28.1.13

Primeira resenha de Solarpunk

Apesar de ainda não ter saído em formato impresso, a versão em ebook do livro Solarpunk já conta com sua primeira resenha, escrita por Antonio Luiz M. C. Costa, um dos contistas reunidos na coletãnea. Como são os costumes desta página, vou postar o início da crítica e o treco em que comenta meu conto:


Como sabe quem se interessa por literatura de especulação ou leu as resenhas anteriores sobre as coletâneas Vaporpunk e Dieselpunk, tanto o steampunk quanto o dieselpunk são subgêneros que exploram o retrofuturismo, ou seja, um futuro do pretérito, uma ficção científica que parte do passado. No primeiro caso, um imaginário baseado na linguagem ficcional, cultura e tecnologia da revolução industrial do século XIX e no segundo, o mesmo para o início do século XX, principalmente o período entre as guerras mundiais. Em linha semelhante, seria possível explorar o período da Guerra Fria com o atompunk e o final do século XX e início do XXI como… cyberpunk, pois esse subgênero, nascido no início dos anos 1980 como ficção científica futurista, já viu muitas de suas especulações serem realizadas ou ultrapassadas e outras serem desmentidas, a ponto de soar hoje como mais uma forma de retrofuturismo, quando não como paródia e até crônica do mundo moderno.
 Em vez disso, a Editora Draco optou por um salto à frente, Depois das duas antologias acima citadas, fecha uma trilogia com a coletânea Solarpunk, lançada como livro eletrônico (R$ 24,90) em algumas das livrarias virtuais mais conhecidas e que em breve estará disponível também como livro em papel (R$ 52,90, 272 páginas). Neste caso, não se trata em princípio de história alternativa, pois se refere a uma ficção ambientada em um mundo baseado em tecnologias sustentáveis como a energia solar. Como isso só poderá existir no futuro, o título pode sugerir um futurismo propriamente dito e do tipo otimista, se não utópico.
 Apesar disso, por diferentes razões, vários dos textos selecionados basearam a ambientação em uma história que tomou um curso diferente da realidade conhecida (às vezes em um passado alternativo) ou lhe deram conotações sombrias e pessimistas, como para resgatar o significado original, já meio esquecido, do “punk” de cyberpunk, o primeiro desses subgêneros. O resultado é um conjunto bem variado e em média, de boa qualidade. Seja qual for a expectativa do leitor, é provável que seja surpreendido. (...)
“E atenção: Notícia urgente!”, do jornalista catarinense Romeu Martins, caricatura um evento real, a invasão e destruição parcial de viveiros de eucaliptos transgênicos da antiga Aracruz (hoje incorporada pelo grupo Votorantim na Fibria) no Rio Grande do Sul por 1.800 mulheres da Via Campesina, em 8 de março de 2006, num protesto contra o monocultivo do eucalipto. Mas paródia dos movimentos de sem-terra é apenas o ponto de partida, pois a trama os faz marionetes e cobaias de um grupo multinacional que desenvolve projetos inconfessáveis. Falta compreensão e conhecimento dos movimentos de trabalhadores rurais, mas a especulação segue um caminho interessante.

Só acrescentando que além da destruição dos viveiros de eucalipto pelos membros da Via Campesina, outra inspiração para o conto foi a invasão do Congresso Nacional naquele mesmo ano de 2006 por militantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra, o MLST, cujo líder, Bruno Maranhão, era um milionário herdeiro de usineiros de Pernambuco. A resenha completa pode ser lida em um blog ligado ao periódico CartaCapital neste endereço.

Feliz aniversário atrasado

Costumo comemorar os aniversários de criação deste blog com algum trecho de um texto meu a ser publicado, mas este ano acabei me atrasando em relação à data, que passou em branco no dia 17 deste mês. Numa tentativa de me redimir, posto agora a capa do livro que vai encerrar a trilogia punk da editora Draco, iniciada com Vaporpunk e Dieselpunk, e que trará em suas páginas meu conto "E atenção: notícia urgente!". Aquele texto faz parte das histórias dos Terroristas da Conspiração e para esta versão impressa ele foi totalmente repensado, com mudanças bem significativas em relação ao que já havia saido em formato on line. Parabéns ao Cidade Phantástica, mesmo com este atraso não-programado na divulgação da notícia.



E atenção: notícia urgente!


