Já havia anunciado anteriormente que fui convidado a escrever o prefácio do primeiro romance steampunk brasileiro a unir a estética steampunk com elementos de fantasia. O resultado do convite do autor José Roberto Vieira e do editor Erick Santos pode ser lido nas páginas iniciais de O Baronato de Shoah - A Canção do Silêncio, que já se encontra em pré-venda pela loja virtual do Estronho. Porém, como a dupla me liberou o material para divulgação, o texto que escrevi para apresentar a obra de estreia do escritor paulista será postado logo abaixo, depois da arte completa da capa, elaborada pelo talentoso dono da editora Draco. Boa leitura.
Caso você esteja se perguntando – e se eu estivesse em seu lugar, com o livro em mãos pela primeira vez, é o que eu estaria me fazendo neste exato instante – aquela na capa é uma espadasserra.
Tal arma e muitas outras tecnologias que o autor criou para equipar o exército mais poderoso de seu mundo, como armaduras fantásticas e imensos aeronavios, são as características que fazem desta obra um romance steampunk. O subgênero é marcado por uma fusão de elementos de alta tecnologia com a estética do passado, mais exatamente da Era do Vapor, algo que costuma ser chamado de retrofuturismo. Já houve no Brasil o lançamento de outros romances dentro do estilo: Bilac vê estrelas, de Ruy Castro, e A mão que cria, de Octavio Aragão, são ótimos exemplos. Porém, O Baronato de Shoah – A Canção do Silêncio é um livro precursor por ser o primeiro em que a base da história não está fundamentada na ficção científica e muito menos em acontecimentos reais de nosso planeta. Não, nada disso, José Roberto Vieira inovou nesta área ao escrever o primeiro romance steampunk nacional inteiramente voltado para a fantasia.
Existem, é bem verdade, o carvão e o vapor comuns no continente de Nordara, onde se passa a trama a seguir, bem como uma ainda incipiente rede de produção e distribuição de eletricidade e até mesmo motores de explosão. Mas aquilo que alimenta a espadasserra e outros apetrechos retrofuturistas igualmente chamativos é Nepl, ou simplesmente a Névoa, um combustível mágico com exóticas propriedades não apenas energéticas – para não deixar ninguém curioso, ela tem a capacidade de literalmente criar monstros. E pode acreditar que, antes de ser um mero detalhe, isso faz toda a diferença na abordagem dada pelo escritor ao subgênero da ficção fantástica que mais tem se desenvolvido em nosso país nestes últimos anos, alcançando até mesmo reconhecimento internacional. Desbravar tal território para além da FC e rumo à fantasia é uma grande, inestimável mesmo, contribuição que José Roberto e a editora Draco estão dando à cultura steamer brasileira. Que venham novas trilhas a serem abertas!
Exemplos do encontro entre fantasia e máquinas a vapor podem ser vistos em diversos trabalhos estrangeiros. Para citar alguns, fiquemos com os livros da trilogia Fronteiras do Universo, de Philip Pullman, ou ainda com a animação Avatar – A lenda de Aang, do canal Nickelodeon, ambos parcialmente transpostos para o cinema respectivamente com os filmes A Bússola de Ouro e O último Mestre do Ar. Como reconhecidamente a principal fonte de influência do autor são os jogos de interpretação, podemos lembrar ainda daqueles de mesa, como Castelo Falkenstein e, principalmente, dos eletrônicos, como a série Final Fantasy (esta última também acabou indo parar nas telas, porém os aficionados vão perceber semelhanças mesmo entre o livro e as versões mais recentes do game, de FF7 em diante). Aqui, vale um aviso a quem não gosta de ficção baseada em RPG: calma, não precisa se assustar. Mesmo influenciado por eles, o autor não joga aqueles dados multifacetados com seu universo; o assunto aqui é mesmo literatura. Esta é uma lista bem seleta e agora o Brasil passa a ter um romance para incluir nela com o livro que você está segurando.
