15.9.10

Um hacker no Cortiço

Ainda a respeito do post de ontem sobre mashups literários. Após publicar a nota, me lembrei durante a tarde de um texto no site Terra Magazine que eu havia lido anos antes, bem quando comecei a acompanhar as discussões sobre ficção científica brasileira, e que guardava alguma ressonância com o assunto. Convidado por Roberto Causo, titular daquela coluna, o pesquisador Rodolfo Londero escreveu lá o artigo "Cortiços high-tech", no início de 2007, bem antes do início de tal onda editorial, portanto. No texto ele acabou por relacionar seu tema de pesquisa de mestrado, a literatura cyberpunk nacional, com um clássico brasileiro do século XIX, O Cortiço, publicado em 1890 por Aluísio Azevedo (1857-1913).



No ano seguinte, acabei resenhando o livro Volta ao mundo da ficção científica, organizado pelo próprio Londero e por seu orientador Edgar Nolasco, por onde ele publicou sua reflexão acadêmica. Escrevi o seguinte, na crítica que pode ser lida em outro blog meu:

Rodolfo Londero, jornalista e mestre em letras pela UFMS, além de co-organizador da obra, contribui com um estudo sobre tema mais amplo em “Níveis de recepção do cyberpunk no Brasil: um estudo de casos exemplares”. Para tratar do impacto do subgênero (e movimento) criado nos EUA por William Gibson, em meados dos anos 80, o pesquisador dividiu os casos em três níveis. No primeiro, o “direto”, ele enquadra autores brasileiros que dialogam frontalmente com as obras inaugurais do cyberpunk, caso de Fábio Fernandes e de alguns contos de sua coletânea Interface com o vampiro e outras histórias, do ano 2000. No que chamou de “recepção análoga”, Londero se refere a material nacional que captou o espírito do tempo que marcou a obra de Gibson, mesmo sem seguir o cânone daquele e de outros escritores americanos. Um exemplo citado é o livro Piritas siderais, cujo autor, Guilherme Kujawski afirmou em entrevista ao pesquisador que desconhecia o próprio termo cyberpunk, apesar das semelhanças entre sua obra, de 1994, e as temáticas do movimento criado uma década antes.

O nível a que o artigo dedica mais espaço levou o nome de “indireto” e seria o de obras brasileiras que dialogam com trabalhos precursores da ficção cyber. Neste conjunto de textos que compartilham um repertório semelhante ao dos americanos – por exemplo, a influência do filme Blade Runner, do diretor Ridley Scott – estão as criações do cantor e performer Fausto Fawcett, como o livro Santa Clara Poltergeist, de 1991.

Mas o ponto que me interessa aqui está no encerramento daquele artigo de 2007:

Quando tentei apresentar algumas obras brasileiras que se aproximam da temática cyberpunk para uma comunidade do Orkut, um membro, após ler um resumo de Santa Clara Poltergeist, afirmou que escrever cyberpunk no Brasil "não é bem como pegar a obra O CORTIÇO e botar uma coisa HIGHTECH e acabou". Nada tão longe da verdade: para Fredric Jameson, autor constantemente citado nos debates sobre pós-modernidade, o cyberpunk é uma continuação do Naturalismo. Quando propôs isto, Jameson pensava na diluição das diferenças entre o espaço privado e o espaço público - algo que, por não ser abordado enfaticamente, não identificamos com facilidade nas obras brasileiras. Mas destaquemos o determinismo, discurso doutrinário do Naturalismo, e pensemos a literatura cyberpunk. O determinismo na literatura naturalista revela-se na influência do meio ambiente sobre as personagens e os elementos da obra. Um exemplo é oferecido pela personagem Pombinha, do romance O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo: uma moça virgem e recatada que se torna uma prostitua por viver num ambiente dado à promiscuidade. Já para entender o determinismo na literatura cyberpunk deve-se conceber um meio ambiente tecnológico e, portanto, um determinismo tecnológico. É a tecnologia que influencia o comportamento das personagens e os elementos da obra: as vítimas dos vírus do conto "Interface com o Vampiro"; a "falha magnética" agindo sobre Mateus em Santa Clara Poltergeist; as hipergazetas de Piritas Siderais.
Não é um belo insight e que casa muito bem com essa nova tendência do mercado editorial, brasileiro e internacional? Relembrei isso pelo Twitter e o próprio Londero me respondeu o seguinte: "O estilo do bom cyberpunk é o realismo sujo do século XIX, daí que não é difícil fazer um mashup cyberpunk d'O Cortiço". Encerro por aqui dizendo que leria com prazer um livro do tipo Um hacker no Cortiço que promovesse a fusão do cyberpunk e do naturalismo, do punk a vapor e do cibernético.



Update: Se alguém estiver a fim de fazer uma fusão das capas de O Cortiço e de Neuromancer para ilustrar o post, agradeço.

Um comentário:

Anônimo disse...

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