Em um dos posts mais visitados deste blog pode ser lido o seguinte: “Este termo, cunhado pelos game designers Lewis Pollak e Dan Ross para o RPG Children of the Sun, indica uma civilização da era industrial com futurística tecnologia à base de petróleo”. O termo em questão que servia para batizar o gênero de um videogame de 2002 é o mesmo a batizar uma obra literária de 2011, que não apenas dá continuidade à bem sucedida saga nacional de especulação retrofuturista como é, até onde sei, a pioneira do mundo em sua categoria. Dieselpunk – Arquivos confidenciais de uma bela época é a segunda coletânea de uma anunciada trilogia de livros da editora Draco, sempre organizados pelo escritor carioca Gerson Lodi-Ribeiro, a trazer para ambientações lusobrasileiras os conceitos dessas diferentes formas de imaginar o mundo a partir da adoção de tecnologias revolucionárias. O primeiro deles foi Vaporpunk – Relatos steampunk publicados sob as ordens de Sua Majestade, um legítimo exemplar da cultura steamer a que mais tem se desenvolvido no Brasil e no exterior; o terceiro vai se chamar Solarpunk e já teve suas regras para participação dos escritores divulgadas. Este novo livro é de fato uma contribuição e tanto, com seu ineditismo em compilar em um mesmo livro noveletas dentro daquele cenário que une a era industrial da primeira metade do século XX com as tais tecnologias futurísticas a base de combustíveis fósseis. Ponto para o Brasil, para a editora Draco e para os autores reunidos nestas 384 páginas.
Da mesma forma que na resenha que escrevi para o primeiro livro desta trilogia, acho que o melhor é começar os comentários pela capa, mais uma vez a cargo do dono da editora, Erick Santos Cardoso ou, como ele assina seus trabalhos gráficos, Ericksama. Ele conseguiu o feito de ao mesmo tempo manter uma coerência com a obra anterior e o de dar uma identidade toda própria e adequada à nova proposta. Desta forma, está mantida a ideia básica de uma espécie de tela na qual se visualiza uma paisagem típica dos mundos que encontraremos no interior do livro; tela esta emoldurada por vários elementos condizentes com a estética do gênero em questão. A parte da atualização surge logo de cara na alteração de tais elementos: saem as letras serifadas, as engrenagens e o cobre de Vaporpunk para em seu lugar entrar uma elegante fonte de linhas verticalmente alongadas, tudo em um cinza marmóreo e cheio de padrões geométricos. Já naquela tela, no lugar do Rio de Janeiro do século XIX, podemos ver os espigões de uma São Paulo da primeira metade do século seguinte, com aviões mais pesados que o ar voando sobre eles e disparando as luzes perscrutadoras de holofotes. A embalagem já evoca um clima que vai desde o de outro viedogame, este mais recente, Bioshock (a partir de 2006); o de um clássico do cinema daquele mesmo período histórico retratado ali, Metrópolis, de Fritz Lang; ou ainda de Batman, the animated series, de fins dos anos 80. Mais um ponto para editora.
Agora, de nada adiantariam propostas inovadoras e um formato adequado se o conteúdo não fosse trabalhado com o mesmo cuidado. Felizmente, como é próprio das obras organizadas por Lodi-Ribeiro, este é um motivo para um terceiro ponto, pois quase todos os trabalhos que fazem parte do livro são de alta qualidade. Isso já pode ser visto logo desde o início pela noveleta que abre Dieselpunk, de autoria do jornalista Carlos Orsi, que também estava presente em Vaporpunk. “Fúria do Escorpião Azul” parece ter sido que mais inspirou aquela cena paulistana da capa da antologia, descrita no parágrafo anterior. Historicamente alterada por uma revolução de moldes stalinistas, a São Paulo reinventada por esse paulista de Jundiaí tem aquele mesmo ar opressor, estranho e reconhecível que embala o livro. Da mesma maneira que os autores do mais velho dos gêneros punk, o cyber, viam com descrença um futuro inspirado pelas ideias políticas e econômicas ultraliberais de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, este brasileiro dieselpunker volta sua crítica à burocracia das economias planificadas, à violência das ditaduras do proletariado e à corrupção da nomenklatura do partido único.
Assumidamente inspirado nas histórias que Novell Page escreveu para o herói pulp Spider, Orsi criou seu próprio vigilante mascarado que, utilizando muita tecnologia retrofuturista, rebela-se contra o sistema que tomou conta do país. O Escorpião Azul do título enfrenta os homens armados da DPE, a famigerada Diretoria Política do Estado, usando dardos envenenados, lentes de visão noturna, seu próprio dirigível negro. Tudo descrito na prosa de um dos melhores escritores da literatura especulativa nacional, que nesta sua noveleta (cujo cenário espero ver sendo explorado mais vezes no futuro) emprega uma narrativa bastante entrecortada, saltando e voltando no tempo sempre que a trama agitada pede. O único momento em que ele acelera demais é justamente no final, quando encerra todos os subplots muito rapidamente, quase atropelando o leitor com tantas informações nas últimas páginas. A revelação da identidade do protagonista, por exemplo, é tão pouco surpreendente que poderia ter sido dada logo de início sem prejuízo algum para o resultado final do texto.
