30.6.11

Toy Story

Iniciei o mês e a última resenha postada por aqui dizendo o seguinte:

Para começar esta resenha, vamos logo tirar uma questão de definições de gênero da frente. Naquele meu post sobre as diversas nomenclaturas para retrofuturismo, temos uma que se encaixa perfeitamente emX-Men - Primeira Classe, filme que estreia na próxima sexta-feira nos cinemas brasileiros e que pude ver na cabine de imprensa promovida pela rede Cinesystem, no Shopping Iguatemi de Florianópolis:
Transistorpunk. Continuando com a lista de Remy, temos esse subgênero que diz respeito a “uma exagerada e glamourizada sociedade da era da Guerra Fria”. Influenciado pelos ideais e modismos da década de 1960, o Transistorpunk também pode ser chamado de "Psychedelipunk" ou "Weedpunk", quando enfatiza elementos psicodélicos ou “tecnologias à base de cânhamo”.

A rigor, o que valia para o filme dos X-Men vale também para o trailer mais conhecido do filme que vi nesta quarta, na cabine organizada na mesma rede de cinemas.  A curta sequência mostrava astronautas americanos da primeira missão tripulada à Lua descobrindo, cumprindo ordens Top Secret paralelas ao espetáculo exibido em rede mundial de TV, uma nave espacial alienígena espatifada em nosso satélite. De forma curiosa então, o terceiro filme da franquia baseada em carros-robôs de brinquedo chegava aos cinemas com uma proposta aparentemente igual ao quarto da outra franquia inspirada nos adolescentes mutantes dos gibis. Com aqueles poucos segundos de projeção, em uma reconstituição de época muito interessante, o trailer de Transformers - O lado oculto da Lua já era sozinho bem superior aos dois filmes anteriores dirigido pelo mesmo histriônico Michael Bay. Meu medo é que aquilo fosse material de propaganda e não fizesse realmente parte da produção, agora rendida ao modismo do 3d. O primeiro alívio foi constatar que fazia, sim, a reconstituição sessentista está mesmo lá, ocupando todos os minutos iniciais da nova montagem. Um trabalho apurado que une imagens de época, filmes de arquivo com JFK, Richard Nixon, algo bem distinto do que já havíamos visto anteriormente. Então, corta...

...vamos para um big close em monumental efeito tridimensional da bunda usando apenas uma calcinha da substituta da pin up Megan Fox - defenestrada da trilogia pelas críticas ao produtor Steven Spielberg, o que ainda lhe rendeu umas piadinhas maldosas nos momentos seguintes - e pronto. Estamos iniciando o caminho de volta ao universo conhecido de Michael Bay. Quando a bunda chega até o protagonista humano, Sam, novamente vivido por Shia LaBeouf, não podemos mais ter dúvidas. Receberemos pela frente mais de duas horas com piadas jogadas em nossos ouvidos em ritmo hipersônico, explosões ensurdecedoras, robôs ainda maiores e mais elaborados, propaganda do exército americano, planos em contra-luz, uma montagem que, felizmente, será a experiência mais próxima de um ataque epilético que a maioria de nós deverá experimentar na vida. Tudo aquilo que alimenta o amor e o ódio que faixas distintas de público dedicam aquele diretor que, de tanto ouvir as mesmas críticas aos seus maneirismos, já havia anunciado ter desistido de vez do cinema de ação.

O que posso dizer é que o apoteótico terço final deste filme é a maior prova possível de que tal declaração vale tanto quanto as teorias conspiratórias de que o homem nunca foi à Lua. Numa sequência alucinada e atentatória a nossos tímpanos, em longuíssimas dezenas de minutos, a cidade de Chicago passa a ser arrasada de forma a fazer inveja aos piores momentos cinematográficos de Nova Iorque. Arranha-céus são serrados feito árvores, mísseis destroem pontes, humanos são detalhadamente pulverizados, um Chtulhu de metal é invocado para ajudar no ritual selvagem de metropolicídio em meio à batalha de robôs contra robôs e de humanos contra robôs  somada a de humano contra humano que vemos tudo ao mesmo tempo agora enquanto algumas de nossas sinapses criam calos pelo esforço de acompanhar tamanha overdose informacional. Bay mentiu e voltou em grande estilo para delírio de uns e agonia de outros tantos.



