25.1.11

As vilãs brasileiras de Sherlock Holmes

Vai haver um texto de brasileiro na edição de inverno de um dos periódicos mais renomados quanto à divulgação e ao estudo da obra de Arthur Conan Doyle (1859-1930). Carlos Orsi, jornalista especializado em C&T e um dos melhores escritores de FC do país, é o articulista que teve um texto aprovado pelos Baker Street Irregulars para figurar no The Baker Street Journal. O tema do artigo do paulista é, como vai se ver, do meu maior interesse: The Brazilian Villainesses  of the Canon ("As Vilãs Brasileiras do Cânone"). O Cânone, no caso, são as histórias escritas pelo criador do detetive mais famoso da literarura. A análise de Orsi foi sobre a vilã descrita desta forma pelo inseparável Watson:



Apresentava um ar tão brejeiro, tão fora do comum, exibindo ali diante de nós seu sorriso de desafio, que me pareceu que, de todos os criminosos de Holmes, era aquele o que ele acharia mais difícil de enfrentar.

Vou citar o próprio Orsi em seu novo blog, dedicado principalmente à divulgação científica:

Meu artigo faz parte daquilo que os aficionados por Holmes chamam de "O Grande Jogo" -- uma espécie de Role Playing Game acadêmico onde os autores fingem que os 56 contos e quatro romances estrelados por Holmes não são fruto da imaginação de Sir Arthur Conan Doyle, mas sim fragmentos das memórias de um homem real, o médico John H. Watson, a respeito de outro ser humano de carne e osso, o Sr. Sherlock Holmes.

O que torna o "jogo" divertido é o fato de os textos de Doyle estarem repletos de contradições, erros e imprecisões. O ferimento à bala sofrido por Watson durante a guerra no Afeganistão, por exemplo, aparece às vezes no braço, às vezes  na perna; Holmes diz ter escapado da morte em 1891 usando uma arte marcial que só foi inventada em 1898;  as regras do turfe usadas no conto Estrela de Prata simplesmente não são as regras verdadeiras das corridas de cavalo; e assim por diante.

(Meu artigo trata de demonstrar, entre outras coisas, como Isadora Klein, a vilã brasileira de As Três Empenas, pode ser membro de uma família "de conquistadores espanhóis que são líderes de Pernambuco há séculos".)

Uma curiosidade para os leitores brasileiros é que, se dependesse apenas da tradução mais conhecida do conto por aqui, não seria possível saber que a personagem em questão é nossa conterrânea. Tudo por conta da intenção de corrigir aquela informação que virou tema do paper de Orsi. Se não, vejamos, no original está escrito:

Exactly! But does the name Isadora Klein convey nothing to you? She was, of course, the celebrated beauty. There was never a woman to touch her. She is pure Spanish, the real blood of the masterfui Conquistadors, and her people have been leaders in Pernambuco for generations. She married the aged German sugar king, Klein, and presently found herself the richest as well as the most lovely widow upon earth. Then there was an interval of adventure when she pleased her own tastes. She had several lovers, and Douglas Maberley, one of the most striking men in London, was one of them.

na tradução de Hamílcar de Garcia ficou assim:

Sem tirar nem pôr. Mas o nome de Isadora Klein não lhe sugere nada? Ela foi sem dúvida uma famosa beldade. Não havia mulher que com ela competisse. É espanhola da gema, do sangue real dos poderosos conquistadores que dominaram as Américas durante várias gerações. Isadora desposou o idoso alemão Klein, rei do açúcar, e pouco depois era, ao mesmo tempo, a mais rica e a mais linda viúva da terra. Houve então um intervalo de aventura durante o qual ela satisfazia todos os seus gostos. Teve vários amantes, e um deles foi Douglas Maberley, um dos homens mais belos de Londres.

Então, o artigo de Carlos Orsi  pode ter essa dupla função: apresentar a muitos leitores de Sherlock Holmes a verdadeira nacionalidade de uma personagem que o preciosismo editorial brasileiro ocultou e ainda dar uma explicação possível para um aparente erro de Conan Doyle. Por isso mesmo, ele merece parabéns duplos! Mas como falei no começo do post, este é um assunto que me interessa há tempos. O que pode ser demonstrado por este tópico no Orkut em que discutimos o tema em novembro de 2006. Foi exatamente ali que tive meu primeiro contato com os escritores brasileiros de ficção científica e, como deve notar quem leu a noveleta, foi onde surgiu pela primeira vez o embrião de "Cidade Phantástica", na qual me apropriei de outra brasileira criada pelo pai de Sherlock Holmes.

9 comentários:

Anônimo disse...

adoreiiiii! quero ler esse artigo do Orsi *-*

o que uma tradução mal feita não faz né?!

Romeu Martins disse...

Detesto quando tradutores e editores tomam essas liberdades com os textos originais... Uma nota de rodapé é muito mais honesto que essas adaptações feitas nas coxas :-(

Cirilo disse...

Sherlock é um dos meus três personagens favoritos. O Grande Jogo é o que há de mais divertido em Holmes, principalmente a questão Reichenbach (se for assim que se escreve...). Já passei muitas horas vasculhando sites obscuros da rede em busca de coisas novas sobre as teorias em torno do cânone. Estou trabalhando numa FA holmesiana cujos títulos possíveis incluem... O Grande Jogo. :D

Romeu Martins disse...

Holmes é um personagem maior que seu criador, tão grande quanto a vida, talvez maior...

Quero ler essa FA, Cirilo

Cirilo disse...

Claro. Te mostro assim que concluir.

Romeu Martins disse...

Opa, massa!

@Rodrigo_Motta disse...

Nunca tinha ouvido falar de "O Grande Jogo". Agora tudo faz sentido pra mim. ;D Genial.

Romeu Martins disse...

Haha, muito legal, hein? Não é a toa que tanta gente se confunde a respeito de Sherlock Holmes ter ou não existido ;-)

Leonardo Peixoto disse...

Como fã de Sherlock Holmes , acho que vai gostar dessa animação onde o famoso detetive britânico volta a vida ... no futuro , http://www.dscartoons.com/2016/03/sherlock-holmes-no-seculo-22.html .