6.7.11

Semana Sherlockiana - Parte III: O conto

Tive o prazer de receber o convite para participar da primeira coletânea nacional dedicada àquele que deve ser o personagem mais marcante do período vitoriano; só superado pelo prazer ainda maior de ter o conto escrito para a ocasião selecionado para fazer parte de Sherlock Holmes - Aventuras Secretas. "O Caso do Desconhecido Íntimo" é, por vários motivos, um conto bem distinto daqueles cometidos por mim anteriormente, feito sem os meus truques usuais de humor, cinismo ou ação. Tão diferente que foi chamado de melancólico por um beta reader e de profundo por outra, bem escolados nas minhas histórias curtas. Dá para apontar influências claras no texto, que com menos de 5 mil palavras deve ser um dos mais curtos do livro.

Uma delas rendeu uma homenagem a um autor americano e deve ser facilmente reconhecível; outros escritores mesmo sem a citação explícita talvez possam ser percebidos, como Nicholas Meyer, outro americano; o escocês Grant Morrison; o inglês Alan Moore; o espanhol Félix J. Palma; e outros mais. Acredito que a influência mais forte mesmo para o tom assumido no conto foi o fim de um namoro, mas aí já é especulação demais e que ultrapassa as finalidades deste post. O que quero registrar é o fato de ser um texto sui generis da minha coleção e que estou verdadeiramente curioso para saber como ele vai ser recebido fora do círculo sempre confiável dos meus leitores-cobaia. Ainda mais por ele estar posicionado ao lado de escritores todos bem mais experientes que este blogueiro, dotados de um ferramental ficcional bem mais azeitado e diversificado. Para o meio desta Semana Sherlockiana, separei o trecho inicial do conto para postar por aqui.



O caso do desconhecido íntimo

Foi com ar melancólico que dispensei o cabriolé alugado, diante do hospital onde iria encontrar um homem que, esta era minha impressão naquele momento, poderia ter sido o amigo mais íntimo que jamais tive. A melancolia não dizia respeito à proximidade das festas natalinas, que se misturava ao frio enregelante do fim de tarde. Não eram as cobranças familiares, nem as movimentações das compras de fim de ano que me ocupavam a mente naquele dia. Também não era a pobreza ao meu redor, no bairro mais mal afamado de Londres. Nada disso. As sombras que me caíam sobre a cabeça nada tinham a ver com preocupações cotidianas da grande maioria das pessoas que eu conhecia.

A angústia que sentia, enquanto me encolhia dentro de meu casacão e caminhava por uma trilha até a portaria do prédio centenário, não dizia respeito ao mundo em que eu vivia, mas sim a outro, que poderia ter havido.

Passei pelo pórtico e quase fui pisoteado pelos médicos e enfermeiras que davam plantão no Hospital de Londres, em uma correria aparentemente desorganizada para atender uma ainda maior multidão de pacientes. Ali, na zona sul de Whitechapel Road, entre as explosões de violência que acometem prostitutas e marinheiros bêbados, o que não faltavam eram pessoas a serem remendadas. Já havia tido minha experiência em hospitais, mas nada que se comparasse àquilo. Por isso mesmo, tratei de ficar o mais longe possível do trajeto dos profissionais e, ao mesmo tempo, erguia a cabeça à procura de um rosto vagamente conhecido.

Preciso fazer justiça: o médico esperado não demorou a aparecer. Ele reconheceu meu sem-jeito de longe e veio em minha direção com o braço erguido, o que me fez pular do canto onde estava para saudá-lo, como faria a alguém que me trouxesse uma corda em caso de afogamento:

– Doutor Stamford, há quanto tempo não nos víamos? Desde meus dias estudando, por conta própria, nos laboratórios do primeiro hospital em que o senhor trabalhava, não?

Um comentário:

GUSTAVO disse...

Legal... louco pela estréia no livro.