4.8.10

Vaporpunk: Entrevista com Gerson Lodi-Ribeiro

Quem duvida que o steampunk veio para ficar em nosso país, pode tirar o cavalo do vapor. Este mês, chega com tudo a segunda coletânea do gênero, reunindo autores brasileiros e portugueses em um lançamento que deverá repetir o sucesso da pioneira Steampunk - Histórias de um passado extraordinário. Vaporpunk - Relatos steampunk publicados sob as ordens de Sua Majestade é o nome da nova obra, que trará o selo da Editora Draco em sua capa - aliás, que capa, a melhor que já vi de um livro de ficção especulativa nacional! A seleção do material também ficou por conta de editores dos dois países. Do lado europeu, Luís Filipe Silva, coautor, ao lado de João Barreiros, do clássico lusófono Terrarium. Deste lado do Atlântico, Gerson Lodi-Ribeiro, velho conhecido dessas paragens. Na entrevista a seguir, é ele quem comenta o processo de produção da coletânea, que será oficialmente lançada durante o próximo Fantasticon, nos dias 27, 28 e 29 de agosto. Vamos ao bate papo.




Os primórdios da organização da coletânea Vaporpunk apareceram neste blog, primeiro em uma chamada que fiz  e, em seguida, dada à repercussão gerada, houve um segundo post com uma apresentação sua do projeto. Poderia dar uma ideia de como o trabalho se desenrolou a partir dali? Foram recebidos e analisados novos textos, de autores brasileiros e portugueses? Como se chegou ao resultado final das obras reunidas na coletânea?


GL-R A partir dos fatos relatados nos posts acima, abrimos novo prazo para autores brasileiros. Sete autores submeteram trabalhos, um desses trabalhos foi aceito: a noveleta “O Dia da Besta”, do Eric Novello. Do outro lado do Atlântico, Luís Filipe Silva conseguiu reunir uma novela, “Unidade em Chamas”, do Jorge Candeias; e duas noveletas, “Os Oito Nomes do Deus Sem Nome”, do Yves Robert, e “O Sol é que Alegra o Dia...”, do João Ventura.


Desde o início, a Vaporpunk demonstrou ter uma abrangência maior que apenas estar ligada ao steampunk puramente, ou seja, apresentar cenários diretamente ligados à Era Vitoriana. Seria possível fazer um apanhado geral dos contos e noveletas, incluindo o seu texto, para que os futuros leitores possam saber o que esperar do livro em termos de temática e de ambientações?


GL-R Esta resposta será um pouco longa, mas vamos lá, na ordem em que vão aparecer na Vaporpunk:
Em “A Fazenda-Relógio”, único conto da antologia, Octavio Aragão nos brinda com as consequências funestas da mecanização precoce nas fazendas de café no Império do Brasil da penúltima década do século XIX.

Do outro lado do Atlântico, em “Os Oito Nomes do Deus Sem Nome”, Yves Robert mostra o que acontece quando a monarquia portuguesa invoca poderes africanos ancestrais a fim de transformar o Reino em potência mundial, atraindo contra si a cobiça dos demais impérios europeus, numa linha histórica alternativa em que as ciências físicas e mentais avançaram mais rápido do que em nosso mundo.

Na noveleta de ficção alternativa “Os Primeiros Aztecas na Lua”, Flávio Medeiros narra as agruras de um agente duplo britânico que espiona para o Império Francês, numa linha histórica em que o ministro de ciências francês Jules Verne e seu análogo inglês H.G. Wells empregam suas engenhosidades prodigiosas em prol da vitória numa guerra fria franco-britânica, num passado alternativo onde a civilização asteca floresceu sob domínio anglófono.

Em minha “Consciência de Ébano”, inserida na linha alternativa dos Três Brasis, de “O Vampiro de Nova Holanda”, durante a construção de uma grande represa hidrelétrica no rio São Francisco palmarino da quarta década do século XIX, um operativo da agência mais secreta da República de Palmares se vê obrigado a trair a pátria para livrá-la de um conluio hediondo com o Mal.

Em “Unidade em Chamas”, única novela da antologia, Jorge Candeias retrata o duro cotidiano da preparação dos corpos aéreos de passarolistas militares portugueses para a guerra iminente contra o invasor francês, em meio à tensão racial provocada pela fusão inopinada do corpo metropolitano com um outro, arregimentado e treinado em segredo nas colônias.

Em “A Extinção das Espécies”, Carlos Orsi nos mostra pelos olhos do jovem naturalista inglês Charles Darwin a guerra sem quartel travada pelas forças argentinas do General Rosas contra os índios da Patagônia, eventos que também ocorreram em nossa própria linha histórica, ainda que sem o emprego de uma tecnologia biológica avançada, a ponto de empregar como arma criaturas artificiais cujos tecidos vivos e não-vivos se encontram impregnados de uma energia vital irresistível.

Em “O Dia da Besta”, de Eric Novello, um agente de elite do Império investiga a presença de uma criatura metamorfa no Rio de Janeiro, num Brasil alternativo em que as tecnologias do vapor e aeronáutica chegaram mais cedo e onde, às vésperas da Guerra contra o Paraguai de Solano López, a Princesa Isabel se tornou a primeira aviadora do país.

