28.7.11

Touro Indomável

Com este nome aliterado de personagem Marvel, devo ao diretor Joe Johnston meus agradecimentos por ajudar a ilustrar com exemplos dois subgêneros retrofuturistas muito semelhantes entre si e que costumam causar bastante confusão. Em 1991, ele dirigiu a adaptação cinematográfica  The Rocketeer, personagem das HQs criado pelo escritor e desenhista Dave Stevens que com sua mochila voadora nas costas em plena II Guerra Mundial é um ótimo exemplo de diselpunk. Passados inacreditáveis 20 anos, JJ agora dirige Capitão América - O primeiro vingador, que estreia amanhã nos cinemas brasileiros, um filme também baseado em personagem dos quadrinhos, criado em 1941 pelo escritor Joe Simon e pelo lendário desenhista Jack Kirby, que apesar de se passar na mesma época tem sua estética predominantemente baseada na estética alemã do períoso, sendo, portanto, uma obra mais bem classificada como nazipunk. Uma curiosa manifestação que, em tempos complexos como os nossos - com impensáveis ataques terroristas de extrema-direita na Noruega - aborda tal estética omitindo a presença da suástica em qualquer parte da produção ou de seu material de divulgação; mas ainda assim, nazipunk.


É exatamente na Noruega que começa a parte de época do filme - antes cortar para os anos 40, há uma breve cena nos dias presentes em que uma nave é localizada na neve, em território americano, com segredos guardados há quase 70 anos.  Mas é naquela década de guerra que vemos o oficial Johann Schmidt, comandante de um grupo chamado Hidra que trocou a suástica pela insígnia prateada de um crânio rodeado por tentáculos, buscar no país escandinavo possíveis vestígios dos antigos deuses nórdicos. Naquele momento, podemos vislumbrar parte dos equipamentos avançados que preencherão a maior parte do filme, tanques gigantescos, motos supervelozes, aviões com estranhas hélices, submarinos para um único passageiro, armaduras para soldados, todos com o visual que ao mesmo tempo remete às soluções de engenharia e de design daquele imaginário e deixa evidente que se tratam de apetrechos de um futuro do pretérito. Ideais tanto para vender itens para colecionadores no decorrer da divulgação do filme quanto, no caso dos soldados por baixo dos metais que escondem todo o corpo, incluindo o rosto, para serem desumanizados o suficiente e não despertar pena quando os vilões forem metralhados, explodidos e esfaqueados pelos mocinhos da história.


Falando neles, um novo corte, agora de espaço, para Nova Iorque, onde conheceremos Steve Rogers, um garoto que, apesar da óbvia inadequação física - baixote, magro às portas da inanição e com histórico exaustivo de doenças - tenta obsessivamente se alistar nas forças armadas que combatem na Europa.  Tanto insiste, mesmo correndo risco de ser preso por mentir nos formulários de alistamento, que acaba ganhando a chance de participar de um grupo especial do exército americano que tem a nada modesta intenção de criar uma geração de supersoldados. Além do treinamento à moda antiga, teremos nestas sequências novas oportunidades de conferir retrotecnologia das indústrias Stark, com todos os mostradores de ponteiros, chaves de contato, fios e válvulas que vão ajudar a transformar o rapazote frágil no personagem heróico que dá nome ao filme: o marombado Capitão América. 


É interessante lembrar ser de fato a tecnologia que está por trás de tal transformação, mas não aquela retrô, dos anos 40, e sim a digital que já havia sido posta à prova em filmes como X-Men 3 (lembram-se dos  jovens Charles Xavier e Magneto dos minutos iniciais?) e em O curioso caso de Benjamin Button (no qual Brad Pitt nasce idoso e morre como um bebê).  Pois trata-se do mesmo ator a interpretar Rogers nas duas fases de sua vida, a de rejeitado pelo serviço militar e a de herói de guerra. Chris Evans, que já havia tido a oportunidade de viver um personagem das HQs Marvel nas telas, como o Tocha Humana da fracassada franquia do Quarteto Fantástico, repetindo assim, de forma, digamos, artificial, o feito Robert De Niro realizado de modo natural em 1980, em Touro Indomável. Para viver o pugilista Jake LaMotta do auge à decadência, o ator ítalo-americano ganhou no período de produção pelo menos trinta quilos que lhe renderam o posto de mito do cinema e um Oscar.


Sem as mesmas pretensões artísticas daquele marco cultural dirigido por Martin Scorsese, o longa de Joe Johnston é uma garantia de diversão para quem gosta da sequência de super-heróis que está sendo apresentada no cinema nos últimos anos.  No filme evento anunciado para março de 2012, Os Vingadores, veremos, além do Capitão América, Hulk, Homem de Ferro e Thor, em uma reunião de estrelas como não tínhamos desde os tempos dos Monstros da Universal, com seus vampiros, lobisomens, frankensteins, múmias e afins. Essa necessidade de servir como prólogos de luxo para o blockbuster do grupo acaba prejudicando um pouco o andamento de alguns dos filmes solo. Capitão América - O primeiro vingador se sai muitíssimo melhor neste quesito que o recente Thor,  e no mesmo nível que os dois Homem de Ferro (Hulk, com suas inconstâncias de tom e na permanência dos atores principais nos dois filmes já feitos, segue como o pato manco e feio do cast). Mas não deixa de ser promissor perceber alguns ganchos neste filme de agora que permitem alguma esperança de evolução do personagem e de suas tramas quando o compromisso duplo de apresentação de seu universo e de dar coerência ao filme comunitário passar.


