A comunidade steamer internacional conta com uma publicação on line para debater e difundir sua cultura: a Steampunk Magazine. Na edição mais recente, a de número 7, já disponível para download no site da revista cuja capa pode ser vista ao lado, há um artigo que toca em um tema tão interessante quanto delicado e que merece uma atenção especial dos leitores brasileiros, até por citar um conhecido compatriota nosso. "The presence of race in steampunk" é o título da matéria que trata de questões étnicas relacionadas a este subgênero da ficção científica e já começa sua análise reconhecendo o quanto este é um tópico tão difícil de se discutir quanto a apropriação cultural, a opressão sistemática e os privilégios. Na opinião da revista, outros assuntos, como os relacionados às classes sociais e mesmo os ligados ao gênero, são mais facilmente subvertidos, por exemplo, em campanhas de RPG ligadas a essa vertente da FC. "Há muitas mulheres que atuam como capitãs do céu, ou outros papéis do tipo, que lhes seriam negados em jogos mais realísticos", compara.
Entretanto, para a Steampunk Magazine, as questões raciais seriam mais difícieis de se discutir e mesmo de serem retratadas. O artigo faz uma série de questionamentos sobre o significado de outras culturas - não ligadas ao mundo vitoriano - buscarem se vestir com clara inspiração inglesa ou americana. Seria uma forma de assimilação da cultura dominante, simulando uma aparência ligada a dos "opressores"? E caso algum povo resolva adotar uma identidade ligada diretamente às suas origens, deixando de lado elementos identificados com a Era Vitoriana, seria uma forma de exotismo? Ainda poderia ser considerado como steampunk? São algumas das perguntas deixadas no ar uma vez que, como o artigo enfatiza, este subgênero é um pastiche formado por muitas referências, sendo difícil categorizar algo não-vitoriano como quintessencialmente steampunk quando deixa de incorporar elementos facilmente reconhecíveis.
O ponto é exatamente o que a revista chamou de "óbvia penúria de mídia steampunk derivada de fontes não-vitorianas", eclipsadas que são pela variedade opressora das formas mais tradicionais de se representar o subgênero. A revista cita dois exemplos de trabalhos e de subculturas steamers que conseguiram superar tal eclipse com um alcance mais cosmopolita. Um é o ilustrador chinês, nascido em Hong Kong, James Ng - abaixo deixo vocês com uma amostra da arte dele, que pode ser conferida neste site. O segundo exemplo listado já é conhecido deste blog. "Bruno Accioly é um porta-voz para a subcultura steampunk brasileira", anotou a revista sobre o cofundador do Conselho Steampunk e que já foi entrevistado por aqui. "Contudo esses exemplos são notáveis porque surgem de povos e de lugares que não estão imersos no vitorianismo ou no steampunk americano", continua o articulista que reconhece ter ouvido falar de James Ng depois de o chinês ter publicado seus trabalhos mais famosos fora de seu país natal e afirma que o empresário carioca "filtra o steampunk vitoriano através de sua perspectiva excepcionalmente brasileira".
Mas a Steampunk Magazine se pergunta onde estarão mais exemplos de steamers, entre eles as pessoas de outras etnias que vivem em culturas de dominação branca, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. A análise que a publicação faz é a de que o assunto racial acaba sendo tratado em termos simplistas, focando, por exemplo, apenas na escravidão, tema que é consensual pois ninguém pretende reproduzir tal realidade novamente. Porém, há pouco espaço para questões com mais nuances, tais como microagressões e preconceitos inconscientes que se manifestam no cotidiano. "A questão da raça no steampunk, para muitos, é frequentemente teórica, e não uma realidade desordenada que o steampunk médio tenha que tratar", pondera antes de concluir: "Mesmo os steampuks de outras etnias prefeririam não ter de tratar dos problemas raciais, porque o steampunk é uma fantasia, um mundo construído, uma forma de escapismo".
3 comentários:
Bem, infelizmente, ainda não pude ter contato com a produção nacionalde Steampunk, mas, Romeu, como anda esse quesito dos debates étnicos nos nossos livros? Porque vejo o pessoal focar em toda aquela pompa do período vitoriano mas não sei se questões mais delicadas como essa são tratadas. É como digo, pessoal esquece o sufixo "punk" da coisa e liga muito pro Steam. Uma realidade brasileira steampunk ao meu ver seria bastante PUNK, com o nível de desigualdade social no Brasil do período, as conspirações pro fim da Monarquia, os escravos libertos sem rumo, os italianos anarquistas chegando, as teorias eugênicas e planos de "branqueamento" do Brasil sendo discutido no Parlamento, etc.
Mas eu posso estar sendo um babaca e todos esses temas estarem sendo devidamente tratados na produção nacional de Steampunk.
Abraços.
Olá, Arthur.
Eu já dei minha opinião sobre a questão do sufixo punk no subgênero steamer aqui:
http://cidadephantastica.blogspot.com/2010/08/festival-punk.html
Sou da opinião que o gênero é bastante aberto para diversas interpretações autorais e não precisa, necessariamente, reproduzir o mesmo ethos do cyberpunk, que emprestou o tal sufixo como analogia, não como modelo.
Mas eu, pessoalmente, gosto de textos que enfatizem esse enfrentamento e deixem claras as contradições da época com um olhar contemporâneo. Tentei trazer isso na minha noveleta na coletânea Steampunk da Tarja, a "Cidade Phantástica". Naquele meu mundo, no lugar dos italianos, surgem chineses que foram atraídos para cá ao invés de irem (como na realidade em que vivemos) aos EUA tabalhar na estrada de ferro transcontinental.
Toquei no assunto dos descendentes de escravos deixados a própria sorte e da revolta que isso causou em barões do café, nesse mesmo texto.
Mas, na minha opinião, dentro dos comentários da Steampunk Magazine, no quesito das microagressões, o texto publicado no Brasil mais exemplar e da mais alta qualidade é de um português: Jorge Candeias, na coletânea Vaporpunk, da Draco, resenhada aqui:
http://cidadephantastica.blogspot.com/2010/09/reinos-unidos.html
No mesmo livro, Octavio Aragão tem um conto sobre como um processo de mecanização avançado para a época deixa escravos em uma situação de impasse.
Vamos ver o que mais teremos neste sentido nas próximas coletâneas do gênero, a Deus Ex Machina, que mistura o tema com anjos e demônios, e a Steampink, com ótica feminina.
Espero ter ajudado a tirar dúvidas ;-)
Opa, voltei aqui para atualizar algumas questões, depois de comentários via twitter de Ana Cristina Rodrigues e de Antonio Luiz Costa.
Na Vaporpunk, temos o conto do organizador, Gerson Lodi-Ribeiro, que faz parte de uma série maior de História Alternativa em que os holandeses se unem aos negros de Palmares e resistem às tentativas dos portugueses em expulsá-los. Um dos resultados é uma nação altamente avançada fundada por ex-escravos de origem africana.
No livro da Tarja, o próprio Antonio Luiz incluiu a questão racial pela diversidade de etnias desenvolvendo avanços científicos no Brasil, com ênfase em grupos indígenas.
Neste mesmo livro, há duas abordagens da questão racial com uso de metáforas para representar diferentes etnias: a de Jacques Barcia, usando elementos mais ligados à fantasia misturada com FC; e a de Fábio Fernandes, com robôs ocupando o lugar de escravos humanos.
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