhor e mais objetiva resposta a esta pergunta.

Para início de conversa, 2010 deve ver a consolidação do projeto mais ambicioso do grupo que foi fundamental para a realidade que o steampunk assumiu em nosso país. Da mesma forma que eles deram o pontapé inicial neste nicho que se tornou tão importante para a FC nacional, agora é a oportunidade de vermos acontecer o mesmo com o gênero como um todo. A novidade foi anunciada em primeira mão na entrevista que um dos fundadores do Conselho Steampunk , Bruno Accioly, me concedeu em nome do Overmundo e que reproduzi também neste blog:


Tenho conhecido muita gente interessante e importante no meio, o que me fez perceber que o Conselho SteamPunk pode retribuir o carinho da comunidade de produção literária de Ficção Científica através das ferramentas que vem desenvolvendo para promoção do sub-gênero que tanto estimamos.
A nova iniciativa do Conselho SteamPunk, como resultado, não será endereçada a entusiastas de nicho, mas a toda comunidade de escritores e leitores de literatura fantástica.
O que ninguém ouviu até agora é o nome desta iniciativa, que foi batizada por nós de: aoLimiar.

Recentemente, em seu blog pessoal, o empresário deu mais detalhes do projeto:


O aoLimiar é uma iniciativa do Conselho SteamPunk, tem apoio de cada uma das Lojas regionais do conselho, tem sua infra-estrutura gerida pela dot . digital oriented technologies e conta com uma equipe competente e multidisciplinar que pretende tornar cada uma das transições completamente integradas com o uso cotidiano da Rede Social, entretanto não pretendemos que o aoLimiar pare por aí.
Em termos de produtos nacionais com estética steampunk, 2010 vai ser um ano agitado. Um lançamento que já está confirmado - e que foi noticiado por aqui - é o mangá nacional Hansel & Gretel, de autoria de Douglas MCT, nos roteiros, e Ulisses Perez, na arte. A editora responsável pelo material é a New Pop e a previsão é que esta releitura steamer de João e Maria chegue às bancas de todo o país ainda no primeiro semestre do ano. Mais detalhes, no blog criado pela dupla de mangakas.


Uma nova empresa pretende investir forte em produtos literários nesta área: a Draco. Em 2010 esta editora paulista deve lançar ao menos dois livros do gênero, ambos já comentados neste blog. O primeiro deles é uma coletânea binacional, reunindo brasileiros e portugueses, cujas regras de participação anunciei neste post. Com exclusividade para o Cidade Phantástica, o editor Erick Santos contou detalhes do que poderemos esperar deste livro:

A Vaporpunk é organizada por Gerson Lodi-Ribeiro (Brasil) e Luís Filipe Silva (Portugal). Deverá ter oito histórias, em sua maior parte noveletas, escritas por oito autores: cinco brasileiros mais  três portugueses.
Os brasileiros: Carlos Orsi Martinho; Eric Novello; Flávio Medeiros; Gerson Lodi-Ribeiro; e Octavio Aragão.
Os portugueses: João Ventura; Jorge Candeias; e Luís Filipe Silva (Nota de Update: leia-se Yves Robert no lugar do coeditor Luís Felipe Silva).

Atendendo à proposta das guidelines, a maioria das histórias se passa no Brasil ou em Portugal.
O segundo lançamento da Draco nesta área foi anunciado primeiramente aqui. O Baronato de Shoah, do escritor José Roberto Vieira, tem data prevista de lançamento para março. Agora, em janeiro, começam os preparativos para o romance, de revisão do texto e confecção da capa, segundo Erick Santos. Em seu blog, o escritor comentou a parceria com a nova editora.



 Um outro romance que também deve ser lançado no primeiro semestre do ano foi anunciado por seu autor neste post. Tibor Moricz ainda está negociando com as editoras, mas O Peregrino, terceiro livro solo a levar sua assinatura - do qual tive o prazer de ser um dos beta readers -, está praticamente garantido como uma das novidades do Ano do Vapor. A trama mistura FC e Fantasia em um cenário típico de faroeste. Quando o autor me pediu para dar uma definição da obra, arrisquei "bullets and sorcery". Ele começa a descrevê-lo assim:

Meio-oeste americano, ano de 1870. Um homem sem memória. Um surpreendente Colt45. Uma cidade estranha. Personagens bizarros. Uma missão sem sentido.
 

Um conto que está em gestação acaba de ganhar um blog para permitir a seus futuros leitores a oportunidade de acompanhar a evolução do texto. O blog é O Nocturlábio de Cândido Ruiz, membro da Loja São Paulo do Conselho Steampunk. Este é um trecho da apresentação do cenário feita pelo autor:

Um bom navegador conhece bem os diversos instrumentos náuticos existentes e, dentre eles, o astrolábio é o que mais se destaca. Neste conto existe um navegador muito hábil e peculiar, o qual possui dois instrumentos poderosos à sua disposição... seu instinto e o seu navio batizado como Nocturlábio.

 

São várias novidades, não? E ainda pode haver mais, alguns lançamentos eu ainda não consegui confirmar. Mas o editor da coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, Gianpaolo Celli, da Tarja Editorial, anunciou que pretende escrever um romance baseado na noveleta que publicou naquele livro: "O assalto ao trem pagador". Da mesma forma, Octavio Aragão, um dos autores que vai estar presente na coletânea Vaporpunk, também trabalha no livro que dá sequência à sua obra lançada em 2006, A mão que cria.  O romance se chamará A mão que pune e deve conter vários elementos característicos do steampunk.

E eu também escrevi recentemente uma segunda parte para a noveleta "Cidade Phantástica". O nome do texto é "Tridente de Cristo" e está em avaliação para saber se entra em uma outra coletânea mista, com vários gêneros distintos da ficção fantástica.

Depois de tantos exemplos fica com vocês a resposta se 2010 será ou não o Ano do Vapor. Meu desejo é o de que, independentemente de tudo, seja um ano melhor para todos nós.

Grato pela leitura e pelos acessos em 2009. Abraço a todos e boas festas.

