Quando foi lançado em 2005, o filme Constantine descontentou boa parte dos leitores de Hellblazer, a revista mais longeva do selo de quadrinhos adultos da DC Comics e que lhe serviu de inspiração. Ainda que não fosse exatamente um trabalho ruim, a obra tomou liberdades na recriação de seu protagonista com o objetivo de tentar torná-lo mais atrativo ao mercado dos EUA. Resumidamente, saiu de cena o loiro inglês com a cara do Sting das HQs para chegar às telas um americano moreno e com a cara inexpressiva de Keanu Reeves. O mais irônico é que havia à disposição dos produtores dos estúdios um personagem que corresponderia mais prontamente, sem a necessidade de descaracterizações, àquele modelo americanizado de mago investigador que foi levado aos cinemas. Estou falando de Harry Dresden, um bruxo morador de Chicago e que atende tanto clientes particulares quanto presta auxílio à polícia daquela cidade mediante a quantia de 50 dólares a hora. Criação do escritor Jim Butcher, um romance tendo ele como personagem principal foi lançado no Brasil pela Editora Underworld, a mesma que vai trazer a Steampunk Bible a nosso país em 2012.
Frente de tempestade é apenas o primeiro de uma longa lista de livros agrupados na série Dresden Files. Originalmente, foi lançado no ano 2000; no ano seguinte, o autor publicou dois outros títulos que já tinha prontos; desde então, anualmente um novo romance do bruxo de Chicago tem chegado ao mercado, sempre narrados por Harry Blackstone Copperfield Dresden. Filho de um mágico de circo (e de uma maga com poderes reais), o motivo de seu batismo na ficção teria sido homenagear Harry Houdini (1874-1926), David Copperfield e Harry Blackstone (1885-1867), três dos mais famosos mágicos de todos os tempos. Consta que Butcher descreve informalmente seu personagem e seu universo aludindo a outras duas inspirações que podem ser resumidas na expressão usada no título desta resenha. É uma excelente maneira de descrever o que o leitor pode esperar do livro: a união do ambiente policial dos filmes adultos protagonizados por Clint Eastwood com os ingredientes fantásticos da série literária infanto-juvenil criada por J. K. Rowling. Uma espécie de fantasia hardboiled.
O público alvo também corresponderia a tal colisão dos mundos de Dirty Harry com Harry Potter, pois toda a série dos Arquivos de Dresden é voltada para os chamados Young Adults, aquela nova faixa de consumidores que embarca lá desde a pré-adolescência até leitores por volta dos 30 anos - ou mais. Exatamente o grupo que a editora brasileira busca atingir por aqui e que resultou na aposta neste romance de estreia de Jim Butcher. Sendo assim, o livro pode não ter a profundidade psicológica que se esperaria de uma obra realmente adulta, mas em seu lugar reserva aos apreciadores de uma boa trama de investigação e também aos que cresceram apreciando aventuras com bruxos recitando encantamentos uma boa dose de ação e de diversão. O equilíbrio fica entre assassinatos brutais, com as vítimas tendo o coração arrancado por forças místicas, com cenas bem humoradas, descritas pela narrativa quase cínica e cheias de referências ao mundo real - com marcas bem conhecidas, por exemplo - do jovem adulto Harry Dresden.
O romance é uma boa e promissora estreia, com seus gangsteres humanos e cafetinas vampiras, que talvez agrade ainda mais os leitores de Hellblazer que aquele filme de seis anos atrás. Espero que o lançamento de Frente de tempestade seja seguido em nosso país por mais livros da longa série que nos EUA está programada para ter ao todo vinte livros (e que pode ainda não ter ido aos cinemas, mas já rendeu um seriado televisivo de curtíssima duração, com apenas 12 episódios exibidos na mesma época em que Constantine ia parar nas telas). A prosa e a imaginação de Jim Butcher mereceriam fazer sucesso no mercado nacional também. O mesmo vale para trabalho da editora Underworld, apesar do deslize desagradável ocorrido em algum lugar entre o trabalho de tradução de Johann Heyss e o de revisão de Marcelo Sampaio. Algumas expressões usadas por um foram apenas parcialmente substituídas pelo outro. O caso mais grave foi a sucessiva mudança de "que nem" para "como" que acabou por resultar em uma dezena de "comoque nem" espalhados ao longo das 340 páginas do livro. Fora esse contratempo, obviamente de caráter técnico, a revisão deixou ainda escapar vários "quês" e "porquês" sem o devido acento circunflexo e algumas palavras grafadas na velha ortografia, como "microondas" (agora, micro-ondas). São problemas que podem ser corrigidos em uma eventual segunda tiragem e que não devem se repetir em um possível novo livro da série.
2 comentários:
Eu li recentemente o livro e também gostei da história. Achei a personalidade do Harry muito interessante, e o humor peculiar dele realmente garante ótimas passagens. O legal foi ver que os personagens secundários também tem destaque e não são somente meras peças que empurram o enredo para frente.
Fiquei curioso para ver esse seriado baseado na obra, é algo interessante de ser visto como expansão do que já começamos a conhecer.E quanto a expansão, as vezes eu acho que séries como essa - estendendo-se a vinte possiveis volumes - acabam nos fazendo sofrer muito pela espera de traduções. Além do custo financeiro também, que acaba ficando bem alto. Mas no fim se nos próximos livros criarem um arco maior pode ser bem motivante continuar a leitura.
E torcer para que os próximos tenham menos errinhos de revisão. Parabéns pela resenha, Romeu. Ótimas palavras como sempre!
Opa, Guto! A série em questão teve 12 episódios, o equivalente a uma meia temporada, e infelizmente não seguiu em frente. Dresden Files também rendeu adaptações para os quadrinhos por duas editoras americanas diferentes. Abraço!
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