17.8.10

Superdotados e Eticamente Ilimitados

Transplantes interespécies, taxidermia em vivos, enxertos a vapor.  Disciplinas assim passariam longe do que poderia ser considerado o currículo de uma escola normal, principalmente uma que aceite a matrícula de uma menininha de nove anos e meio que chegue ao local sozinha, em uma noite chuvosa, carregando um singelo dinossauro de pelúcia. É o contraste entre o ambiente sinistro de uma academia especializada no ensino de aprendizes de supervilões - ou na versão politicamente correta do termo, que aparece no título desta resenha - e a inocência de uma criança deslocada por lá a grande atração do mangá Hollow Fields, lançamento da NewPOP Editora. Planejada como uma minissérie em três volumes, a obra é classificada e reconhecida como um mangá pelo próprio governo japonês, que a premiou por meio do Ministério do Exterior como exemplo do melhor que é feito no mundo no estilo, mesmo com sua autora, Madeleine Rosca, tendo nascido e sido criada na Austrália.

Já havia anunciado o lançamento aqui, assim que soube da novidade pelo blog do Alexandre Lancaster. Como ele mesmo afirmou, a HQ é fortemente inspirada na estética steampunk, mesmo não sendo ambientada no período vitoriano. As indicações geográficas e de tempo não são muito precisas: sabemos que a escola Hollow Fields fica em um lugarejo chamado Nullsville e, pela conversa entre a protagonista Lucy Snow com sua principal rival, que não estamos no século XIX. Porém, muito dos excelentes desenhos da artista, com suas engrenagens onipresentes e nuvenzinhas de vapor, e algo do texto, com referências aos jovens frankensteins que se formarão lá, remetem na forma e no conteúdo ao gênero, sem dúvida. Mesmo assim, nada é muito preciso, como bem cabe a histórias do tipo, uma fantasia com público-alvo claramente juvenil.

A indicação da própria editora é a de que o material seja consumido por crianças com mais de 12 anos, até porque a temática pode ser um tanto assustadora aos ainda mais jovens que isso. Mesmo não mostrando detalhes das tais taxidermias em vivos, por exemplo, a tensão permanente pelo tipo de cobrança exercido naquela escola, administrada não-metaforicamente com mão de ferro pela Senhora Weaver, pode mesmo não ser indicada a todos os públicos. Semanalmente, o aluno com a pior nota é obrigado a se retirar para a dtenção em um antigo moinho no terreno da escola, de onde ninguém jamais voltou para contar história - e para onde são arrastados, às vezes em uma crise de pânico e choro. Claro que para leitores mais maduros o clima é até bastante leve e ingênuo, pelo menos neste primeiro volume da série. Veremos como a trama se desenvolve futuramente.


O que dá para se dizer pela primeira amostragem é que a mangaka australiana cumpriu à risca o dever de casa, com um empenho ainda maior que o de sua personagem principal ameaçada pelos professores a vapor. Estou longe de ser um especialista em quadrinhos e animações feitos no Japão, mas caso não fosse informada a nacionalidade de sua criadora, jamais pensaria que este não é um autêntico produto nipônico. Ela mimetizou as qualidades e os defeitos que encontrei em todos os mangás que já li, desde a narrativa extremamente imagética e fluida até os diálogos que não passam do patamar meramente funcional. Neste último ponto, a única exceção que conheço a confirmar a regra vem de outro exemplar não-japonês, mas que há quem defenda ser, sim, um mangá - e o citado Lancaster está entre eles -, Scott Pilgrim, do canadense Brian Lee O'Malley, com falas absurdamente acima da média de seus pares. Contudo, o resultado do trabalho de Madeleine Rosca deve passar longe de desagradar aos verdadeiros fãs do estilo e, talvez, seja apreciado pelos interessados em steampunk. Bem editado, com um bem-vindo caderno de esboços e informações sobre as criaturas e a criadora, a editora fez um bom trabalho no geral, só pecando um pouco na revisão que deixou passar errinhos como "obeder" no lugar de "obedecer" na fala da diretora de Hollow Fields.



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