Nada, absolutamente nada após aquelas cenas quase bucólicas da conquista lunar segue um ritmo que poderíamos considerar dentro da normalidade mesmo nos padrões mais acelerados da maioria dos cineastas vindos de Hollywood. Para Bay, mesmo uma cena corriqueira, como, digamos, algumas pessoas irem até um bar controlado por ex-cosmonautas, agindo como neomafiosos russos, para obter informações pode acabar com algo menos que um impasse armado. Ou uma ainda mais corriqueira sequência estilo Garganta Profunda,  na qual alguém arrependido de ter participado de uma tramóia repassa uma dica a outra, pode sair ilesa sem avalanches de humorismo entre o escatológico e o constrangedor. Para se ter noção do que estou falando, neste último exemplo quem faz o tipo arrependido é o asiático dos dois Se beber não case, praticamente repetindo o personagem e os trejeitos daquelas comédias. Apesar disso, ele está tão dentro do contexto a ponto de não ser um alívio cômico passageiro; ele bem pode ser encarado como apenas mais um coadjuvante que acompanha o ritmo sem pausas de toda a película. Há momentos cômicos no filme, mas não há nada que possa ser chamado de alívio durante toda a duração do longa-metragem.

Mas há, verdade seja dita, um fiapo de trama a sustentar tamanha concentração de gags e de hecatombe movida a diesel (ou o equivalente fictício que enche o tanque daquelas máquinas, o energon). A tal nave caída na Lua era pilotada por um antigo autobot (os robôs do bem), chamado Sentinel Prime e dublado por Leonard Nimoy (o que explica as piadas e as referências explícitas ao vulcano Spock e ao seriado Star Trek antes da aparição do personagem) que trazia com ele objetos capazes de criar um sistema de teleporte cobiçado pelos Decepticons (os robôs do mal). Paralelo a isso, vemos mais um capítulo da jornada de amadurecimento do tal Sam, amigo dos Autobots, que no primeiro filme se formava no colegial e descolava o primeiro carro, no segundo entrava para a faculdade e aqui tem que se virar para conseguir emprego. Sei que parece pouco, que acaba sendo redundante por repetir as mesmíssimas mensagens de como os robôs do bem são leais aos terráqueos, como os do mal não são confiáveis, como o exército tem capacidade de se virar mesmo contra o pior dos inimigos. Mas ainda assim, é o melhor filme da franquia.

O que não quer dizer que seja o melhor filme já feito com esses bonecos criados pela Hasbro. A melhor produção de verdade ainda é o longa animado de 1986, Transformers, o filme, que injustamente não é tão lembrado e reconhecido como deveria por seu papel desbravador em termos de animação para o cinema voltada a um público maior do que aquele chamado de infantil. As cenas de 25 anos atrás de Megatron (o líder do mal) logo no primeiro ato da película matando Optimus (o líder do bem) foram de uma coragem e tanto para época. Aquele filme oitentista é mais conhecido pelos estudiosos do cinema por ter sido o último trabalho de ninguém menos que Orson Welles, mitológico diretor de Cidadão Kane, que na ocasião dublou algo que podemos definir sem problema algum de um planeta que se transforma em robô. A frase dele respondendo do que se tratava aquele filme ainda se encaixa à perfeição em tudo o que foi feito desde então com tais personagens, principalmente quanto por trás das câmeras se encontra Michael Bay: "São brinquedos que fazem coisas horríveis com outros brinquedos". Isso resume tudo o que você precisa saber, acredite.

Um comentário:

Leonardo Peixoto disse...

Seria muito interessante se você fizesse um novo artigo sobre nomenclaturas para retrofuturismo , como o Capepunk e o Bible Punk .