O steampunk tem um subgênero erótico conhecido como steamypunk. O conto seguinte do livro, “Grande G”, do também paulista, e publicitário, Tibor Moricz poderia inaugurar algo semelhante dentro da estética dieselpunk (para ficar nos trocadilhos, talvez algo com “trocando o óleo” fosse adequado). Mas há bem pouco de dieselpunk no texto que trocou as possibilidades da especulação próprias da FC pelas alegóricas cidades rivais de Smoke City e Steam City, e por um motor que, de algum modo não explicado, alia as mecânicas tradicional e a quântica. Sim, Smoke City, Steam City, o autor foi o único a dispensar a proposta da obra de se utilizar de cenários nacionais para voltar a insistir em localidades com nomes assim, de tamanha obviedade, exatamente da mesma forma que fez em seu romance mais recente, também publicado pela Draco. Em O Peregrino já havia o trio Downtown, Middletown e Uptown emprestando a mesma consistência de isopor e papelão ao cenário que pode ser vista aqui. E quanto ao sexo, é tudo feito de maneira de tal sorte hiperbólica e ao mesmo tempo com tão pouca profundidade que não causa impacto algum, diferentemente de um romance anterior de Moricz, construído por contos compartilhando a mesma ambientação, Fome, lançado pela Tarja Editorial. Com personagens príapicos e ninfomaníacas, que não se inibem em conjugar o verbo foder mas fazem questão de usar palavras como vagina e ânus mesmo nos momentos de maior tensão, o resultado empata em termos de constrangimento com alguma pornochanchada. Estou exagerando? O que dizer do seguinte trecho de diálogo: “a vagabunda tinha uma vagina quente e apertada, tão apertada quanto o ânus de ambas”?
Se ao menos a linguagem empregada no texto fosse mais cuidadosa poderia ser perdoada a falta que fazem uma especulação consistente, um cenário interessante, personagens relevantes e uma trama menos previsível. Mas não é bem o caso, como já entrega aquela quadruplamente redundante frase da primeira página do conto (e a 57 do livro): “Pináculos gigantes se alongavam em direção ao céu”. Entre expressões clichês como o “olhar repleto de significado” da página 73 que volta como “olhares cheios de significado” na 83 (a última do conto), a esperança de que pelo menos a forma se sobreponha ao conteúdo acaba perdida de vez. Se fosse para usar uma expressão emprestada dos meios automobilísticos para descrever o resultado final da leitura seria “perda total”; ou, se for para citar a expressão que o próprio autor criou para criticar contos tão equivocados quanto este em seu blog, “triplo eca”. É uma pena que um escritor que começou de forma tão promissora em seu primeiro romance, Síndrome de Cérbero – apesar de um brutal erro de lógica interna já naquele trabalho de estreia – tenha se perdido em um caso aparente de autoparódia e de preguiça estilística como este.
Felizmente o nível volta a subir dali para frente e se mantém ao longo de todo o livro. Em particular com o texto seguinte que, se não é o maior em termos de páginas, é o recordista no tamanho do título com folga. “O dia em que Virgulino cortou o rabo da cobra sem fim com o chuço excomungado” é a contribuição do designer carioca Octavio Aragão para o livro, outro que também esteve presente na Vaporpunk. O Virgulino que aparece ali é ele mesmo, o cangaceiro Lampião, que nesta recriação não apenas aceita uma missão que lhe propuseram mesmo em nossa realidade – a de combater a Coluna Prestes em sua passagem pelo Nordeste, na década de 20 –, como ainda faz isso usando armamento inimaginavelmente avançado. Acontece que o mesmo arsenal, uma forma bastante radical de nanotecnologia, é oferecido aos revolucionários em marcha, o que por um lado serve para equilibrar a peleja, por outro pode trazer consequências drásticas àquele mundo alternativo. Os destaques ficam por conta da linguagem empregada na narrativa, emulando a fala nordestina com muita cor local, e na misteriosa origem dos artefatos extemporâneos que surgem na história. Sendo o autor natural do Rio de Janeiro e criador de um universo ficcional sobre viagens no tempo, a Intempol, fica a impressão de que há ali uma brincadeira particular dele com o personagem denominado Carioca.
