O prólogo/nariz de cera é em virtude de um artigo que uma dessas pessoas que sigo postou na última quarta-feira, dia 24, pondo em questão um dos pontos mais polêmicos a respeito do próprio termo steampunk e seus aparentados: o sufixo punk que teima em se agarrar a todo e qualquer exemplo do retrofuturismo que se invente. O autor do artigo é Alexandre Mandarino, escritor, tradutor, meu editor na edição de estreia da revista digital Hyperpulp e meu futuro colega em uma coletânea dedicada a Sherlock Holmes. E o artigo em questão é "Colocando o 'punk' em 'steampunk'" que pode ser lido no blog Hypervoid. Como falta a tal ferramenta no twitter e o tempo e o número de pessoas que sigo por lá não me permitem ler tudo o que se posta no site de microblogs, só fiquei sabendo do texto nesta sexta-feira, dia 26, e só hoje pude escrever este post para complementar o debate por aqui.
O texto de Mandarino, muito bem embasado na história do movimento punk para além da literatura, chegando a esferas como música e comportamento, tem trechos como o que segue:
Uma coisa sempre me incomodou no termo steampunk e em todos os demais coloque-sua-fonte-de-energia-aqui-punk que se seguiram: o termo “punk”, nestes casos, é usado de forma quase inversa à de seu uso em "cyberpunk”. Explico – e para isso voltamos aos anos 80. Aquela época onde a maquiagem de Robert Smith e os teclados de Daryl Hall e John Oates ainda eram excludentes, quando os diferentes mundos oitentistas ainda não haviam sido reabilitados por figuras como o sensacional Chromeo. Onde o Atari 2600 consolidava o seu reinado de 8 bits e quadrinistas como Frank Miller e Bill Sienkiewicz estavam ainda em seus primeiros e mais importantes passos. É nesse cenário que um canadense chamado William Gibson superou todas as suas dificuldades tecnológicas oriundas do fato de sequer possuir um computador, mixou beatniks e termos de fanzines phone phreaks e o resto é história. Mas atenção: foi o termo “punk” que foi acrescentado ao termo “cyber”, não o contrário. E isso faz toda a diferença (...)Curiosamente esse mesmo assunto tem sido um dos temas em que mais tenho discutido neste mês. Ele já foi tocado de passagem em dois posts deste blog que acabaram de comemorar seu primeiro aniversário, chamados apropriadamente de Festival Punk e Festival Punk 2. Os mesmos posts, um ano depois, serviram de base para a palestra que Fábio Fernandes e eu demos em um evento de quadrinhos florianopolitano no final de semana de 13 e 14 de agosto. Por sua vez, em uma versão resumida daquela mesma palestra, voltei a tocar no assunto no final de semana seguinte, em outro evento, agora ligado mais à cultura japonesa. E, para o cúmulo da coincidência, na véspera da postagem de Alexandre Mandarino, ou seja, na terça-feira, dia 23 de agosto, voltei a tocar na mesma tecla. Esta última ocasião, foi respondendo a uma entrevista por email que me foi enviada por Guilherme Bryan, jornalista especializado na cultura brasileira dos anos 80, que conheci naquele primeiro evento de quadrinhos em Florianópolis, e estava preparando uma matéria a respeito do movimento punk para a Revista do Brasil.
Vou tomar a liberdade de reproduzir a pergunta de Bryan e a resposta que lhe dei, acho que resumem minha opinião a respeito da controvérsia sobre aquelas quatro letras e o que ela tem a ver com a imagem abaixo:
2 - De que modo o punk se manifesta tanto no steampunk quanto no cyberpunk?
Tudo começou no cyberpunk, na segunda metade dos anos 80, quando o prefixo realmente manteve seu sentido original. O movimento liderado por William Gibson e Bruce Sterling levou a ideologia punk ao mundo da FC, ajudando a dar muito mais relevância aos verdadeiros produtores do gênero - os escritores - e incluindo uma temática muito mais politizada e não-conformista a um mundo que não poderia ficar apenas na mão dos velhos padrões. Quando o escritor K. W. Jeter escreveu uma carta em 1987 para a revista Locus batizando o steampunk, ele apenas fazia uma analogia com o cyberpunk, o sentido original, de vagabundo, marginal, começava a se perder, pois a cultura steamer não carrega o mesmo ethos "revolucionário" do cyberpunk.
Isso foi ficando ainda mais evidente quando novos subgêneros de ficção ambientada no passado começaram a ser propostos, como o dieselpunk, a princípio um cenário pensado para os games em que a ação é nos anos entre as guerras do século XX, e também o sandalpunk (período greco-romano), o clockpunk (Renascença) e muitos outros. O prefixo continua a aparecer, mas houve um verdadeiro sequestro semântico: deixou de significar aquilo que vinha desde os tempos shakespereanos, passando pela contracultura de McNeil, para ser sinônimo de anacronismo ficcional. Mais ou menos como o X dos sanduíches vendidos no Brasil veio do cheeseburger americano, deixando o sentido de origem de lado e servindo até para batizar um X-queijo. O punk só era mesmo punk no cyberpunk, do steampunk em diante foi perdendo sua característica inicial.
É isso. Se dependesse apenas de mim, garanto que o tal sufixo seria abandonado de vez pois ele tem a tendência de trazer mais calor que luz para um debate que faz tanto sentido quanto perguntar aos Ramones o porquê de eles não usarem cabelo moicano. Por falar nisso, encerro com outro comentário que fiz lá pelo twitter naquela mesma terça-feira, 23 de agosto: "O moicano é o novo mullet". Até a próxima.