19.12.09

A fenda no copo de chá

Já comentei neste blog várias vezes – mas nunca o suficiente – sobre Jules Verne (1828-1905), um dos autores que mais influenciaram a noveleta homônima “Cidade Phantástica”. Mas o ano ia acabar sem que eu falasse sobre outro escritor fundamental: sir Arthur Conan Doyle (1859-1930). O britânico se aventurou com sucesso em vários estilos de textos, entre eles a ficção científica criada por aquele francês já citado. Contudo, muito mais do que pela poesia, novelas históricas e obras de não-ficção que tenha escrito, ele se tornou conhecido em todo o mundo por uma criação que superou todas as outras e se tornou um dos personagens mais famosos da literatura, Sherlock Holmes. Ao todo foram 60 histórias protagonizadas pelo morador mais famoso de Baker Street que saíram da pena de Conan Doyle, entre elas, aquela da qual tomei emprestados dois dos coadjuvantes. Uma das medidas da popularidade do criador e da criatura é a quantidade e a qualidade das histórias que continuam a saga do detetive mesmo tanto tempo após a morte do escritor. Uma dessas obras acaba de ser lançada no Brasil com o selo da maior editora nacional, a Companhia das Letras, me dando oportunidade para reparar minha falta neste final de 2009.


A solução final é o nome do livro e quem o assina é Michael Chabon, escritor americano dono de uma das melhores e mais premiadas prosas da atualidade, traduzida para o português por Alexandre Barbosa de Souza. Com suas 112 páginas, não podemos chamá-lo de romance, está mais para uma novela. Foi publicada originalmente na Paris Review, em 2003 – sendo premiada como o melhor texto a sair naquela revista na ocasião – e depois organizada no formato de livro pela primeira vez no ano seguinte. Sherlock Holmes está presente nesta obra mesmo que o autor tenha decidido não chamá-lo pelo nome em momento algum, preferindo se referir a ele quase sempre como “o velho”. Os motivos para Chabon não se valer de uma grife tão mundialmente conhecida de modo explícito não são claros, mas a razão para o epíteto dado ao personagem é bem evidente. O protagonista que ele pede emprestado a Conan Doyle é visto nesta novela aos 89 anos, alquebrado, vivendo em uma localidade rural da Inglaterra, cultivando abelhas, enquanto o país e o mundo vivem os anos finais da II Guerra Mundial.

O detetive aposentado surge neste livro como símbolo de um tempo que já morreu, de uma era mais romântica e elegante, daquele período que costuma ser revisitado por obras steampunk. A versão de Chabon para o maior investigador da ficção me fez lembrar os versos de um poeta inglês, W. H. Auden (1907-1973), mais precisamente um trecho de “As I walked out one evening”: “And the crack in the tea-cup opens/ A lane to the land of the dead”. Na tradução de Cassiano Viana: “E a fenda no copo de chá escancara a travessa para a terra dos mortos”. Que copo de chá? A própria Inglaterra, ou ainda, o Império Britânico, que rachado, ou fendido, abriu passagem para os horrores do século XX, entre eles as suas duas guerras mundiais. Cada vez que Sherlock surge nesta novela com suas juntas estalantes, músculos doloridos e raciocínio mais lento, quase próximo do nosso normal, eu via nele a xícara de chá no caminho que leva à terra dos mortos.

Isso nem de longe quer dizer que Michael Chabon criou uma sátira como, entre tantos e tantos outros, o brasileiro Jô Soares em seu romance de estreia, O xangô de Baker Street, lançado pela mesma editora em 1995. O escritor americano fez em A solução final uma bela e emotiva homenagem àquele personagem, com sua prosa marcada pelos longos e detalhados apostos, dando uma dimensão humana palpável e ainda preservando a dignidade do grande detetive mesmo em seus últimos anos de uma vida solitária, longe das antigas glórias londrinas. O caso que o desperta da inatividade como investigador, depois de uma pausa de três décadas, é prosaico para quem já vivera tantas aventuras. Holmes é convocado pelo neto de um antigo colaborador a resolver um assassinato naquele vilarejo. Mas sua atenção é despertada mesmo pelo desaparecimento do papagaio de um garoto de nove anos e aparentemente mudo, pois se comunica apenas por rabiscos desconexos no papel. Já a ave é falante e entre os números e canções que profere, em alemão, talvez haja um mistério a mais. O nome do garoto é Linus Steinman; o do papagaio, Bruno, mas podem chamá-lo de McGuffin.

Ainda nesta seara dos nomes, vale lembrar o ótimo achado que é o título do livro. A solução final serve como citação dupla, dialogando tanto com uma das mais famosas histórias de Conan Doyle – “O problema final”, na qual o detetive enfrenta pela primeira vez seu nêmesis e acaba sendo dado como morto – quanto com o programa de extermínio de judeus desenvolvido pelos nazistas. A questão judaica, como de hábito, aparece como um dos temas desta novela, já que o pequeno Linus é um judeu alemão refugiado, adotado por uma família inglesa. O assunto é recorrente na obra de Michael Chabon, apareceu em seus romances mais consagrados, o vencedor do Pulitzer As incríveis aventuras de Kavalier & Clay (judeus na indústria do entretenimento americana da época da recessão) e o ganhador do Hugo, principal honraria da FC mundial, Associação Judaica de Polícia (história alternativa em que Israel foi destruído e o grosso da população sobrevivente ocupa provisoriamente o território do Alasca).

Enfim, ao final da breve leitura deste livro alguns mistérios ainda persistem. Chabon não seguiu a cartilha dos autores de histórias de detetives que costumam entregar tudo pronto e esclarecido ao leitor até a última página. O maior dos mistérios que pode ser comentado aqui, sem comprometer o prazer dos leitores em desvendar, a trama é o porquê de manter o protagonista oculto pela alcunha de “o velho”. Curiosamente, é a segunda vez que isso ocorre com Sherlock Holmes nos últimos meses, nestes lançamentos no Brasil de autores que continuam a saga criada por Conan Doyle. Em 2008, foi a vez do inglês Neil Gaiman, em outra novela, publicada no livro Coisas frágeis, pela editora Conrad. Porém, as razões de “Um estudo em esmeralda”, que promovia a fusão do universo do detetive com o mundo criado pelo americano H. P. Lovecraft (1890-1947), em não citar nomes eram mais claras, ainda que o texto tenha sido preparado com tamanha sutileza que enganou os editores brasileiros nas chamadas que fizeram no livro, como podem perceber os leitores mais atentos daquela obra. Por ora, fico na expectativa do próximo escritor a se aventurar com o personagem, citando-o com todas as letras ou não.

17.12.09

Natal Fantástico na Tarja

A editora da primeira coletânea Steampunk nacional lançou uma oferta em seu site. São três dos livros mais comentados do momento com um desconto especial neste final de ano. Clique no banner abaixo para ampiá-lo.

Membros do Conselho Steampunk foram assaltados

Este blog tem o objetivo de falar sobre a parte cultural do movimento Steampunk no Brasil, mas não pode deixar de registrar uma coincidência lamentável que atingiu membros deste movimento em partes distintas do país. O empresário Bruno Accioly, co-fundador do Conselho Steampunk, e a música Joanna Oliveira, da loja gaúcha do grupo, foram recentemente assaltados a mão armada.

Accioly e a namorada foram rendidos na madrugada do dia 14 de dezembro, na porta de casa, no Rio de Janeiro. Um dos três assaltantes portava uma arma calibre 45 de pente duplo. Os criminosos levaram dinheiro e um iPhone do casal. Durante a madrugada, as vítimas ainda receberam ligações de um dos homens que acabara de assaltá-los. O motivo? Ele queria revender o celular para os verdadeiros donos.

E a gaúcha Joanna Oliveira, de Dois Irmãos, interior do Rio Grande do Sul, foi vítima de uma quadrilha na manhã do dia 16 de dezembro. Quatro homens armados invadiram seu local de trabalho, uma metalúrgica, onde oito funcionários foram ameaçados de morte. Os criminosos fugiram com dois mil quilos de bobinas de latão, um prejuízo estimado pela empresa em R$ 50 mil. Joanna nunca havia sido assaltada.

A todos deixo minha solidariedade e desejo força para superar esse problema que, infelizmente falando de modo literal, atinge nosso país de Norte a Sul.

Enciclopédia do Vapor

O editor da coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, Gianpaolo Celli, virou verbete da Steampedia. Mais uma iniciativa ligada ao Conselho Steampunk com o objetivo de difundir a cultura steamer no Brasil, este projeto oferece aos interessados uma ferramenta para criação de uma enciclopédia temática e colaborativa,  nos moldes da Wikipédia, unindo recursos de textos com outras possibilidades multimídia, como vídeos.

Esta é a descrição feita na página inicial:

Sejam bem vindos a SteamPedia, a Enciclopédia Brasileira SteamPunk. A missão desta ferramenta é aglutinar conhecimento do entusiasta acerca do panorama Brasileiro e Mundial do Século XIX. Nesta ferramenta vocês poderão escrever seus próprios artigos, perguntas, avaliar conteúdo, apontar conteúdo relacionado e muito mais!

Abaixo, um trecho do verbete sobre o editor da primeira coletânea steampunk brasileira:

Sua publicação dentro do gênero SteamPunk foi a primeira do Brasil e sua participação na mesa sobre o movimento junto ao escritor Fábio Fernandes e ao co-fundador do Conselho SteamPunk Bruno Accioly – na Fantasticon 2009 – III Simpósio de Literatura Fantástica – foram contribuições notáveis para a popularização do gênero no país.

A obra está presente na SteamPunkopedia e recebeu elogios internacionais de autores como Lavie Tidhar e Larry Nolan.

16.12.09

Larry Nolen agora também em português

Uma ótima notícia que acabo de saber: o crítico americano Larry Nolen brevemente vai poder ser lido também em português. Graças a um convite feito pelo blog lusitano Correio do Fantástico, alguns de seus textos vão sair na língua de Camões. Abaixo, reproduzo o post de Roberto Mendes que anunciou a boa nova:

Poucos são os adjectivos para caracterizar um dos melhores críticos literários que se debruça sobre a ficção científica. Todos os fãs de Ficção Científica já devem ter lido, pelo menos uma vez, uma crítica deste senhor. Apesar de Larry conseguir ler em português e em espanhol, é em Inglês que podem ser encontradas as suas visões sobre o género da fc, e as críticas a milhares de livros. Só em 2009 já leu mais de 500 livros, o que é impressionante. O seu primeiro artigo sobre ficção científica traduzido para português poderá ser lido na Dagon nºum, já em Janeiro. Mas não só na Dagon poderão encontrar novos textos do Larry, pois tenho o enorme prazer e orgulho em anunciar que este grande senhor da literatura fantástica aceitou o meu convite para fazer parte do Correio do Fantástico, bem como para participar no meu novo projecto na literatura fantástica, que anunciarei brevemente.

Mr. Nolen também anunciou a novidade em seu blog e se disse muito excitado com essa oportunidade de interagir com escritores, leitores e críticos espalhados pelo globo.

15.12.09

Cavalheiros do Inferno

Entre os leitores de ficção fantástica o caso mais rumoroso de suspeita de plágio envolve HQs e literatura: as semelhanças entre os jovens aprendizes de bruxos Tim Hunter e Harry Potter. O primeiro, órfão da Inglaterra, com visual magrelo, franjas, óculos e com uma coruja sempre no ombro, foi criado pelo inglês Neil Gaiman como protagonista da minissérie em quadrinhos Livros da Magia, de 1991, logo dando origem a uma série de gibis; o segundo, órfão da Inglaterra, com visual magrelo, franjas, óculos e com uma coruja sempre no ombro, foi criado pela escocesa J. K. Rowling como protagonista do romance Harry Potter e a Pedra Filosofal, de 1997, logo dando origem a uma série de livros e de filmes.

Um outro exemplar bem menos divulgado, mas que também desperta paixões entre os tais leitores de ficção fantástica, envolve o vetor inverso – da literatura para as HQs – porém ocorre no mesmo território britânico entre dois camaradas e conterrâneos do já citado Neil Gaiman: Kim Newman e sua trilogia de romances iniciada por Anno Dracula, de 1992; e Alan Moore e sua trilogia de minisséries em quadrinhos iniciada pelo primeiro volume de A Liga Extraordinária, de 1999. Os dois trabalhos envolvem matéria-prima idêntica: personagens criados por dezenas de outros autores, quase todos em domínio público, habitando um mesmo universo ficcional coeso sediado em uma Inglaterra vitoriana. Este texto não é para confirmar ou negar as suspeitas de plágio em si, mas para saudar a possibilidade de mais brasileiros chegarem às suas próprias conclusões, pois a Aleph acaba de editar a versão em portugês da única dessas obras citadas que ainda não havia sido lançada em nosso país.

