9.4.11

Dicas de leitura para o fim de semana

Vou deixar os leitores neste sábado com três dicas de contos que têm em comum lançar um olhar fantástico em direção ao passado. Dois deles são, assumidamente, focados no steampunk. Primeiramente, um conto que faz parte de um cenário já comentado por aqui, aquele que está sendo trabalhado a seis mãos no blog Steamage. "Harold Spencer, o homem que nunca chegou ao front" é de autoria de Heitor Serpa, que dividiu sua história de estreia em duas partes. Abaixo, o início da narrativa:

Aiden era uma aldeia na região de Alesja – ou Aliesch nos tempos em que ainda era um país, antes de se juntar a outros cinco para formar a União Federativa. Longe dos maiores centros urbanos, numa região de bosques pouco tocados pelo homem, podia ser considerado um lugar de paz. Um canal escavado no rio que dava o nome ao vilarejo era o suficiente para abastecer o mesmo, de arquitetura simples e complementada por pontes e rodas d’água. Estas últimas, mais a fumaça vertendo das casas em estilo colonial, bastavam como tecnologia. Não era de se espantar que um lugar assim guardasse um asilo; a Casa de Repouso de Aiden, assentada no coração da floresta, constituía um dos maiores destaques de Alesja, sendo inclusive pioneira no tratamento de diversos males do corpo e da mente. Ao contrário da reputação não muito boa desse tipo de lugar, os ex-pacientes afirmavam o asilo como uma nascente de absoluta tranqüilidade, sem receber nenhum tipo de maltrato como choques térmicos, camisas de força e overdoses de morte em vida. Os motivos de ser tão eficiente sem as teorias da medicina atual, embora parecessem óbvios, continuavam um mistério incapaz de ser reproduzido fora dali. Sua sobrevivência vinha de doações, tantas que parte do investimento era aplicado na própria aldeia.

Continua

O segundo exemplo foi postado por Thiago Ururahy em seu Tumblr. Como o próprio nome do conto indica, "Secessão Celestial" se passa em uma versão alternativa da Guerra Civil americana. Seguem as primeiras linhas:


A sala da caldeira balançava a cada passo que o Juggernaut dava, avançando para dentro do Rio Hudson, em direção à margem norte. A gigantesca máquina de batalha dos Confederados surgira de dentro das águas e, na calada da madrugada, iniciara um ataque maciço ao depósito dos trens-bombardeiros do exército da União.

Por fora, o Juggernaut parecia ter sido moldado em um único bloco de cobre, tamanha a qualidade do trabalho executado pelos soldadores de New Orleans. A cabeça era cravejada de dezenas de grandes janelas arredondadas cercadas por tubos que expeliam o vapor. Dentro de cada uma, um grupo de engenheiros trabalhava incessantemente no calor das máquinas. A aparência era a de uma imensa colmeia pulsante e enevoada.

No entanto, por dentro do corpo, a maior arma de guerra da história dos Estados Unidos era um emaranhado de salas, corredores e complexos de controle que davam vida a um arsenal capaz de varrer Nova Iorque do mapa. Nada menos do que trezentos homens eram necessários para que ele funcionasse em sua plenitude destrutiva. Porém, na madrugada de 12 de abril de 1887, havia dois homens a mais dentro dela. E eles não eram Confederados.

Dentro da sala da caldeira principal, o soldado Sawyer era jogado de um lado para outro enquanto esmurrava um pesado comunicador no chão. O calor infernal lhe roubava as forças e o vapor enchia o aposento, dificultando a respiração e embaçando a visão. Diante da única porta da saleta, o soldado Finn atirava de maneira desenfreada com uma robusta metralhadora contra um grupo de guardas:

- Tom! Não vou aguentar por muito tempo! A munição está no fim! Tom?! Está me ouvindo?!

Continua

Por fim, um conto que não é exatamente steamer, de um escritor já citado aqui algumas  vezes. Marcelo Augusto Galvão republicou em seu blog "Augúrio", um texto com influência lovecraftiana que se passa na Roma Antiga e originalmente foi impresso no fanzine Scarium nº 21. Trecho inicial:



Fausto Aurélio Belisário, comandante da Segunda Legião Augusta, sorriu com a notícia que acabara de ouvir. O homem ao seu lado continuou a falar:

- Os revoltosos vivem em Drwgg, uma cidade a dois dias de marcha, senhor – Cornélio Félix relatou o informe de um dos espiões infiltrados no oeste da Bretanha. Momentos antes, Félix havia comunicado ao seu superior hierárquico que os silures, uma tribo nativa da região, preparavam uma nova rebelião contra o Império Romano.

De uma varanda coberta, Belisário observava dezenas de legionários exercitando-se no pátio exterior do forte de Glevum. Uma chuva torrencial caía, algo bem conhecido dos romanos desde que as tropas do então imperador Cláudio invadiram aquela ilha úmida, vinte e quatro anos atrás. A frequência era quase diária, principalmente no começo do verão.

Como comandante da legião, Belisário podia suportar intempéries diversas. O que ele não tolerava eram homens incapazes de governar.

Era o caso do atual procônsul da província da Bretanha. Sem experiência militar anterior, Marco Trebélio Máximo decidira continuar o trabalho dos seus antecessores, consolidando o poder sobre as tribos já conquistadas e fazendo uma ou outra concessão para agradar aos nativos, ao invés de batalhar por novos territórios. Transformara a ilha em um lugar seguro para o império.

E em um completo tédio para os legionários. Sem combates, não havia butim dos inimigos para complementar os salários das legiões. O descontentamento entre soldados e oficiais era cada vez maior; uma insurreição poderia estourar a qualquer momento entre as fileiras romanas.

Felizmente, havia os silures, habitantes das montanhas que tomavam conta da maior parte da paisagem. Aquele povo, de pele mais escura que a dos outros nativos, era famoso por sua beligerância; ao longo de quase três décadas de ocupação, os romanos nunca conseguiram derrotá-los por completo. Na opinião de Belisário, faltava alguém de pulso firme para lidar com os revoltosos. O comandante que eliminasse aquela resistência seria recompensado à altura por Nero, o sucessor de Cláudio.

Um relâmpago cortou o céu acinzentado, dividindo o firmamento em dois por um breve momento. Belisário sorriu.

- Isto é um bom sinal, Félix – ele disse para o segundo em comando – Marte ouviu nossas preces.

Continua

Boa leitura a todos!

6 comentários:

Anônimo disse...

Obrigado pelo link!

Heitor V. Serpa disse...

Maravilhoso poder contar com sua divulgação,Romeu! Muito obrigado mesmo!!!

E os outros contos são interessantíssimos. Lerei assim que puder.

Abraços

Thiago Ururahy disse...

Obrigado pela indicação Romeu! Gosto muito desse cenário e fiquei extremamente feliz em receber seu carimbo.

Abraços!

Romeu Martins disse...

Nós leitores é que temos a agradecer à trinca de escritores ;-)

Gerlaine disse...

E eu lhe indíco um conto em oito capítulos, sendo o primeiro escrito por um amigo meu: http://66.228.120.252/contos/730825

Não sei se você conhece, mas acredito que você irá gostar.

Romeu Martins disse...

Não conhecia, Gerlaine, obrigado! Li o primeiro conto, gosto dessas experiências de um texto escrito por vários colaboradores ;-)