Com justiça é este paulistano quem realizou tal feito. José Roberto começou a escrever sua obra antes da atual evidência do modo brasileiro de produzir steampunk chamar a atenção de autores como os americanos Bruce Sterling e Jeff VanderMeer. Só que logo ele passou a se integrar plenamente ao cenário e a se destacar neste meio, com sua participação em blogs, nos eventos organizados em sua cidade e pelas redes sociais. Tanto que certos personagens deste seu romance de estreia foram batizados com nomes de alguns dos mais conhecidos entusiastas da cultura steampunk da capital paulista. É o tipo de homenagem que passa desapercebida para a maioria do público, mas que deverá fazer sorrir quem conhece as pessoas por trás de Karl, Castellini e Raul. Da mesma forma, é igualmente justo que seja o selo da Draco a estampar esta publicação. Graças a seu proprietário, Erick Santos – que também assina a belíssima capa deste tomo, pode conferi-la de novo que vale a pena – a editora igualmente paulista vem se firmando como a que mais investe no trinômio da ficção fantástica nacional, com romances e coletâneas reunindo o que há de melhor em ficção científica, fantasia e horror produzidos por nossos conterrâneos e, às vezes, até mesmo por escritores portugueses. Caso evidente disso que estou mencionando é a antologia lusobrasileira Vaporpunk – Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades, aquela que foi a mais importante obra do gênero a chegar a nossas livrarias em 2010. E embalada em outra capa maravilhosa criada por Ericksama, aliás.
Todavia, se despertam o interesse da crítica e dos pesquisadores, pioneirismo e homenagens não seriam o suficiente para satisfazer o leitor comum – aquele que deve ser o principal destinatário de todo e qualquer livro – se tais elementos não forem apenas os alicerces para um bom conteúdo. Neste quesito, o que O Baronato de Shoah tem a oferecer é uma aventura na medida para agradar aos apreciadores de fantasia, seja ela movida ou não a vapor e a Nepl. Muito combate épico e sacrifício individual o esperam nos capítulos a seguir, eu garanto. É a história de Sehn Hadjakkis que você está sendo convidado a conhecer, um membro da aristocracia da mais importante nação de seu mundo, o baronato do título da obra. Como tal, o rapaz deve servir por toda a vida adulta às forças bélicas da Kabalah, a elite da tropa local (não se aflija, há um glossário ao final do livro com este e outros termos de inspiração hebraica espalhados pelas linhas vindouras). A divisão do exército a que o jovem deve se alistar após completar o duríssimo treinamento é a sheyvet criada por seus pais, por sua vez, a mesma que empresta a denominação do subtítulo deste romance. A explicação para o nome deste pelotão é poética e um dos melhores achados do livro: “O silêncio pelos amigos que se foram e a litania nos templos”.
Evidentemente, as coisas não serão fáceis para nosso protagonista; se fossem, não valeria o preço do ingresso, convenhamos. Tal rito de passagem, logo no início da trama, já significa separá-lo, aos 17 anos, da amada. Apesar de ela ser de uma família rica, não faz parte da nobreza militar e social a que Sehn pertence, como integrante do renomado clã dos Hadjakkis. O impasse romântico pode até não sair de sua cabeça, mas pelos próximos anos ele será apenas uma pequena parte das preocupações do recruta. A maior dessas preocupações, obviamente, é tentar sobreviver aos rigores espartanos da vida em uma caserna do Quinto Império. Conseguindo algo assim básico, o próximo passo é descobrir qual sua inclinação nata entre os diversos, vamos simplificar a nomenclatura, regimentos da Kabalah. O rapaz pode vir a se descobrir como um amaldiçoado ou um escolhido, como o pai, que acumula as duas vocações; um membro da guarda palaciana; um inventor, um sacerdote, como a mãe; ou mesmo um profeta ou um espião. Que o destino o estava contemplando com todas essas possibilidades naquela intricada e rígida sociedade, disso ele já sabia. O que não poderia imaginar é como as coisas ficariam bem mais complicadas em sua vida, nem o modo dramático com que ele viria a descobrir a verdade sobre o seu passado e sobre tudo o mais que o cerca.
No meio disso tudo, combates aéreos, confrontos com robôs, com guerreiros, com monstros... Por isso não precisa disfarçar, vire logo a página, eu sei que você está mesmo é interessado em ver como o tal Sehn Hadjakkis usa aquela espadasserra nos inimigos e do quê – ou seria de quem? – são aquelas penas.
Divirta-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário