O Robocop original, feito na ressaca do governo ultraliberal de Ronald Reagan, é considerado um clássico do cyberpunk, gênero criado na literatura poucos anos antes de sua estreia nos cinemas. O Robocop atualizado pelo diretor brasileiro José Padilha, feito agora na ressaca dos governos Bush e de seu sucessor democrata Obama, dispensou as críticas pertinentes aos anos 80, tentando substituí-las por outras da nova agenda americana de guerra ao terror e da eterna vigilância, aos inimigos, aos aliados e aos próprios cidadãos do país. Se antes a OCP privatizava a polícia de Detroit, agora a OminiCorp fatura bilhões projetando drones em fábricas chinesas para patrulhar democracias recém implantadas no Oriente Médio e em outras regiões quentes do mundo. Menos na América, onde, segundo um telejornalista vivido por Samuel Jackson como uma caricatura dos apresentadores da Fox ou dos telejornais expreme-sai-sangue do Brasil, existe uma forte "robofobia". A criação de um robô metade humano para dar, literalmente, um rosto confiável à máquina não passa de uma jogada de marketing para que a empresa possa convencer o Congresso a liberar o uso de drones aéreos e de solo no território cobiçado dos Estados Unidos.
É assim que o detetive Alex Murphy, agora interpretado por Joel Kinnaman, se torna o homem de 2,6 bilhões de dólares, após sofrer um atentado à moda mafiosa, no lugar do brutal tiroteio do filme original. Mudou a realidade sócio-político-econômica, mudou o cinema. A própria existência do remake é um sinal disso, pois Hollywood se arrisca cada vez menos a lançar novidades, preferindo apostar em produções que já tragam consigo algum recall entre possíveis espectadores. Não se faz mais blockbusters milionários com a carga de violência da obra dos anos 80, ela deve ser amenizada para que o filme alcance fatias maiores do público que ainda vai aos cinemas, os mais jovens, o que gerou a maior parte das críticas iniciais a este novo projeto (curiosamente, pelo menos no Brasil, a crítica é feita por saudosistas da ultraviolência do filme de Paul Verhoven, mesmo que boa parte deles só tenha visto a edição editada para a TV nas edições vespertinas da Globo). As cenas de ação também não são mais vividas in loco por atores e, no máximo, por miniaturas, agora tudo é em CGI, que acelera o ritmo ao mesmo tempo em que empresta um ar de video game a tudo.
Mesmo sem poder mostrar o sangue, as amputações e os vilões derretidos em ácido que regozijaram plateias mais de vinte anos atrás, o filme de Padilha e de seus três roteiristas creditados tenta ser mais adulto do outro lado do espectro. O remake se pretende ser mais filosófico que a obra original, com uma discussão sobre a ilusão do livre arbítrio, mais sério e mais intimista, dentro do que permite uma superprodução do tipo. Acaba que a discussão filosófica é rasa, o filme é sisudo e muito rombudo em seu segundo ato. O filme original soube dosar sua crítica ácida com momentos do mais puro pop bem humorado, como aquelas inusitadas publicidades que surgiam a todo momento, tão decalcadas da graphic novel O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller (tanto que o quadrinista se envolveu nas horrorosas sequências que foram feitas nos anos 90). A grande parceria do Alex Murphy original estava em sua colega de armas, o que privilegiava os diálogos ágeis em meio às cenas de ação. Agora o foco está na família do detetive ressuscitado, em sua mulher e filho, e no médico-cientista que o recriou, vivido por um Gary Oldman com uma nota baseada em Edward Snowden (basta notar como o citado jornalista o chama ao final do filme).
Dessa forma, com uma mão pesada e uma história mais rabugenta e menos ágil - não apenas se comparada com o original, mas também se a régua usada for os filmes mais famosos do diretor, os dois Tropa de Elite que o credenciaram para o projeto - o que podia ter dado errado no novo Robocop infelizmente acabou se cumprindo. Sobram momentos de qualidade, como quando o personagem se vê pela primeira vez diante do que sobrou de sua humanidade, que já credenciam o longa como sendo a melhor derivação do original, bem mais satisfatório que as citadas sequências feitas nos anos 90, o seriado de TV ou as animações. Mas não é muito mais que isso.