O ponto de divergência inserido por João Ventura na noveleta de história alternativa “O Sol é que Alegra o Dia...”, é que o cientista português Padre Himalaya — pioneiro do emprego da energia solar e inventor do pirelióforo, grande atração da Exposição Universal de St. Louis em 1904 — logra concretizar seu ideal de incrementar uma revolução tecnológica e industrial alimentada pela luz do Sol.



Uma das características que mais chamam a atenção no livro organizado por você e pelo editor e escritor português Luís Filipe Silva é justamente essa cooperação binacional. Podemos esperar mais parcerias do tipo, entre escritores lusófonos para o futuro?


GL-R No que depender de mim, sempre. Como nas antologias anteriores que organizei — Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000) e Como Era Gostosa a Minha Alienígena! (idem, 2002) — a Vaporpunk conta com a presença substancial de autores portugueses. A diferença é que, ao contrário das antologias da Ano-Luz, agora também há um co-editor português para auxiliar a arregimentar os talentos do lado de lá.

Esta vai ser a segunda coletânea steampunk a ser lançada no Brasil em um período de um ano. Fora outros livros e quadrinhos que estão prometidos para o decorrer do ano, sejam de escritores brasileiros ou traduções de material estrangeiro. Esse interesse súbito de escritores, editoras e - esperamos - leitores do Brasil pelo gênero o surpreende? Qual podem ser as causas para esse boom literário? Será que ele tem fôlego para concorrer com o vampirismo como preferência nacional em termos de literatura fantástica?


GL-R A questão das duas antologias em menos de um ano se prende ao fato de que inicialmente as duas eram para ser uma. Em virtude da existência de filosofias divergentes quanto à maneira ideal de organizar uma antologia steampunk, resolvi trilhar meu caminho e o pessoal da Tarja seguiu o deles. Quanto à questão do steampunk ter entrado na moda aqui no Brasil, eu diria que não era sem tempo, pois o subgênero é instigante e tem um bocado de temas interessantes para oferecer aos leitores. Agora, quanto a competir com os subgêneros associados às temáticas dos vampiros, infelizmente, não creio que o steampunk, ou qualquer outro subgênero da ficção científica ou da história alternativa, tenha fôlego para tanto.


No seu ebook de Ensaios sobre História Alternativa há um capítulo dedicado ao subgênero steampunk. Nele, você comenta algumas obras como The Difference Engine, de Willian Gibson e Bruce Sterling, e Anti-Ice e The Time Ships, ambos de Stephen Baxter. O primeiro livro finalmente deve sair com uma edição nacional este ano, pela Aleph, dos demais, nem sinal. Que outras obras você poderia indicar a nossos conterrâneos e que fazem falta nas prateleiras das livrarias daqui?


GL-R Uma opção que talvez fosse interessante do ponto de vista editorial são as “continuações” de A Máquina do Tempo, do H.G. Wells, do qual The Time Ships é apenas um exemplo. Há também dois romances antiguinhos mas interessantes: Morlock Night, de K.W. Jeter, a narrativa da invasão de Londres pelos morlocks combatida pelo Rei Arthur(!); e The Man Who Loved Morlocks, de David E. Lake, que mostra a segunda jornada do Viajante Temporal, agora para o ano 1.000.000 A.D. Dentro do escopo do steampunk lato sensu que, aliás, faz parte da proposta da Vaporpunk, temos Pasquale’s Angel, de Paul J. McAuley, publicada em Portugal sob o título de A Invenção de Leonardo, onde o Grande Engenheiro Leonardo da Vinci dispara a revolução industrial com três séculos de antecedência, permitindo que a República de Florença unifique a Itália e descubra a América. Algo que não é bem steampunk, mas fantasia científica extremamente criativa com cheiro de steampunk é a trilogia MAINSPRING, de Jay Lake, em que a Terra e o Sistema Solar funcionam, literalmente, como se fossem peças de um relógio gigantesco. Há também a trilogia em andamento The CLOCKWORK CENTURY de Cherie Priest, iniciada com Boneshaker, em que a Guerra de Secessão se estende por mais de vinte anos e os dois lados empregam dirigíveis, num enredo decerto inspirado na noveleta clássica “Custer’s Last Jump”, de Steven Utley & Howard Waldrop. Enfim, narrativas steampunk de qualidade, tanto lato sensu quanto stricto sensu, existem a dar com o pau no mundo editorial anglo-saxão. Infelizmente, os editores brasileiros ignoram o fato. Com um pouco de sorte, descobrirão a pólvora daqui a quinze ou vinte anos, como fizeram afinal com The Difference Engine, romance comentado há mais de treze anos na coluna do saudoso Megalon.

E no post de amanhã, a tão aguardada capa da nova coletânea e uma conversa com o responsável por ela, Erick Santos, da Editora Draco.

6 comentários:

bibs disse...

OMG!
esperar até amanhã pra ver essa capa...faz isso comigo não ó_ò

Romeu Martins disse...

Faço, sim ;-)

bibs disse...

:OOOOOO
vc é malvado!

Romeu Martins disse...

Sou, sim ;-)

Gerson Lodi-Ribeiro disse...

Chegou o dia da capa!

Realmente, ela está bonitona!!!

Romeu Martins disse...

Muito ;-)