[Âncora] Agora são oito horas e um minuto da noite. Com o fim da “Voz do Brasil”, sua rádio Tribuna Central, operando em Amplitude Modulada e nas ondas da Internet, volta ao plantão de notícias.

 [Jingle] Têêêêêêêêêê-Cê Ááááááááááá-Emê A rádio que escuta você.

[Âncora] E voltamos a informar diretamente do interior do Paraná, onde o laboratório de uma empresa do setor de pesquisa agrícola corre o risco de ser invadido a qualquer momento por uma multidão de trabalhadores rurais sem-terra. Vamos falar com a repórter Helena Garcia, que acompanha tudo no local desde o início da tarde. Helena, você nos ouve? O que pode informar a nossos ouvintes em todo o Brasil? Boa noite.

 [Repórter] Boa noite. Ouço bem, Herbert. Estou aqui no município de Telêmaco Borba, a aproximadamente 250 quilômetros da capital paranaense, Curitiba. Diante de mim está aquela que é considerada a maior e mais moderna estufa da América Latina, usada pela multinacional TransCiência como laboratório para o cultivo de produtos geneticamente modificados. É uma enorme redoma feita de um plástico especial, transparente. Neste momento, cerca de cem manifestantes do movimento Trabalhadores Campesinos gritam palavras de ordem e ameaçam invadir as instalações da empresa. São pessoas das mais diferentes origens, vejo descendentes de japoneses, de alemães, negros, gente de toda parte do estado. Também posso ver gente de todas as idades, desde senhores e senhoras com cabelos brancos até crianças, passando por uma maioria de jovens, que são a linha de frente na entrada da estufa. Somos a única equipe de imprensa aqui cobrindo a manifestação ao vivo. Não podemos nos aproximar muito porque este movimento é bastante hostil à presença de jornalistas, mas acho que vocês podem ouvir os gritos de ordem deles pelo meu celular. Um instante, vou ajustar o fone direcional do TalkCel para tentar captar o som... lá vai.

 [Multidão] ...com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Fora com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Um, dois, três, quatro-cinco-mil, queremos que os transgênicos vão pra puta que pariu! Um, dois, três...

 [Repórter] Como vocês podem perceber, o clima por aqui é de guerra desde o início do dia, quando os manifestantes armaram acampamento no terreno em volta da estufa. No meio da tarde, eles deixaram suas barracas improvisadas de lona azul e passaram a cercar o laboratório, impedindo o acesso de funcionários e de pesquisadores. Apesar de muitos dos recursos da empresa terem sido adquiridos através de convênios com a Universidade Federal do Paraná e com a Embrapa, o governador não autorizou o envio de tropas da Polícia Militar para conter a manifestação. No momento, apenas os seguranças da multinacional fazem um cordão de isolamento para tentar impedir a entrada de dezenas de pessoas, muitas delas armadas com enxadas, pás, foices e facões.

 [Âncora] Helena, você conseguiu falar com algum líder do movimento?

 [Repórter] Não, Herbert, como eu disse os Trabalhadores Campesinos são uma dissidência do MST muito radical. O principal líder deles é um catarinense que se apresenta como Medina mas se recusa a falar com a imprensa... Um momento... Atenção, estúdio, começou uma movimentação mais intensa aqui. Aparentemente, os manifestantes estão avançando contra o laboratório da empresa neste momento. Sim, eles romperam a barreira dos seguranças e passaram a arrombar as portas da estufa. Com golpes de enxadas e chutes, a multidão forçou a entrada... Conseguiram, os Trabalhadores Campesinos invadem, neste momento, a maior estufa experimental da América Latina. Entre gritos e muita correria, dezenas de homens, mulheres e até crianças pequenas estão destruindo com golpes de foice as plantas transgênicas do local. Quem não está portando alguma ferramenta se encarrega de arrancar com as mãos ou pisotear as plantações.

 [Âncora] Alô, Helena, havia algum funcionário no interior do laboratório?

 [Repórter] Não, Herbert, a estufa estava vazia e mesmo os seguranças da TransCiência, que tentavam proteger a estufa, permanecem do lado de fora. Enquanto isso, mais e mais manifestantes entram no local pelas portas arrombadas. É muito difícil chegar mais perto, mas o ambiente é bastante iluminado e podemos ver a movimentação das pessoas através das paredes transparentes. Elas estão destruindo não apenas as plantas, mas todos os equipamentos ali dentro. Computadores são jogados ao chão, mesas reviradas. Posso ver que até enormes galões, provavelmente de fertilizante ou de outras substâncias químicas, são arremessados contra as paredes. O caos é generalizado no interior daquele que é o maior laboratório de pesquisas transgênicas do Brasil.