Pois mesmo com suas limitações impostas pelo compromisso com a continuidade compartilhada, Capitão América funciona muito bem e para em pé por si mesmo. Tivesse um protagonista tão carismático quanto Robert Downey Jr. seria o grande achado da Marvel nos cinemas. Mas, apesar de estar bem melhor em cena como o herói de guerra do que como o pós-adolescente inflamável do Quarteto Fantástico, Ewans não tem a mesma tarimba do homem que vive o Tony Stark definitivo. O melhor de sua participação como um novo personagem da editora é a certeza de que a franquia do Quarteto está definitivamente enterrada, pronta para um reboot. O vilão, vivido com gosto por Hugo Weaving, garante ainda mais qualidade final ao projeto: o ator rouba as cenas principalmente quando desencarna o rosto e adota a identidade de Caveira Vermelha, o supersoldado alemão. Weaving, revelado como Agente Smith na trilogia Matrix (update: ao menos em termos de filmes mais ligados à estética super-heroística, pois, como comentou Nikelen Witter, não devemos esquecer de seu trabalho anterior em Priscila, a rainha do deserto), está ocupando um espaço que já foi de Gary Oldman antes que este virasse o policial honesto dos filmes do Batman - aquele intérprete que não tem medo de aparecer mesmo com pesada maquiagem e efeitos especiais tapando seu rosto na maior parte da participação em cena.


O acerto de Capitão América é o de não ter medo de atacar os dois lados que a vertente do realismo permite quando se trata de dar um olhar maduro aos super-heróis. Em um primeiro momento, quando o recém transformado Rogers vira, literalmente, porta-bandeira dos EUA no esforço de propaganda para arrecadar recursos em tempos de guerra, o tom é o do humor, do sarcasmo, com a recepção cínica que os soldados dão àquele sujeito fantasiado que tenta elevar o ânimo das tropas. O oficial vivido por Tommy Lee Jones é certeiro quando dá voz ao que pensam dele os homens de armas - o garoto não passa de uma corista, com seu escudo carnavalesco, uniforme inspirado na bandeira das estrelas e listras e botas de bucaneiro. Quando finalmente entra em ação, o olhar realista se aproxima mais das reinterpretações cinematográficas recentes para estes personagens originalmente feitos para agradar um público de 12 anos (outra fala explícita do filme). Acertar este tom, algo considerado indispensável pelos fãs hoje em dia, é o que Joe Johnston e equipe conseguiram.

12 comentários:

Guto Fernandes disse...

Ótima resenha, Romeu!

Confesso que desde que vi os primeiros filmes feitos para os super-heróis da Marvel, vide Quarteto Fantástico, Hulk e X-Men, fiquei um pouco receoso dos outros. Ao anunciarem Homem de Ferro veio aquela sensação de medo extremo por conta do estrago que eles poderiam vir a causar, mas para felicidade dos fãs tivemos uma trabalho competente em ambos.

E os últimos lançamentos, Thor e X-men First Class meio que confirmam essa expectativa positiva que podemos ter quanto aos futuros filmes, principalmente em relação ao estelar "Os Vingadores".

Pelo seu texto deu pra sentir que o filme do Capitão América foi muito bem desenvolvido e teve uma trama coerente para dar sequência aos eventos que virão pós-Vingadores.

Parabéns, meu caro! E como eu já lhe disse, é boa essa vida de jornalista às vezes, rsr. Abraços!

Romeu Martins disse...

É bom, mas às vezes temos que encarar uma bombas que só o dever do ofício explicam ;-) Brigadão, acho que você vai gostar bastante deste filme e, também acho, depois que passarem as obrigações de apresentar os personagens e preparar terreno para Vingadores, filmes ainda melhores virão.

Cirilo S. Lemos disse...

Grande resenha, como sempre. Gostei da comparação com os monstros da Universal (que não deve incluir o Bispo chupa-sangue, hehe).

Romeu Martins disse...

Dá para comparar com os Monstros da Universal e com aqueles saudosos bangue-bangue de elencos estelares que fazem tanta falta nos cinemas...

Nikelen Witter disse...

Ótima resenha, Romeu.
Me incentivou a ver um filme sobre o qual estava bem reticente. Um único adendo. Não acho que tenha sido Matrix a revelar o excelente Hugo Weaving, mas "Priscila, a rainha do deserto" em que ele faz o líder de um troupe de Drag Queens (com os tb fantásticos Terence Stamp e Guy Pierce). Desde então, é um ator que acumula dignidade nos papéis que representa. Confesso que quando vi seu nome como Caveira Vermelha é que coloquei algumas fichas no filme.
De resto, concordo com vocês especialmente na avaliação do Hulk. Talvez eu pense de uma forma ultrapassada, mas acho que, naqueles filmes a tecnologia do cinema acabou jogando contra a personagem. E os roteiros também, claro.
Abraço

Romeu Martins disse...

Opa, é verdade, estava pensando em termos de filmes mais... pop-super-heroísticos, mas não dá para se esquecer da carreira dele pré-Matrix!

Cirilo S. Lemos disse...

Tá falando de crossovers do tipo Django & Sartana? São legais.

Romeu Martins disse...

Isso, adoro crossover em todo tipo de mídia

Bruno Melo disse...

É? E de Alien vs Predador, tu gosta também? :P

Boa resenha sim, parabéns! Concordo quando você diz que Hugo Weaving tem um estilo especial de interpretação. Muita gente reverencia V de Vingança, por exemplo, sem saber que quem interpreta o V é ele, o que é uma pena.

Romeu Martins disse...

pô, alien e predador é apelação, mas confesso que sempre quis ver Robocop e Exterminador do Futuro nos cinemas...

Anônimo disse...

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Leonardo Peixoto disse...

Outro ótimo texto :)
Se quiser ver o encontro do Policial do Futuro com o T-800 , procure nos quadrinhos !