23.2.14
13.12.13
O retorno do Hobbit
Comparar a chegada da segunda parte da trilogia cinematográfica que Peter Jackson novamente adapta dos escritos de R.R. Tolkien com o seriado Game of Thrones exibido na HBO como versão dos livros de outro R. R., o Martin, serve como exemplo perfeito dos contrastes entre as produções que chegam aos cinemas e às que são feitas para a televisão nos EUA de hoje. As estratégias para a exibição nas salas de cinema privilegiam a grandiosidade da tela, a perfeição do sistema de som, apostam em cenários e no visual de personagens com um esmero nanometricamente calculado para causar todo o impacto que faça alguém sair de casa, pagar ingresso, estacionamento e o preço da pipoca. Já entregando seu produto diretamente no conforto da casa de seu público, os seriados, principalmente os produzidos pelos canais a cabo, investem em tramas elaboradas, na construção não menos pormenorizadas de personalidades e seus perfis psicológicos, gerando interesse por histórias que se estendem por semanas a fio e se somam a temporadas anuais. São duas estratégias distintas que podem agradar bastante os interessados em aproveitar o que cada uma tem a oferecer.
Em A desolação de Smaug, esta receita que aposta na grandiloquência do espetáculo retirando ao máximo da competência técnica do cinema chega a seu auge no que pode haver de melhor, mas não sem trazer algum prejuízo no que se refere a contar uma história. Peter Jackson tomou a decisão de dividir essa sua segunda empreitada na obra tolkieniana em uma nova série de três filmes, algo que foi defendido, no mais das vezes, apenas pelos mais fanáticos pelos criadores das versões escrita e filmada de O Senhor dos Anéis. Na prática, nada além do grande retorno de bilheteria justifica a decisão: mesmo com todos os adendos à obra original, não há na verdade história suficiente para render três longos filmes nesta jornada que ocorre cronologicamente antes da primeira trilogia. E isso gera consequências no ritmo do que se vê na tela.
Como uma história de transição, que já havia se iniciado no ano anterior e que só vai terminar mesmo no próximo ano, o filme em si é um desafio e tanto para diretor e roteiristas, no caso, uma dupla de escritoras, Philippa Boyens e Fran Walsh, além da participação de Guillermo Del Toro, que acabou preterido da direção do projeto. Com quase três horas de projeção, o filme poderia ter sido uma simples sequência de 10 ou 15 minutos caso a opção tivesse sido em transformar o Hobbit em apenas um único longa. Para preencher tamanha demanda extra, a narrativa tem o ritmo prejudicado. O primeiro terço do novo filme é um primor de ação, com os pequenos aventureiros sendo capturados por elfos e atacados por orcs. A longa sequência de ação com o combate multirracial é um feito para entrar para a história do gênero. Isso torna ainda pior o terço intermediário, uma aborrecida aparição de humanos que vivem à beira de um lago, próximo à montanha alvo da aventura. Felizmente, o terço final reserva novo interesse, com o enfrentamento do dragão do título, abruptamente interrompida para só ser retomada no próximo ano, no próximo filme.
É um espetáculo, sem dúvida, que deve ser devidamente apreciado com o que houver de melhor na tecnologia de exibição disponível para cada espectador: não faz sentido sair de casa para ver A desolação de Smaug se não for para conferir em uma sala equipada com 3d, tela enorme e aparelhagem de som de primeira. Ainda melhor seria se esses dois mundos do entretenimento não estivessem tão apartados ultimamente, se a capacidade técnica magistral na criação de cenários e na confecção de personagens do cinema estivesse mais aliada ao rigor fenomenal na confecção de tramas e de perfis vista hoje nas séries de TV. Que o diga Benedict Cumberbatch, ator inglês que vive um inalcançável Sherlock Holmes em um seriado da BBC e que no filme faz jornada dupla emprestando a voz a dois personagens vilanescos. Se em algum momento próximo estes dois mundo conseguirem se harmonizar melhor, nós, o público, só teremos a ganhar.
25.11.13
Primeira matéria sobre o lançamento
Victor Vic e eu saímos no jornal Notícias do Dia, divulgando o lançamento de nossa graphic novel no próximo dia 30. Matéria de Juliete Lunkes, foto de Daniel Queiroz. Para ler na íntegra é só clicar aqui.
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21.11.13
Pelada em campo oficial
Não sei se você chama aquele jogo de futebol de mesa de pebolim, totó ou alguma outra expressão, mas aquela brincadeira que fez parte da infância de muita gente virou um filme de animação, a estreia no gênero do premiado diretor argentino Juan José Campanella (mais conhecido por O segredo de seus olhos), em uma produção em parceria com a Espanha. Tema inusitado, tanto quanto é inusitado ver nos cinemas brasileiros uma animação que não venha do mercado americano mas que esteja em pé de igualdade com as melhores obras de estúdios como Pixar e DreamWorks em vários quesitos: CGI, direção, conceito de personagens, cenário, iluminação, efeitos sonoros. Ficaria mesmo muito difícil acreditar que a produção não fosse um feito de mercados com décadas de tradição não fosse um detalhe: o roteiro.
Adaptação de um conto argentino, a história de Um time show de bola começa em uma pequena e anônima cidade, que pode ser de qualquer país de língua espanhola, onde vive Amadeo, o rapaz que passa os dias ajudando em um bar e brincando com a mesa de totó/pebolim local. Certo dia, aparece no pé-sujo outro garoto, acostumado a sempre vencer, que desafia o protagonista a uma partida nada amistosa naquela mesa. Aquela vai ser a primeira e única derrota do rapaz, que cresce com aquilo entalado mas vira um multimilionário jogador de futebol, com clara inspiração em Cristiano Ronaldo e voz, no original, do próprio diretor do filme.
Quando o vingativo antagonista ressurge na cidade, com objetivo de transformá-la no maior estádio do mundo, encontra a oposição nada firme do já adulto Amadeo, que mais de 30 mil partidas de futebol de mesa depois, já é um adulto, mas sem grandes planos de carreira. O toque mágico da produção surge quando aqueles jogadores em miniatura ganham vida, todos visualmente personalizados e com personaldiades próprias, em um ato devidamente inspirado em Toy Story. Alguns dos melhores momentos do longa surgem na interação desses personagens, que no meio do filme deixam o protagonista no banco de reservas e assumem o estrelado na tela.
O problema é que no terço final, depois de trabalhar tanto na construção desses personagens, surge o que deveria ser o verdadeiro time show de bola do título. Apressadamente, Amadeo deve montar uma seleção, com habitantes de sua cidadezinha que mal haviam sido mostrados antes ao longo da animação, para enfrentar o consagrado adversário, baseado na potência real que é o Barcelona. Não sobra muito tempo para trabalhar com tantos novos personagens no pouco tempo restante, o que gera a impressão que foram agrupados dois filmes em um: o primeiro, e melhor, a história do time de miniaturas de jogadores que ganha vida própria, o segundo, e menos feliz, a partida épica entre um time amador e um profissional para definir o destino de uma cidade.
Caso haja uma continuação do filme, e espero que exista essa possibilidade, e os responsáveis consigam trabalhar com mais qualidade a questão do roteiro, ai teremos de verdade uma produção que poderá enfrentar os Barcelonas do mercado de animação mundial. Essa estreia, apesar de ter sido em um estádio de futebol de primeira grandeza, ainda deixou a impressão de ser só um aquecimento ou jogo treino.
Adaptação de um conto argentino, a história de Um time show de bola começa em uma pequena e anônima cidade, que pode ser de qualquer país de língua espanhola, onde vive Amadeo, o rapaz que passa os dias ajudando em um bar e brincando com a mesa de totó/pebolim local. Certo dia, aparece no pé-sujo outro garoto, acostumado a sempre vencer, que desafia o protagonista a uma partida nada amistosa naquela mesa. Aquela vai ser a primeira e única derrota do rapaz, que cresce com aquilo entalado mas vira um multimilionário jogador de futebol, com clara inspiração em Cristiano Ronaldo e voz, no original, do próprio diretor do filme.
Quando o vingativo antagonista ressurge na cidade, com objetivo de transformá-la no maior estádio do mundo, encontra a oposição nada firme do já adulto Amadeo, que mais de 30 mil partidas de futebol de mesa depois, já é um adulto, mas sem grandes planos de carreira. O toque mágico da produção surge quando aqueles jogadores em miniatura ganham vida, todos visualmente personalizados e com personaldiades próprias, em um ato devidamente inspirado em Toy Story. Alguns dos melhores momentos do longa surgem na interação desses personagens, que no meio do filme deixam o protagonista no banco de reservas e assumem o estrelado na tela.
O problema é que no terço final, depois de trabalhar tanto na construção desses personagens, surge o que deveria ser o verdadeiro time show de bola do título. Apressadamente, Amadeo deve montar uma seleção, com habitantes de sua cidadezinha que mal haviam sido mostrados antes ao longo da animação, para enfrentar o consagrado adversário, baseado na potência real que é o Barcelona. Não sobra muito tempo para trabalhar com tantos novos personagens no pouco tempo restante, o que gera a impressão que foram agrupados dois filmes em um: o primeiro, e melhor, a história do time de miniaturas de jogadores que ganha vida própria, o segundo, e menos feliz, a partida épica entre um time amador e um profissional para definir o destino de uma cidade.
Caso haja uma continuação do filme, e espero que exista essa possibilidade, e os responsáveis consigam trabalhar com mais qualidade a questão do roteiro, ai teremos de verdade uma produção que poderá enfrentar os Barcelonas do mercado de animação mundial. Essa estreia, apesar de ter sido em um estádio de futebol de primeira grandeza, ainda deixou a impressão de ser só um aquecimento ou jogo treino.