 [Âncora] Helena, conseguimos estabelecer contato com um dos responsáveis pelas pesquisas feitas nesse laboratório. Orson Wellmann é o diretor-presidente da filial brasileira da TransCiência e cientista-chefe da unidade que está sendo invadida neste instante. Ele está no escritório da empresa, em Curitiba. Vamos passá-lo para sua linha, assim você pode entrevistá-lo e continuar a informar do local. Boa noite, senhor Wellmann.

[Cientista] Boa noite, jornalistas, boa noite, ouvintes e internautas no Brasil e no mundo.

9.1.13

Sobre a história lusitana

Recebi uma mensagem do escritor, professor e historiador português Joaquim Fernandes a respeito de seu novo livro, História prodigiosa de Portugal.  Como o tema pode interessar aos autores que pretendam trabalhar em textos que aumentem a sinergia entre a produção steamer de nossos dois países, reproduzo o material de divulgação.



Aqui se apresenta o retrato de um País digno de Alice, tão crédulo e piedoso na regência dos negócios públicos: crenças, mitos e maravilhas cozinhados a lume brando em pactos partilhados entre o céu e o inferno, em sobrenatural e fantástica existência nossa, abençoada a incenso ou a enxofre, com anjos e demónios, par a consolação e provimento da Grei. Nas páginas desta "História Prodigiosa de Portugal" o leitor irá conhecer personagens e eventos capitais que marcam este milenar consórcio de Portugal com os universos do sobrenatural e da magia.
 Pedimos de empréstimo Ulisses e outros deuses menores para reconstituir no solo pátrio o Éden bíblico; ousamos "nacionalizar" a submersa Atlântida e a plataforma continental há mais de século; requisitamos ajuda às tropas celestes e aos eclipses para levar de vencida o Mouro invasor; "senhoras luminosas" dispensaram-nos ajuda médica nas frentes de combate contra o infiel; os nossos soberanos acediam à pia batismal, ao altar e ao trono após consulta aos céus e ao astrólogo régio; comerciámos as nossas mulheres com o diabo e o seu séquito no silêncio dos conventos; as nossas batalhas e os nossos exércitos regulamentavam-se pela aparição dos cometas; traficámos falsas relíquias, aos milhares, em piedosa contrafação controlada pela Corte e apaniguados; salvámos os nossos prisioneiros dos cárceres da mourama em instantâneos teletransportes; multiplicámos falsos Sebastiões desejados em farsas e tragédias; enviámos homens santos aos mares do Oriente domesticar oceanos e pescarias; replicámos toda a sorte de amuletos e mezinhas para consumo de reis e aristocratas...
 Se fossemos coevos de Camilo Castelo Branco subscreveríamos a camiliana sentença: "Uma nação que assim está sob fiscalização divina não pode cair como Cartago ou Roma...

7.1.13

Descanse em paz, MHell

É com tristeza que escrevo o primeiro post do ano para dar a notícia que soube nesta segunda-feira pela manhã: faleceu no dia 6 de janeiro uma das pessoas mais queridas e positivas do mundo da ficção fantástica brasileira, Maria Helena Bandeira. Sobrinha-neta do grande Manuel Bandeira, MHell como era chamada pelos amigos foi a única mulher a fazer parte do seleto grupo de escritores nacionais a ter um texto publicado na saudosa Isaac Asimov Magazine. Em agosto de 2008, tive a honra de republicar este conto em meu antigo blog. Havia transcrito o texto de minha edição de número 19 daquela revista, pedi a autorização da autora. Maria Helena não apenas com gentileza e entusiasmo me deu o sinal verde, como ainda fez questão de me enviar uma pintura sua que serviu como ilustração para "Eu mesmo", um dos contos mais conhecidos da ficção científica brazuca. Foi um de nossos primeiros contatos, a que se seguiram diversos emails, novos contos e novas ilustrações publicados, algumas confidências trocadas... Fica a saudade, amenizada pela releitura de suas obras. Descanse em paz, MHell.