Anno Dracula ganhou uma versão muito caprichada da editora paulista, 17 anos após ter sido publicado originalmente na Inglaterra (em outra resenha postada neste blog comentei como esse tipo de atraso infelizmente é comum em nosso mercado editorial). A tradução competente é de Susana Alexandria que, além de verter as palavras para o português, ainda compilou uma muito bem-vinda (mesmo que, como dificilmente deixaria de ser, incompleta) lista com 104 personagens históricos e fictícios retrabalhados pelo jornalista, crítico e escritor Kim Newman (foto ao lado). Como fica claro pelo título da obra, que parodia a expressão latina Anno Domini – “ano do Senhor”, a data que marca o nascimento de Jesus Cristo dividindo o Calendário em duas eras – a principal referência é a mais famosa criação do irlandês Bran Stoker (1847-1912), o romance símbolo do vampirismo, Drácula, de 1897.

E o mote do livro do século XX é justamente uma discrepância, um ponto de divergência, em relação ao da obra do século XIX. O conde da Transilvânia não só sobrevive a seus caçadores – a equipe liderada por Abraham Van Helsing –, ele também executa uma jogada de mestre ao ir à capital do Reino Unido, desposar a viúva rainha Vitória (1819-1901) e revelar a existência de seus irmãos de sangue nomeando vários deles para cargos de peso na gestão do Império Britânico em seu auge. Esta é a senha para o escritor se apropriar de uma legião de damas e cavalheiros vampiros, alguns de antes outros de depois de Drácula. Segue uma torrente inacreditável de citações e de apropriações de personagens, todos convivendo em relativa harmonia – ao menos literária – na prosa de Newman, apesar das diferenças de origens e de contextos históricos de tantas linhagens vampíricas distintas.

Os mortos-vivos usados na obra vêm de todas as partes, da literatura, do cinema, de seriados de TV. O escritor fez até mesmo uma autoapropriação, pois uma das protagonistas de Anno Dracula, a vampira Geneviève Dieudonné, surgiu antes no romance Drachenfels escrito por Newman com o pseudônimo Jack Yeovil (este sobrenome também é reutilizado para batizar uma personagem secundária). É Geneviève, uma anciã mais velha que o próprio ex-conde - atual príncipe consorte - Drácula em corpo de garota, que passa a investigar ao lado do humano – ou “quente”, como são chamados os não-vampiros no livro – Charles Beauregard o mistério que atravessa o livro: a série de assassinatos que remete aos realizados pelo misterioso Jack, o estripador. Curiosamente, este tema também foi explorado por Alan Moore em From Hell, outra minissérie em quadrinhos adaptada para o cinema. E, tanto no livro quanto na HQ, o mistério sobre quem mata é revelado logo de início para o leitor, cabendo à estrutura narrativa trabalhar com os efeitos dos crimes nos outros personagens e na sociedade em geral. Coisa que tanto o livro quanto os quadrinhos cumprem com perfeição, diga-se. A diferença é que em Anno Dracula o maníaco mata prostitutas vampiras com um objeto que vai lhe valer o apelido dado pelos jornais: Faca de Prata.

Vale ressaltar que ao longo das 376 páginas não são apenas vampiros alheios as criaturas tomadas de empréstimo. Na verdade, as semelhanças com a Liga Extraordinária surgem justamente pela coincidência entre os vários personagens utilizados em ambas as obras e até mesmo, vejam só, por uma ausência em particular. É notável que tanto Newman quanto Moore tenham optado por deixar de lado a criação mais famosa de Arthur Conan Doyle (1859-1930). Se o quadrinista situou sua série no período em que Sherlock Holmes foi dado como morto, o romancista optou por isolar o detetive em um campo de concentração, em Sussex Down, chamado Devil’s Dyke – e não na Torre de Londres, como informa o pósfácio. Aliás, descontando o lapso de informação, este texto, de autoria do escritor, designer e professor Octavio Aragão é outro ótimo acréscimo à edição nacional. Já o entrevistei para o Omelete, ocasião em que falamos rapidamente sobre Anno Dracula e como aquela obra o influenciou na criação de seu próprio livro, A mão que cria, no qual o autor brasileiro explora outra vertente de mortos-vivos: os zumbis. A Aleph não poderia ter escolhido pessoa mais adequada para apresentar o trabalho de Kim Newman e o gênero conhecido como ficção alternativa aos novos leitores.

Pela área de interesse deste blog, a questão que fica é se este lançamento faz parte do steampunk. Minha opinião é a de que não, faltam características retrofuturistas ao livro para que ele possa se enquadrar neste subgênero. Mas não é o que pensa, por exemplo, a jornalista Fernanda Correia, que entrevistou o inglês para a Livraria da Folha (matéria de onde tirei a foto que ilustra este post) e o definiu assim: “Newman segue em seu texto a estética steampunk, ramo da ficção científica que foca especialmente a era Vitoriana e que retrata a tecnologia mecânica a vapor altamente evoluída, misturando diversas referências”. De todo modo, tanto pela ambientação da época quanto pela qualidade da pesquisa histórica e literária do autor, não tenho dúvida de que Anno Dracula deve agradar bastante os apreciadores da cultura steamer.

Para encerrar – que este texto está me saindo maior que o planejado – vale lembrar: o editor da obra no Brasil, Adriano Fromer, reconheceu que a publicação deste livro se deu principalmente pela indicação dos fãs em um fórum do Orkut. Se essa não é uma demonstração cabal do poder das sugestões dos leitores o que seria? Então, fica a dica para os entusiastas da ficção fantástica em geral, da FC e do steampunk em particular: caso haja a mobilização de todos, mais obras podem ser lançadas em nosso país, diminuindo o déficit de publicações em português em nossas livrarias. Façam suas listas e entrem em contato com a Aleph e outras editoras brasileiras. A caldeira não está fervendo como nunca por aqui? Perfeito para mandar sinais de fumaça aos editores.

PS - Uma correção ao texto que me foi enviada por um colega da coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, Flávio Medeiros: "Tim Hunter foi criado pela escritora inglesa Diana Wynne Jones para a série de livros Os Contos de Crestormanci. Gaiman pediu licença à autora para se apropriar de Hunter para os Livros da Magia, cortesia que Rowling infelizmente não só omitiu, como nega até hoje". Valeu mesmo, Flávio. Desconhecia essa informação que leva a criação de Tim Hunter para o ano de 1982.

14.12.09

Entre os melhores do mundo 3

Larry Nolen enfrentou uma drástica intoxicação alimentar por esses dias, leu mais de 500 livros este ano e mesmo assim encontou tempo para ler, nos últimos quatro meses, três vezes cada um dos nove contos que constituíram a primeira coletânea steampunk lançada no Brasil. O resultado da dedicação deste crítico da ficção científica é uma excelente resenha, muito bem contextualizada, que ele acaba de publicar em seu blog sobre Steampunk - Histórias de um passado extraordinário.

Nolen começa seu texto analisando o fato de que o subgênero explodiu em popularidade na última década, criando suas versões alternativas para a Era do Vapor (1775-1914), inspirado igualmente por Jules Verne, H. G. Wells, Thomas Edson, na Era do Imperialismo, e, especula ele, talvez como uma reação à confusão e ao horror do século XX. "De qualquer forma, as contradições inerentes nas estruturas social e política daquela época dão um sentido de tensão, algumas das quais explodiram nos conflitos devastadores do século XX, quando a guerra mecanizada inspirou novos horrores nos campos de batalha da Europa, da África e da Ásia (e, em grau menor,  nos da América e da Austrália)", relembra o resenhista. "Foi uma época em que Marx e Engels deram uma voz e um sentido às frustrações das classes trabalhadoras industriais através do globo; foi um tempo em que a prática repugnante da escravidão dava seus últimos suspiros nos EUA e no Brasil".

Na visão dele, todos esses elementos se combinam para criar possibilidades narrativas sobre realizações históricas e científicas compartilhadas. Sepultando de vez a noção de que só é possível se escrever sobre o gênero dentro dos limites do antigo Império Britânico, Larry Nolen aponta: "Em muitos sentidos, steampunk é um dos primeiros subgêneros verdadeiramente 'internacionais' da ficção especulativa, seu apelo se espalhou rapidamente de um país a outro, sem que um único país ou língua domine a paisagem literária". Ele ainda completa: "é verdadeiramente um movimento internacional, ele se adapta para atender às necessidades dos cenários literários de cada país".

Feita a análise do gênero em seus aspectos globais, o autor passa a se deter ao lançamento da antologia brasileira. Nolen comenta que, com as releituras das noveletas do livro, acabou desvendando, na maioria delas, novas camadas de significado. Então, passa a comentar algumas das histórias presentes no livro, "Cidade Phantástica" entre elas. Confessa que, quando teve acesso ao livro, em agosto deste ano, temia que os autores da coletânea tivessem imitado estilos e maneirismos de escritores anglo-americanos no lugar de escrever algo original sobre o tema. A opinião desse resenhista, que leu boa parte - se não podemos ousar dizer que tudo - daquilo produzido nos últimos anos dentro do estilo, é uma grata surpresa: "os elementos que esses nove escritores ultizaram são, para mim, mais atraentes do que os que encontrei na maior parte da ficção de steampunk em inglês na década passada". Ele percebeu uma tendência dark na antologia, uma frustação de que o avanço tecnológico e a ascenção de alguns não estejam favorecendo a todos como poderia. Nolen usa a imagem de uma nuvem negra que paira em algumas das histórias, uma nuvem que ameaça trazer destruição e mudança ruinosa em sua passagem.

Mr. Nolen observa que isso não significa que as histórias sejam excessivamente didáticas, desprovidas de aventura e de divertimento. "Steampunk - Histórias de um passado extraordinário é uma das antologias mais tensas e mais agradáveis que li em 2009, em qualquer língua". Ele prevê que a ficção feita no Brasil como um todo, uma potência emergente na FC, e o trabalho de alguns dos escritores da obra em particular deverão desafiar algumas concepções anglocêntricas e influenciar o diálogo global sobre o steampunk e sobre a ficção científica. "Altamente recomendado para aqueles que podem ler em português", ele finaliza. "Vai figurar durante algumas semanas no posto dos meus Melhores de 2009".

11.12.09

Torre de Vigia 11

Mais uma lista de final de ano em que a coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário aparece com destaque. Desta vez o responsável pela citação é Gabriel Lucas, do blog Factóide, que posicionou o livro como a quinta melhor obra de 2009 e ainda comentou brevemente a antologia:

Trata-se da primeira coletânea nacional de contos e histórias curtas de Steampunk, a versão ficcional e tecnologicamente deturpada da Era Vitoriana.

Por si só, trata-se de uma bela iniciativa, entretanto em vários momentos, o livro vai além, e alguns autores, como Antonio Luiz M. C. Costa e Roberto de Sousa Causo, buscam (e conseguem atingir) um ambiente Steampunk genuinamente nacional servindo de pano de fundo para ótimas histórias.

Entretanto, não há como deixar de notar a irregularidade abissal entre a qualidade dos contos, o que tirou um pouco o brilho da obra como um todo, mas que a não tornou menos essencial.

Steampunk feito no Brasil 3

A dica desta vez veio pelo Twitter de Ana Cristina Rodrigues: uma história envolvendo espionagem e elementos steampunk no início do período republicano brasileiro. Agente A5 - Segredos e justiça é um noveleta dividida em seis capítulos e que está disponível em pdf no site do escritor, designer gráfico e quadrinista Régis Rocha: o Afrodinamic Produções.

É desta forma que o autor descreve o site que hospeda essa e várias outras histórias:

AFRODINAMIC PRODUÇÕES é uma editora independente de revistas em quadrinhos e material informativo.

Com início de atividades em dezembro de 2005, abriga projetos que visam o desenvolvimento do quadrinho nacional. Artistas com suas visões particulares do mundo, interessados na divulgação de sua arte. Sabemos que dinheiro é importante e essencial, mas nem por isso exploraremos os leitores, que são o real motivo da existência de uma editora.

Aqui você encontrará o conteúdo integral de nossas publicações. Esperamos seus comentários, e-mails, críticas, elogios...afinal, é tudo feito para vocês, leitores.

AFRO, para relembrar as raízes no qual o Brasil foi forjado, com sangue, dor e glória.

DINAMIC, porque não estamos parados, mas em constante evolução e revolução.

PRODUÇÕES que vão além do papel e além da tela do monitor, esperando encontrar um lugar dentro de sua alma.

Humildemente fazendo valer seu espaço e oferecendo diversão e informação de qualidade em troca da sua atenção.

Karibu!

Régis Rocha

ps: Karibu! significa Bem Vindo, em swahili.