19.11.13
Lançamento, sangrento lançamento
Está tudo pronto para o lançamento de meu primeiro álbum de quadrinhos, feito em parceria com Victor Conceição (ou Victor Vic, como ele prefere assinar com seu nome artístico). A graphic novel Domingo, Sangrento Domingo, que adapta o conto que publiquei também pela editora Estronho na coletânea Cursed City, vai ser lançada em São Paulo no dia 23 de novembro e aqui em Floripa uma semana depois, no sábado dia 30, na Livraria Catarinense da rua Felipe Schmidt.
Volto a postar por aqui, depois de um tempão parado, para convidar a todos os amigos a participarem do evento, onde vamos autografar revistas e papear com o público. Para animar o pessoal, seguem algumas amostras da revista, que chegou à editora, no Paraná, nesta segunda-feira. Fotos de Marcelo Amado e Celly Borges.
Volto a postar por aqui, depois de um tempão parado, para convidar a todos os amigos a participarem do evento, onde vamos autografar revistas e papear com o público. Para animar o pessoal, seguem algumas amostras da revista, que chegou à editora, no Paraná, nesta segunda-feira. Fotos de Marcelo Amado e Celly Borges.
15.2.13
Vaporpunk em promoção
E os livros digitais são mesmo um futuro cada vez mais presente em nossa realidade editorial. Outro ótimo exemplo ligado à literatura steampunk está em promoção na Amazon: Vaporpunk, o livro binacional da editora Draco, reunindo autores brasileiros e portugueses do primeiro time, está com 60% de desconto lá no site. Se alguém quiser relembrar minha resenha da obra, ela está disponível aqui.
14.2.13
Deus ex machina, o ebook
Comentei sobre a presença de meus primeiros contos dos Terroristas da Conspiração e também sobre o lançamento de Solarpunk em ebook. Faltou dizer que outro livro com conto meu a estar disponível para kindles e tablets é Deus Ex Machina - Anjos e Demônios na Era do Vapor, que conta com minha história steampunk "A conquista dos mares". Mais do que isso, ele aparece entre os dez mais vendidos na categoria ficção científica enquanto escrevo este post (e o ebook dos Terroristas está entre os vinte, confira no link).
8.2.13
Os Terroristas por R$ 1,99!
Os Terroristas da Conspiração foram os personagens de meus primeiros contos, escritos em 2008, logo depois que comecei a conhecer os escritores nacionais de ficção científica. Agora, três dessas minhas primeiras aventuras - "A teoria na prática", "Apagão no tempo" e "Vingança" - estarão reunidas em um ebook editado pela coleção de e-contos da Estronho. Em breve o produto estará disponível para compra por apenas R$ 1,99 na Amazon. Seguem abaixo a capa, de autoria de M.D. Amado e a sinopse desta minha estreia no mundo dos livros eletrônicos:
"Chega de teoria, eles partem para a ação: uma organização empenhada em tornar o mundo um lugar menos banal e muito mais perigoso em três dos seus primeiros contos, agora reunidos pela primeira vez em um ebook".
28.1.13
Primeira resenha de Solarpunk
Apesar de ainda não ter saído em formato impresso, a versão em ebook do livro Solarpunk já conta com sua primeira resenha, escrita por Antonio Luiz M. C. Costa, um dos contistas reunidos na coletãnea. Como são os costumes desta página, vou postar o início da crítica e o treco em que comenta meu conto:
Só acrescentando que além da destruição dos viveiros de eucalipto pelos membros da Via Campesina, outra inspiração para o conto foi a invasão do Congresso Nacional naquele mesmo ano de 2006 por militantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra, o MLST, cujo líder, Bruno Maranhão, era um milionário herdeiro de usineiros de Pernambuco. A resenha completa pode ser lida em um blog ligado ao periódico CartaCapital neste endereço.
Como sabe quem se interessa por literatura de especulação ou leu as resenhas anteriores sobre as coletâneas Vaporpunk e Dieselpunk, tanto o steampunk quanto o dieselpunk são subgêneros que exploram o retrofuturismo, ou seja, um futuro do pretérito, uma ficção científica que parte do passado. No primeiro caso, um imaginário baseado na linguagem ficcional, cultura e tecnologia da revolução industrial do século XIX e no segundo, o mesmo para o início do século XX, principalmente o período entre as guerras mundiais. Em linha semelhante, seria possível explorar o período da Guerra Fria com o atompunk e o final do século XX e início do XXI como… cyberpunk, pois esse subgênero, nascido no início dos anos 1980 como ficção científica futurista, já viu muitas de suas especulações serem realizadas ou ultrapassadas e outras serem desmentidas, a ponto de soar hoje como mais uma forma de retrofuturismo, quando não como paródia e até crônica do mundo moderno.
Em vez disso, a Editora Draco optou por um salto à frente, Depois das duas antologias acima citadas, fecha uma trilogia com a coletânea Solarpunk, lançada como livro eletrônico (R$ 24,90) em algumas das livrarias virtuais mais conhecidas e que em breve estará disponível também como livro em papel (R$ 52,90, 272 páginas). Neste caso, não se trata em princípio de história alternativa, pois se refere a uma ficção ambientada em um mundo baseado em tecnologias sustentáveis como a energia solar. Como isso só poderá existir no futuro, o título pode sugerir um futurismo propriamente dito e do tipo otimista, se não utópico.
Apesar disso, por diferentes razões, vários dos textos selecionados basearam a ambientação em uma história que tomou um curso diferente da realidade conhecida (às vezes em um passado alternativo) ou lhe deram conotações sombrias e pessimistas, como para resgatar o significado original, já meio esquecido, do “punk” de cyberpunk, o primeiro desses subgêneros. O resultado é um conjunto bem variado e em média, de boa qualidade. Seja qual for a expectativa do leitor, é provável que seja surpreendido. (...)
“E atenção: Notícia urgente!”, do jornalista catarinense Romeu Martins, caricatura um evento real, a invasão e destruição parcial de viveiros de eucaliptos transgênicos da antiga Aracruz (hoje incorporada pelo grupo Votorantim na Fibria) no Rio Grande do Sul por 1.800 mulheres da Via Campesina, em 8 de março de 2006, num protesto contra o monocultivo do eucalipto. Mas paródia dos movimentos de sem-terra é apenas o ponto de partida, pois a trama os faz marionetes e cobaias de um grupo multinacional que desenvolve projetos inconfessáveis. Falta compreensão e conhecimento dos movimentos de trabalhadores rurais, mas a especulação segue um caminho interessante.
Só acrescentando que além da destruição dos viveiros de eucalipto pelos membros da Via Campesina, outra inspiração para o conto foi a invasão do Congresso Nacional naquele mesmo ano de 2006 por militantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra, o MLST, cujo líder, Bruno Maranhão, era um milionário herdeiro de usineiros de Pernambuco. A resenha completa pode ser lida em um blog ligado ao periódico CartaCapital neste endereço.
Feliz aniversário atrasado
Costumo comemorar os aniversários de criação deste blog com algum trecho de um texto meu a ser publicado, mas este ano acabei me atrasando em relação à data, que passou em branco no dia 17 deste mês. Numa tentativa de me redimir, posto agora a capa do livro que vai encerrar a trilogia punk da editora Draco, iniciada com Vaporpunk e Dieselpunk, e que trará em suas páginas meu conto "E atenção: notícia urgente!". Aquele texto faz parte das histórias dos Terroristas da Conspiração e para esta versão impressa ele foi totalmente repensado, com mudanças bem significativas em relação ao que já havia saido em formato on line. Parabéns ao Cidade Phantástica, mesmo com este atraso não-programado na divulgação da notícia.
[Âncora] Agora são oito horas e um minuto da noite. Com o fim da “Voz do Brasil”, sua rádio Tribuna Central, operando em Amplitude Modulada e nas ondas da Internet, volta ao plantão de notícias.
[Jingle] Têêêêêêêêêê-Cê Ááááááááááá-Emê A rádio que escuta você.
[Âncora] E voltamos a informar diretamente do interior do Paraná, onde o laboratório de uma empresa do setor de pesquisa agrícola corre o risco de ser invadido a qualquer momento por uma multidão de trabalhadores rurais sem-terra. Vamos falar com a repórter Helena Garcia, que acompanha tudo no local desde o início da tarde. Helena, você nos ouve? O que pode informar a nossos ouvintes em todo o Brasil? Boa noite.
[Repórter] Boa noite. Ouço bem, Herbert. Estou aqui no município de Telêmaco Borba, a aproximadamente 250 quilômetros da capital paranaense, Curitiba. Diante de mim está aquela que é considerada a maior e mais moderna estufa da América Latina, usada pela multinacional TransCiência como laboratório para o cultivo de produtos geneticamente modificados. É uma enorme redoma feita de um plástico especial, transparente. Neste momento, cerca de cem manifestantes do movimento Trabalhadores Campesinos gritam palavras de ordem e ameaçam invadir as instalações da empresa. São pessoas das mais diferentes origens, vejo descendentes de japoneses, de alemães, negros, gente de toda parte do estado. Também posso ver gente de todas as idades, desde senhores e senhoras com cabelos brancos até crianças, passando por uma maioria de jovens, que são a linha de frente na entrada da estufa. Somos a única equipe de imprensa aqui cobrindo a manifestação ao vivo. Não podemos nos aproximar muito porque este movimento é bastante hostil à presença de jornalistas, mas acho que vocês podem ouvir os gritos de ordem deles pelo meu celular. Um instante, vou ajustar o fone direcional do TalkCel para tentar captar o som... lá vai.
[Multidão] ...com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Fora com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Um, dois, três, quatro-cinco-mil, queremos que os transgênicos vão pra puta que pariu! Um, dois, três...
[Repórter] Como vocês podem perceber, o clima por aqui é de guerra desde o início do dia, quando os manifestantes armaram acampamento no terreno em volta da estufa. No meio da tarde, eles deixaram suas barracas improvisadas de lona azul e passaram a cercar o laboratório, impedindo o acesso de funcionários e de pesquisadores. Apesar de muitos dos recursos da empresa terem sido adquiridos através de convênios com a Universidade Federal do Paraná e com a Embrapa, o governador não autorizou o envio de tropas da Polícia Militar para conter a manifestação. No momento, apenas os seguranças da multinacional fazem um cordão de isolamento para tentar impedir a entrada de dezenas de pessoas, muitas delas armadas com enxadas, pás, foices e facões.
[Âncora] Helena, você conseguiu falar com algum líder do movimento?
[Repórter] Não, Herbert, como eu disse os Trabalhadores Campesinos são uma dissidência do MST muito radical. O principal líder deles é um catarinense que se apresenta como Medina mas se recusa a falar com a imprensa... Um momento... Atenção, estúdio, começou uma movimentação mais intensa aqui. Aparentemente, os manifestantes estão avançando contra o laboratório da empresa neste momento. Sim, eles romperam a barreira dos seguranças e passaram a arrombar as portas da estufa. Com golpes de enxadas e chutes, a multidão forçou a entrada... Conseguiram, os Trabalhadores Campesinos invadem, neste momento, a maior estufa experimental da América Latina. Entre gritos e muita correria, dezenas de homens, mulheres e até crianças pequenas estão destruindo com golpes de foice as plantas transgênicas do local. Quem não está portando alguma ferramenta se encarrega de arrancar com as mãos ou pisotear as plantações.
[Âncora] Alô, Helena, havia algum funcionário no interior do laboratório?
[Repórter] Não, Herbert, a estufa estava vazia e mesmo os seguranças da TransCiência, que tentavam proteger a estufa, permanecem do lado de fora. Enquanto isso, mais e mais manifestantes entram no local pelas portas arrombadas. É muito difícil chegar mais perto, mas o ambiente é bastante iluminado e podemos ver a movimentação das pessoas através das paredes transparentes. Elas estão destruindo não apenas as plantas, mas todos os equipamentos ali dentro. Computadores são jogados ao chão, mesas reviradas. Posso ver que até enormes galões, provavelmente de fertilizante ou de outras substâncias químicas, são arremessados contra as paredes. O caos é generalizado no interior daquele que é o maior laboratório de pesquisas transgênicas do Brasil.
[Âncora] Helena, conseguimos estabelecer contato com um dos responsáveis pelas pesquisas feitas nesse laboratório. Orson Wellmann é o diretor-presidente da filial brasileira da TransCiência e cientista-chefe da unidade que está sendo invadida neste instante. Ele está no escritório da empresa, em Curitiba. Vamos passá-lo para sua linha, assim você pode entrevistá-lo e continuar a informar do local. Boa noite, senhor Wellmann.
[Cientista] Boa noite, jornalistas, boa noite, ouvintes e internautas no Brasil e no mundo.
E atenção: notícia urgente!
[Jingle] Têêêêêêêêêê-Cê Ááááááááááá-Emê A rádio que escuta você.
[Âncora] E voltamos a informar diretamente do interior do Paraná, onde o laboratório de uma empresa do setor de pesquisa agrícola corre o risco de ser invadido a qualquer momento por uma multidão de trabalhadores rurais sem-terra. Vamos falar com a repórter Helena Garcia, que acompanha tudo no local desde o início da tarde. Helena, você nos ouve? O que pode informar a nossos ouvintes em todo o Brasil? Boa noite.
[Repórter] Boa noite. Ouço bem, Herbert. Estou aqui no município de Telêmaco Borba, a aproximadamente 250 quilômetros da capital paranaense, Curitiba. Diante de mim está aquela que é considerada a maior e mais moderna estufa da América Latina, usada pela multinacional TransCiência como laboratório para o cultivo de produtos geneticamente modificados. É uma enorme redoma feita de um plástico especial, transparente. Neste momento, cerca de cem manifestantes do movimento Trabalhadores Campesinos gritam palavras de ordem e ameaçam invadir as instalações da empresa. São pessoas das mais diferentes origens, vejo descendentes de japoneses, de alemães, negros, gente de toda parte do estado. Também posso ver gente de todas as idades, desde senhores e senhoras com cabelos brancos até crianças, passando por uma maioria de jovens, que são a linha de frente na entrada da estufa. Somos a única equipe de imprensa aqui cobrindo a manifestação ao vivo. Não podemos nos aproximar muito porque este movimento é bastante hostil à presença de jornalistas, mas acho que vocês podem ouvir os gritos de ordem deles pelo meu celular. Um instante, vou ajustar o fone direcional do TalkCel para tentar captar o som... lá vai.
[Multidão] ...com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Fora com a comida de laboratório! Não somos cobaias das multinacionais! Um, dois, três, quatro-cinco-mil, queremos que os transgênicos vão pra puta que pariu! Um, dois, três...
[Repórter] Como vocês podem perceber, o clima por aqui é de guerra desde o início do dia, quando os manifestantes armaram acampamento no terreno em volta da estufa. No meio da tarde, eles deixaram suas barracas improvisadas de lona azul e passaram a cercar o laboratório, impedindo o acesso de funcionários e de pesquisadores. Apesar de muitos dos recursos da empresa terem sido adquiridos através de convênios com a Universidade Federal do Paraná e com a Embrapa, o governador não autorizou o envio de tropas da Polícia Militar para conter a manifestação. No momento, apenas os seguranças da multinacional fazem um cordão de isolamento para tentar impedir a entrada de dezenas de pessoas, muitas delas armadas com enxadas, pás, foices e facões.
[Âncora] Helena, você conseguiu falar com algum líder do movimento?
[Repórter] Não, Herbert, como eu disse os Trabalhadores Campesinos são uma dissidência do MST muito radical. O principal líder deles é um catarinense que se apresenta como Medina mas se recusa a falar com a imprensa... Um momento... Atenção, estúdio, começou uma movimentação mais intensa aqui. Aparentemente, os manifestantes estão avançando contra o laboratório da empresa neste momento. Sim, eles romperam a barreira dos seguranças e passaram a arrombar as portas da estufa. Com golpes de enxadas e chutes, a multidão forçou a entrada... Conseguiram, os Trabalhadores Campesinos invadem, neste momento, a maior estufa experimental da América Latina. Entre gritos e muita correria, dezenas de homens, mulheres e até crianças pequenas estão destruindo com golpes de foice as plantas transgênicas do local. Quem não está portando alguma ferramenta se encarrega de arrancar com as mãos ou pisotear as plantações.
[Âncora] Alô, Helena, havia algum funcionário no interior do laboratório?
[Repórter] Não, Herbert, a estufa estava vazia e mesmo os seguranças da TransCiência, que tentavam proteger a estufa, permanecem do lado de fora. Enquanto isso, mais e mais manifestantes entram no local pelas portas arrombadas. É muito difícil chegar mais perto, mas o ambiente é bastante iluminado e podemos ver a movimentação das pessoas através das paredes transparentes. Elas estão destruindo não apenas as plantas, mas todos os equipamentos ali dentro. Computadores são jogados ao chão, mesas reviradas. Posso ver que até enormes galões, provavelmente de fertilizante ou de outras substâncias químicas, são arremessados contra as paredes. O caos é generalizado no interior daquele que é o maior laboratório de pesquisas transgênicas do Brasil.
[Âncora] Helena, conseguimos estabelecer contato com um dos responsáveis pelas pesquisas feitas nesse laboratório. Orson Wellmann é o diretor-presidente da filial brasileira da TransCiência e cientista-chefe da unidade que está sendo invadida neste instante. Ele está no escritório da empresa, em Curitiba. Vamos passá-lo para sua linha, assim você pode entrevistá-lo e continuar a informar do local. Boa noite, senhor Wellmann.
[Cientista] Boa noite, jornalistas, boa noite, ouvintes e internautas no Brasil e no mundo.
9.1.13
Sobre a história lusitana
Recebi uma mensagem do escritor, professor e historiador português Joaquim Fernandes a respeito de seu novo livro, História prodigiosa de Portugal. Como o tema pode interessar aos autores que pretendam trabalhar em textos que aumentem a sinergia entre a produção steamer de nossos dois países, reproduzo o material de divulgação.
Aqui se apresenta o retrato de um País digno de Alice, tão crédulo e piedoso na regência dos negócios públicos: crenças, mitos e maravilhas cozinhados a lume brando em pactos partilhados entre o céu e o inferno, em sobrenatural e fantástica existência nossa, abençoada a incenso ou a enxofre, com anjos e demónios, par a consolação e provimento da Grei. Nas páginas desta "História Prodigiosa de Portugal" o leitor irá conhecer personagens e eventos capitais que marcam este milenar consórcio de Portugal com os universos do sobrenatural e da magia.
Pedimos de empréstimo Ulisses e outros deuses menores para reconstituir no solo pátrio o Éden bíblico; ousamos "nacionalizar" a submersa Atlântida e a plataforma continental há mais de século; requisitamos ajuda às tropas celestes e aos eclipses para levar de vencida o Mouro invasor; "senhoras luminosas" dispensaram-nos ajuda médica nas frentes de combate contra o infiel; os nossos soberanos acediam à pia batismal, ao altar e ao trono após consulta aos céus e ao astrólogo régio; comerciámos as nossas mulheres com o diabo e o seu séquito no silêncio dos conventos; as nossas batalhas e os nossos exércitos regulamentavam-se pela aparição dos cometas; traficámos falsas relíquias, aos milhares, em piedosa contrafação controlada pela Corte e apaniguados; salvámos os nossos prisioneiros dos cárceres da mourama em instantâneos teletransportes; multiplicámos falsos Sebastiões desejados em farsas e tragédias; enviámos homens santos aos mares do Oriente domesticar oceanos e pescarias; replicámos toda a sorte de amuletos e mezinhas para consumo de reis e aristocratas...
Se fossemos coevos de Camilo Castelo Branco subscreveríamos a camiliana sentença: "Uma nação que assim está sob fiscalização divina não pode cair como Cartago ou Roma...
7.1.13
Descanse em paz, MHell
É com tristeza que escrevo o primeiro post do ano para dar a notícia que soube nesta segunda-feira pela manhã: faleceu no dia 6 de janeiro uma das pessoas mais queridas e positivas do mundo da ficção fantástica brasileira, Maria Helena Bandeira. Sobrinha-neta do grande Manuel Bandeira, MHell como era chamada pelos amigos foi a única mulher a fazer parte do seleto grupo de escritores nacionais a ter um texto publicado na saudosa Isaac Asimov Magazine. Em agosto de 2008, tive a honra de republicar este conto em meu antigo blog. Havia transcrito o texto de minha edição de número 19 daquela revista, pedi a autorização da autora. Maria Helena não apenas com gentileza e entusiasmo me deu o sinal verde, como ainda fez questão de me enviar uma pintura sua que serviu como ilustração para "Eu mesmo", um dos contos mais conhecidos da ficção científica brazuca. Foi um de nossos primeiros contatos, a que se seguiram diversos emails, novos contos e novas ilustrações publicados, algumas confidências trocadas... Fica a saudade, amenizada pela releitura de suas obras. Descanse em paz, MHell.
24.12.12
Cadáver esquisito de Natal
Não, o título do post não é sobre o peru que provavelmente vai ser servido esta noite em sua ceia natalina. Cadáver esquisito é o nome de um jogo literário criado há quase cem anos pelos surrealistas que consiste em vários escritores produzindo um mesmo texto . Cada um, a sua vez, acrescenta algumas linhas na história coletiva, dando continuidade a partir do ponto em que o antecessor parou e deixando a bola pronta para o seu sucessor. Participei de um projeto assim que está sendo publicado na edição especial de Natal do jornal Notícias do Dia, que circula nesta segunda e terça-feiras em bancas catarinenses.
O convite foi feito pela jornalista Carol Macário a mim e a outros 11 autores, entre escritores, dramaturgos, roteiristas, atores e produtores culturais em geral. O resultado foi bastante divertido, a história natalina dos segredos da Tia Berta e de sua sobrinha narradora. Acho que a parte que escrevi será facilmente identificada pelos leitores que me conhecerem. Esta foi também minha última publicação do ano, encerrado este atribulado 2012. Aproveito para agradecer a Carol pela oportunidade e ao pessoal que aparece neste blog e em sua fanpage no Facebook pela audiência. Ótimas festas a todos e até 2013.
O convite foi feito pela jornalista Carol Macário a mim e a outros 11 autores, entre escritores, dramaturgos, roteiristas, atores e produtores culturais em geral. O resultado foi bastante divertido, a história natalina dos segredos da Tia Berta e de sua sobrinha narradora. Acho que a parte que escrevi será facilmente identificada pelos leitores que me conhecerem. Esta foi também minha última publicação do ano, encerrado este atribulado 2012. Aproveito para agradecer a Carol pela oportunidade e ao pessoal que aparece neste blog e em sua fanpage no Facebook pela audiência. Ótimas festas a todos e até 2013.
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