Costumo comemorar os aniversários de criação deste blog com algum trecho de um texto meu a ser publicado, mas este ano acabei me atrasando em relação à data, que passou em branco no dia 17 deste mês. Numa tentativa de me redimir, posto agora a capa do livro que vai encerrar a trilogia punk da editora Draco, iniciada com Vaporpunk e Dieselpunk, e que trará em suas páginas meu conto "E atenção: notícia urgente!". Aquele texto faz parte das histórias dos Terroristas da Conspiração e para esta versão impressa ele foi totalmente repensado, com mudanças bem significativas em relação ao que já havia saido em formato on line. Parabéns ao Cidade Phantástica, mesmo com este atraso não-programado na divulgação da notícia.
E atenção: notícia urgente!
[Âncora] Agora são oito horas e um minuto da noite. Com o fim da “Voz do Brasil”, sua rádio Tribuna Central, operando em Amplitude Modulada e nas ondas da Internet, volta ao plantão de notícias.
[Jingle] Têêêêêêêêêê-Cê Ááááááááááá-Emê A rádio que escuta você.
[Âncora] E voltamos a informar diretamente do interior do Paraná, onde o laboratório de uma empresa do setor de pesquisa agrícola corre o risco de ser invadido a qualquer momento por uma multidão de trabalhadores rurais sem-terra. Vamos falar com a repórter Helena Garcia, que acompanha tudo no local desde o início da tarde. Helena, você nos ouve? O que pode informar a nossos ouvintes em todo o Brasil? Boa noite.
[Repórter] Boa noite. Ouço bem, Herbert. Estou aqui no município de Telêmaco Borba, a aproximadamente 250 quilômetros da capital paranaense, Curitiba. Diante de mim está aquela que é considerada a maior e mais moderna estufa da América Latina, usada pela multinacional TransCiência como laboratório para o cultivo de produtos geneticamente modificados. É uma enorme redoma feita de um plástico especial, transparente. Neste momento, cerca de cem manifestantes do movimento Trabalhadores Campesinos gritam palavras de ordem e ameaçam invadir as instalações da empresa. São pessoas das mais diferentes origens, vejo descendentes de japoneses, de alemães, negros, gente de toda parte do estado. Também posso ver gente de todas as idades, desde senhores e senhoras com cabelos brancos até crianças, passando por uma maioria de jovens, que são a linha de frente na entrada da estufa. Somos a única equipe de imprensa aqui cobrindo a manifestação ao vivo. Não podemos nos aproximar muito porque este movimento é bastante hostil à presença de jornalistas, mas acho que vocês podem ouvir os gritos de ordem deles pelo meu celular. Um instante, vou ajustar o fone direcional do TalkCel para tentar captar o som... lá vai.
[Multidão] ...com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Fora com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Um, dois, três, quatro-cinco-mil, queremos que os transgênicos vão pra puta que pariu! Um, dois, três...
[Repórter] Como vocês podem perceber, o clima por aqui é de guerra desde o início do dia, quando os manifestantes armaram acampamento no terreno em volta da estufa. No meio da tarde, eles deixaram suas barracas improvisadas de lona azul e passaram a cercar o laboratório, impedindo o acesso de funcionários e de pesquisadores. Apesar de muitos dos recursos da empresa terem sido adquiridos através de convênios com a Universidade Federal do Paraná e com a Embrapa, o governador não autorizou o envio de tropas da Polícia Militar para conter a manifestação. No momento, apenas os seguranças da multinacional fazem um cordão de isolamento para tentar impedir a entrada de dezenas de pessoas, muitas delas armadas com enxadas, pás, foices e facões.
[Âncora] Helena, você conseguiu falar com algum líder do movimento?
[Repórter] Não, Herbert, como eu disse os Trabalhadores Campesinos são uma dissidência do MST muito radical. O principal líder deles é um catarinense que se apresenta como Medina mas se recusa a falar com a imprensa... Um momento... Atenção, estúdio, começou uma movimentação mais intensa aqui. Aparentemente, os manifestantes estão avançando contra o laboratório da empresa neste momento. Sim, eles romperam a barreira dos seguranças e passaram a arrombar as portas da estufa. Com golpes de enxadas e chutes, a multidão forçou a entrada... Conseguiram, os Trabalhadores Campesinos invadem, neste momento, a maior estufa experimental da América Latina. Entre gritos e muita correria, dezenas de homens, mulheres e até crianças pequenas estão destruindo com golpes de foice as plantas transgênicas do local. Quem não está portando alguma ferramenta se encarrega de arrancar com as mãos ou pisotear as plantações.
[Âncora] Alô, Helena, havia algum funcionário no interior do laboratório?
[Repórter] Não, Herbert, a estufa estava vazia e mesmo os seguranças da TransCiência, que tentavam proteger a estufa, permanecem do lado de fora. Enquanto isso, mais e mais manifestantes entram no local pelas portas arrombadas. É muito difícil chegar mais perto, mas o ambiente é bastante iluminado e podemos ver a movimentação das pessoas através das paredes transparentes. Elas estão destruindo não apenas as plantas, mas todos os equipamentos ali dentro. Computadores são jogados ao chão, mesas reviradas. Posso ver que até enormes galões, provavelmente de fertilizante ou de outras substâncias químicas, são arremessados contra as paredes. O caos é generalizado no interior daquele que é o maior laboratório de pesquisas transgênicas do Brasil.
[Âncora] Helena, conseguimos estabelecer contato com um dos responsáveis pelas pesquisas feitas nesse laboratório. Orson Wellmann é o diretor-presidente da filial brasileira da TransCiência e cientista-chefe da unidade que está sendo invadida neste instante. Ele está no escritório da empresa, em Curitiba. Vamos passá-lo para sua linha, assim você pode entrevistá-lo e continuar a informar do local. Boa noite, senhor Wellmann.
[Cientista] Boa noite, jornalistas, boa noite, ouvintes e internautas no Brasil e no mundo.