Quanto à noveleta, a trama conta a primeira missão da agente do Serviço de Inteligência da República Brasileira Aretha de Albuquerque Ferreira e Lima em sua volta ao país, uma versão bem mais avançada tecnologicamente que a da história oficial do início do século XX. Ela é descrita desta forma por um de seus comandantes:

A Agente A5 nasceu em 1872, filha de uma Dama da Corte do ex-imperador Dom Pedro com um suposto príncipe negro, ex-escravo dela. A menina nasceu mulata e com os cabelos levemente cobreados. Sua mãe não deixou que ela fosse dada a uma ama negra – o que geralmente acontece nessa ocasião – e ela foi criada nos salões da corte. Aos 16 anos ela solucionou sozinha o mistério que pelo departamento foi chamado de ”Desaparecimento da Jóia da Coroa do Imperador”, o que chamou a atenção do então Serviço da Inteligência Imperial, ingressando como Agente nível B8. Depois de solucionar o “Caso do Diamante Africano”, ela foi promovida a agente nível A7. Agora, depois de dois anos de treinamento na Inglaterra ela está voltando e assumindo o posto de agente A5...

10.12.09

A tecnologia na literatura fantástica



Dois autores presentes na coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, Fábio Fernandes e Flávio Medeiros, convidam os leitores mineiros a comparecerem a um bate-papo com direito a lançamento de livro e sessão de autógrafos. O tema da conversa é Cyberpunk X Steampunk enfatizando a questão da tecnologia por trás desses dois subgêneros da ficção científica.

O lançamento é do romance Os dias da peste, de Fábio Fernandes, editado pela Tarja. Abaixo, segue uma apresentação do livro:

A cada segundo nos tornamos mais dependentes da tecnologia. Hoje ela ainda necessita de nossa interação para seguir seu desenvolvimento.

Mas cada vez menos essa afirmativa é exata. Haverá um ponto de mudança. Um avanço natural. A História Humana nos ensinou isso em séculos de progresso tecnológico. E a história da evolução digital vem sendo escrita entre o hoje e o amanhã.

Atualmente convergimos para o ponto onde a tecnologia se tornou tão comum em nosso cotidiano que não a percebemos mais. Celulares, palmtops, realidade virtual, tablets, implantes, wireless, videogames e nano máquinas já são corriqueiros. Somos atendidos por máquinas, nos comunicamos através delas, permitimos que digitalizem nossas vidas em arquivos... Conversamos com elas. O tempo em que será impossível nos separarmos dos computadores está cada vez mais imediato.

E se um dia fosse necessário nos afastarmos de todo conforto tecnológico que nos cerca? Se precisássemos nos desconectar de toda a praticidade da evolução digital? Caso a sua vida, como você a conhece hoje, dependa de um total afastamento da informação, o que você faria? Se estivéssemos vivendo Os Dias da Peste moderna? Será que conseguiríamos puxar a tomada?

E a sessão de autógrafos será dupla, no romance cyber e na coletânea steam. O evento ocorre na livraria Café com Letras, de Belo Horizonte, no dia 12 de de dezembro, das 10h30 às 13h30.

9.12.09

Steampunk feito no Brasil 2

Já falei algumas vezes neste blog no projeto de José Roberto Vieira - o romance steampunk chamado Baronato de Shoah -, a primeira delas no dia 7 de junho. Agora, o escritor preparou uma novidade para seus leitores um aperitivo para o prato principal. Pelos próximos meses, ele pretende publicar capítulos de um romance virtual chamado A canção do silêncio que serve de prelúdio se passando uma década antes da história do Baronato. A primeira parte já está disponível no site Recanto das Letras de onde pode ser baixada gratuitamente. Trata-se de uma obra que se aproxima do subgênero steampunk não pela vertente da FC, mas sim pela da Fantasia, como a trilogia Fronteiras do universo, de Philip Pullman.

Abaixo, um trecho deste capítulo inicial.

Carros passavam lentamente, exalando névoa de seus escapamentos. Aleantrus conhecia muito bem aquela substância, era a Nebeldumpf – a Névoa do Vapor – o combustível usado em toda tecnologia de Nordara, seu reino.

Isso por que, há anos, os humanos descobriram formas de converter esta matéria da natureza e utilizá-la em seu maquinário, avançando tecnologicamente de maneira surreal. Havia carros, barcos, monomotores, caravelas voadores, uma infinidade de veículos movidos à Névoa que facilitavam a vida das pessoas no reino.

A Nebeldumpf era produzida nas montanhas, num complicado processo de refinamento que poucos entendiam. Por fazer parte do exército, Aleantrus já tinha visto grande parte desta tecnologia, por isso, não se impressionava mais. Ele passou entre dois carros dourados, estacionados em frente a uma casa e continuou descendo a rua, até virar a esquina e se deparar com a praça principal.

Entre os melhores do mundo 2

A título de curiosidade, um flagrante do setor de literatura estrangeira da estante de Larry Nolen, destacado do blog dele por um dos autores da coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, Antonio Luiz M. C. Costa.


Podemos ver que  a antologia brasileira está em boa companhia (é o décimo-segundo livro, da direita pra esquerda) : José Saramago, Luís de Camões, Jorge Luis Borges, Fernando Pessoa, Gabriel García Márquez, Jorge Amado. Notem também que o americano parece ter uma coleção de diversas edições do livro favorito das misses, O pequeno príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry. Citando o filme Quanto mais quente, melhor, do grande Billy Wilder, "nobody is perfect".

Entre os melhores do mundo

Esta me surpreendeu de verdade! Eu já havia falado do trabalho de um dos maiores - provavelmente O maior - resenhistas de ficcão científica do mundo neste blog. Foi no dia 21 de setembro, quando abri desta forma um post sobre ele:

Uma apreciação internacional da primeira coletânea dedicada ao gênero steampunk do Brasil. O infatigável Larry Nolen, leitor compulsivo e responsável por um dos blogs mais completos de resenhas e comentários sobre literatura especulativa do planeta, o Of Blog of the Fallen, dedicou parte de sua concorrida agenda do mês de setembro a Steampunk - Histórias de um passado extraordinário. Mesmo não sendo um especialista na língua portuguesa, ele usou seus conhecimentos de espanhol para vencer as nove histórias do livro. No espaço dos comentários, Mr. Nolen promete voltar à obra até o final do ano, quando deve elaborar sua lista de edições lançadas no mundo não-anglófono.

Bem, passados menos de três meses e com praticamente 500 obras lidas por ele este ano, Larry Nolen publicou em sua página uma lista com os 51 livros que ele considerou como sendo os melhores lançados em 2009. Entre todo o material selecionado, quase tudo tem copyright americano, com poucas exceções de livros do Reino Unido e do...  Brasil. Sim, entre os exemplares da lista está lá a coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário!

Esta é ou não é uma excelente notícia para a literatura nacional, acima de tudo, e para a de gênero em particular?

Deixo a resposta com vocês e reproduzo aqui a lista de Mr. Nolen e, mais uma vez, a capa da coletânea que está entre as melhores obras de FC e Fantasia do mundo.

Jeff Lemire, The Nobody (graphic novel)

Jonathan Rosenberg, Goats:  Infinite Typewriters (graphic novel)

Peter Straub (ed.), American Fantastic Tales (two volume reprint anthology)

Gail Carringer, Soulless (debut novel)

Kristin Cashore, Fire (YA)

Dave Eggers, The Wild Things (YAish?)

Jeff VanderMeer, Finch (fantasy); Booklife (non-fiction)

Otsuichi, ZOO (translated fiction; collection)

Caitlín R. Kiernan, A is for Alien (collection); The Red Tree (fantasy)

David Mazzucchelli, Asterios Polyp (graphic novel)

Kazuo Ishiguro, Nocturnes (collection)

Zoran Živković, Impossible Stories II (collection); The Bridge (novella)

Nick Tapalansky and Alex Eckman-Lawn, Awakening:  Volume I (graphic novel)

Dave Eggers, Zeitoun (non-fiction)

Gianpaolo Celli, Steampunk:  Histórias de um Passado Extraordinário (foreign language fiction; anthology)

David Anthony Durham, The Other Lands (fantasy)

Lavie Tidhar, The Apex Book of World SF (translated fiction; anthology)

Julio Cortázar, Papeles inesperados (foreign language fiction; collection; non-fiction; criticism)

David Petersen, Mouse Guard:  Winter 1152 (graphic novel)

Jesse Bullington, The Sad Tale of the Brothers Grossbart (debut novel; fantasy)

Robert Holdstock, Avilion (fantasy)

Dean Francis Alfar and Nikki Alfar, Philippine Speculative Fiction IV (anthology)

Daniel Abraham, The Price of Spring (fantasy)

Issui Ogawa, The Lord of the Sands of Time (translated fiction)

Terrence Holt, In the Valley of the Kings (collection)

Lev Grossman, The Magicians (fantasy)

Sang Pak, Wait Until Twilight (debut novel)

Ildefonso Falcones, La mano de Fátima (historical novel; foreign language fiction)

Laura Restrepo, Demasiados héroes (foreign language fiction)

Rafael Ábalos, Grimpow y la bruja de la estirpe (foreign language fiction; YA)

Brian Evenson, Fugue State (collection); Last Days (fantasy)

Thomas Pynchon, Inherent Vice (mystery/everything else under the sun)

J.R.R. Tolkien, The Legend of Sigurd and Gudrún (epic poetry)

Bradford Morrow (ed.); Conjunctions 52:  Betwixt the Between; Conjunctions 53:  Hybrid Histories (magazine/anthology)

Tamar Yellin, Tales of the Ten Lost Tribes (collection)

Tobias Buckell, Tides from the New Worlds (collection)

Peter Beagle, We Never Talk About My Brother (collection)

Jonathan Littell, The Kindly Ones (semi-historical novel; translated fiction)

Yuri Andrukhovych, The Moscoviad (translated fiction)

Sarah Monette, Corambis (fantasy)

Mark Newton, Nights of Villjamur (debut novel)

Nick Gevers and Jay Lake (eds.), Other Earths (anthology)

Patrick Ness, The Ask and the Answer (YA)

Kay Kenyon, City Without End (SF)

Dan Simmons, Drood (horror; historical novel)

Ann and Jeff VanderMeer (eds.), Best American Fantasy 2 (anthology)

Jonathan Strahan (ed.), Eclipse Three (anthology)

James Morrow, Shambling Towards Hiroshima (novella)

Felix Gilman, Gears of the City (fantasy)

Peter Brett, The Warded Man (fantasy)

Richard Morgan, The Steel Remains (fantasy)

Entrevista: Bruno Accioly 2

E o interesse despertado no exterior pela produção steampunk nacional é mesmo intenso, mais uma vez demonstrando que existe uma ressonância crescente entre o que se faz aqui e o que é visto lá fora. Um outro exemplo prático disso, além das citações à coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, é a entrevista que um dos fundadores do Conselho Steampunk, Bruno Accioly (que por sinal, também já falou a este blog) concedeu à coluna Beyond Victoriana, de Ay-leen, the Peacemaker, no final de novembro. Como eu estava viajando para São Paulo nesta ocasião, só pude ler agora o material, mas deixo o registro de uma conversa que vale muito a pena ser conhecida por todos os entusiastas brasileiros do steampunk.

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E não é só entre os anglófonos que repercute a coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário. O blog lusitano Correio Fantástico, fruto da parceria entre Roberto Mendes e Pedro Ventura, abriu espaço para falar da primeira antologia brazuca dedicada ao tema. Fiquem abaixo com um trecho do post "Steampunk brasileiro":

Primeiro livro nacional de contos com temática Steampunk chega às livrarias o STEAMPUNK é um gênero extremamente visual da literatura fantástica e nos últimos anos vem conquistando milhares de leitores.  Observando esse mercado emergente e a carência de obras na linha, a Tarja Editorial lançou o livro “Steampunk – Histórias de Um Passado Extraordinário”, trazendo 9 autores com contos inusitados e muito criativos dentro da narrativa Steampunk.

8.12.09

Torre de Vigia 9

Mais notícias internacionais. Fiquei sabendo pelo blog de Fábio Fernandes, um dos autores da coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário, que o livro foi citado novamente no exterior. É ele quem faz a apresentação do material:

E, via Lavie Tidhar, escritor israelense (e editor da excelente coletânea Apex Book of World SF - mais informações aqui), publicou hoje um highlight sobre a coletânea no The World SF News Blog, especializado em publicar notícias sobre FC mundial. Carvão na caldeira, rapaziada, porque público (tanto aqui quanto lá fora) tem!

E o texto de Mr. Tidhar diz o seguinte sobre a coletânea:

Sim, você ouviu aqui primeiro (ou possivelmente não): a primeira antologia de steampunk brasileira foi lançada! Steampunk: Histórias de Um Passado Extraordinário, editada por Gianpaolo Celli, contém nove histórias de escritores brasileiros, incluindo aqueles nossos dois camaradas ocupados Fábio Fernandes e Jacques Barcia.

Vem ai um paper sobre steampunk

Aquela matéria da revista Time que noticiei ontem gerou um post no blog de uma das principais pesquisadoras de cibercultura do Brasil, a jornalista, professora e soundcolocator Adriana Amaral. Em seu post "Steampunk para as massas", que parodia o título do artigo jornalístico, Lady A não apenas faz um resumo do material como também anuncia que suas reflexões sobre o gênero podem dar origem a um trabalho acadêmico:

Há muitas hipóteses para o crescimento da cultura steamer, justamente devido ao seu formato DYI que retoma a questão da customização e da disseminação dessas informações de garagem através da articulação dos fandoms via redes. Ainda estou "ruminando" a vapor algumas informações e teorias para poder explorá-las em um paper mais adiante.

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A coletânea Steampunk - Histórias de um passado extraordinário foi catalogada no site que faz o mais completo levantamento de obras lançadas com temática steamer e dieselpunk. O livro aparece com sua capa reproduzida, juntamente com a HQ Time Lincoln, de Fred Perry, e a logomarca do RPG Tekronicum. Outro trabalho nacional listado pelo site é o vindouro O Baronato de Shoah, de José Roberto Vieira. Para conferir a lista completa, é só acessar a Steampunkopedia.

7.12.09

Deu na Time

Neste blog costumo abordar apenas material steampunk que tenha sido produzido no Brasil ou que esteja disponível em versão nacional. Não é o caso deste post em que vou falar de uma matéria veiculada em inglês no site da revista Time. O motivo é que gostei muito da abordagem do texto que levou o título "Steampunk: Reclaiming Tech for the Masses" (algo como Recuperando a tecnologia para as massas), ele sintetiza vários dos elementos que, na minha opinião, tornam este gênero da ficção fantástica tão atrativo em termos estéticos-formais e de conteúdo.

Demonstra também que, como mui raramente acontece na literatura de gênero no Brasil, estamos vivendo uma onda que ocorre simultaneamente aqui e lá fora. No exterior, está se vendo uma renovação no interesse pela cultura steamer e em nosso país surgem os primeiros sinais de que este segmento pode mesmo vir a se consolidar como mais que apenas um modismo passageiro.

O texto de Lev Grossman começa por relembrar um acontecimento histórico citado neste blog desde suas primeiras postagens: o projeto de um protocomputador projetado, mas não confeccionado, pelo matemático inglês Charles Babbage (1791-1871). A matéria passa a especular o que teria ocorrido caso tal máquina tivesse mesmo sido construída:

Bifurca-se o espaço temporal. Imagine se a tecnologia da computação tivesse se desenvolvido em torno da visão de Babbage: bronze e aço em vez do silicone e do plástico; maquinário de relojoaria em vez da eletrônica. De fato, imagine se todas as grandes revoluções tecnológicas dos últimos 100 anos não tivessem ocorrido. Nosso mundo funcionaria com tecnologia vitoriana - seria um mundo feito a mão, movido a vapor, com acabamento em couro e mogno. É uma visão elegante, romântica. E tem um nome: steampunk.

A partir deste ponto, a matéria passa a citar obras que tenham explorado tal conceito, desde o romance Morlock Night (1979), de K.W. Jeter - inspirado na obra A máquina do tempo, de H. G. Wells - até The Difference Engine (1990), de William Gibson e Bruce Sterling, cujo ponto de partida é justamente o sucesso daquele citado projeto de Babbage. Outras mídias também são citadas, como os games, a exemplo de Myst; quadrinhos, como A Liga Extraordinária, de Alan Moore; e o cinema, na adaptação do seriado televisivo Wild Wild West, protagonizada por Will Smith.

Mas não é só da revisão do passado que a Time se valeu. Para demonstrar a vitalidade do steampunk hoje, "cada vez mais intenso e relevante" o texto cita, entre outros exemplos, que existem 27 aplicativos com o tema para iPhone disponíveis; informa que um museu de Oxford, na Inglaterra, abre espaço para uma exposição artística com esta mesma inspiração; comenta o sucesso do gênero na última Comic-Con, de San Diego, nos EUA, a maior convenção dedicada às HQs no mundo (de onde foi tirada a foto que ilustra a matéria e este post); e ainda menciona que, no mesmo país, em Seattle, ocorreu a primeira convenção anual dedicada ao Steampunk. No campo literário, Grossman ainda entrevistou o escritor Scott Westerfeld que lançou em outubro Leviathan, mais uma obra assumidamente focada neste gênero.

Nas suas conclusões, o artigo volta a tentar definir o efeito que o steampunk causa em seus entusiastas e, pelo menos no que me diz respeito, acerta no alvo:

Do mesmo modo que o punk fez com a música, o steampunk recuperou a tecnologia para as massas. Ele sustitui por engrenagens de metal o silicone, por tubos pneumáticos o 3G e o wi-fi. Maximiza o que foi miniaturizado e faz visível o que foi oculto. Onde o iPhone é todo aço inoxidável e plástico, o steampunk é de bronze e de madeira e de couro. Steampunk não é produzido em massa; é único e original, e se você não gostar, pode fazer do seu jeito.

5.12.09

A festa do vapor

Já era para eu ter feito um post sobre como foi a Fantástica Jornada Noite Adentro dedicada ao Steampunk. Só que o trabalho acumulado e um frila daqueles, típicos de final de ano, me deixaram fora da órbita da blogosfera nesta última semana. Posso então, pelo menos, dizer que valeu muito a pena reencontrar pessoas e conhecer outras tantas neste que foi o maior evento dedicado à cultura steamer já realizado no Brasil.


Na foto acima, dá para se ter uma ideia do clima da festa. Da esquerda para a direita, Cristina Lasaitis, Camila Fernandes, Giseli Ramos, Ludimila Hashimoto e este blogueiro. O autor da foto foi o escritor Gerson Lodi-Ribeiro que, em seu recém-inaugurado blog Crônicas da FC Brasileira, contou vários detalhes dessa maratona steampunk, como ele mesmo a definiu.

Um vídeo produzido pelo Conselho Steampunk também registrou aquela madrugada. Ele pode ser visto no canal do YouTube do grupo ou ainda nesta página do flickr, acompanhado de várias outras fotos.