No quarto texto da coletânea temos o Barão de Mauá, a serviço de Pedro, o Imperador do Brasil, usando tecnologia avançada financiada por sua fortuna para defender o país em uma guerra territorial com a Argentina. A sinopse de “Impávido Colosso”, do também publicitário e escritor paulista Hugo Vera, pode soar mais como um representante do punk a vapor do que como um movido a gasolina; e essa é mesmo a impressão que persiste até o final da noveleta. Como um carro que passa por uma lanternagem completa para aparentar ser de um modelo mais recente que sua estrutura interna realmente é, elementos mais apropriados ao imaginário steamer foram jogados literalmente duas gerações adiante, para os anos 40 do século XX, de forma a se adequarem ao período histórico e à temática do livro. Tanto o Barão de Mauá quanto o Imperador em questão são netos daqueles conhecidos da história real (no caso, o jovem Pedro III que aparece aqui é apenas o primeiro de uma sequência a surgir nesta coletânea). Apesar disso e de um elemento que pode deixar a narrativa datada dentro de pouco tempo – o nome escolhido para a agente paraguaia, aliada do império brasileiro na guerra contra os argentinos, que se trata de uma piada com a musa da última Copa do Mundo – a noveleta é muito boa, com seus autômatos portenhos e um gigante de metal saído da Mauá Indústria e Tecnologia (creio que a sigla possível desta empresa não seja mera obra do acaso). E isso é o que realmente interessa no fim das contas, como definiu o compilador no prefácio da obra: “na seleção das noveletas que compõem a Dieselpunk, levou-se em conta dois critérios principais: qualidade literária e de elementos típicos das temáticas steampunk e dieselpunk”.
E quem escreveu estas palavras, o organizador desta trilogia de antologias, ressurge como contista a seguir. Gerson Lodi-Ribeiro igualmente usa um ponto de divergência que também é mais próprio do steampunk em sua história alternativa “País da aviação”. O inventor americano Robert Fulton, pioneiro da navegação a vapor do final do século XVIII, ajuda o imperador Napoleão Bonaparte a reequipar a esquadra francesa de tal maneira que nem mesmo a Royal Navy comandada pelo almirante Nelson resiste ao embate do aço contra a madeira. Porém, aquele é apenas o ponto de partida, e após uma elipse (com o tempo contado segundo o calendário revolucionário dos gauleses) um outro Napoleão, bisneto do original, recebe mais inventores americanos na alvorada de um novo século para garantir a hegemonia agora dos céus. Em tempo: Napoleão deixou de ser apenas um nome próprio, e passou a ser empregado como um título honorífico, tal qual ocorrera com os Césares romanos. E da mesma forma, o Bonaparte do turno não é apenas o Imperador de um país, pois a era dos mandatários autocráticos ficou para trás, mas o responsável por uma estrutura administrativa internacional bem mais complexa em um dos melhores cenários já elaborados neste gênero no Brasil. Sem o recurso de elementos exteriores - como aquele vampiro da noveleta que ele publicou em Vaporpunk, por exemplo -, para os apreciadores mais puristas de HA esta nova noveleta de Lodi-Ribeiro, com suas divisões de tempo bem demarcadas, é um banquete, com entrada, prato principal e sobremesa. Se o romance Xochiquetzal – Uma princesa asteca entre os incas que ele lançou em 2009 inaugurando a editora mereceria ser traduzido para o espanhol, “País da aviação” deveria ser publicada em língua francesa sem demora, de preferência na forma de um novo romance ampliando os detalhes aqui delineados.
A sexta contribuição do livro, “Ao perdedor as baratas”, de autoria do jornalista paulista Antônio Luiz M.C. Costa, também é um cenário de história alternativa que já havia sido explorado anteriormente em outra coletânea, a Steampunk – Histórias de um passado extraordinário, da Tarja Editorial. Mas o conto de 2009 não foi a primeira incursão neste universo que o escritor chama de “Outros 500”: nove anos antes o cenário básico havia surgido em um ensaio para a revista onde ele trabalha, a CartaCapital, imaginando como seria o Brasil e o mundo caso Dom Sebastião não houvesse desaparecido no Marrocos em 1578, deixando para trás o trono português vago e uma crise dinástica que levou ao processo de decadência daquele reino. Um segundo conto na mesma ambientação foi publicado de forma on line e já recebeu comentários neste blog. Em Dieselpunk, por sua vez, vemos como seria o século XX daquele mundo em uma disputa eleitoral na república brasileira alternativa. Se em “A flor do estrume”, o texto de 2009, havia uma interação de diferentes personagens de Machado de Assis, nesta noveleta, apesar de o título ser uma paráfrase da expressão machadiana “ao vencedor, as batatas”, as criaturas literárias são de outros autores, entre eles, mais notadamente Clarice Lispector e Franz Kafka, convivendo com algumas personalidades históricas.
“Ao perdedor, as baratas” é quase uma visão em negativo do texto de Carlos Orsi que abre a coletânea. O que era visto com ceticismo pelo primeiro, um governo de moldes comunistas no Brasil, é apresentado mais do que de forma utópica, praticamente com caráter publicitário aqui. Com personagens discursando a cada oportunidade sobre as vantagens de tal regime; cenas como a do garoto pobre que recusa uma gorjeta e mais tarde se forma um profissional médico; ou ainda na nomenclatura de órgãos como os conselhos de Solidariedade Mútua, de Ajuda Econômica Mútua, de Amizade e Segurança Comum e de Cooperação Científica e Cultural, o texto chega em alguns pontos bem perto de se igualar à utopia de João Ventura que fechou Vaporpunk. E isso não é um elogio. Além disso, este texto também parece um reflexo invertido em relação a do de seu colega jornalista em outro ponto. Se Orsi acelerou demais perto do fim, Costa ao contrário alonga demais uma situação ao final, quando a trama em si já estava encerrada, de um modo bastante angustiante para o leitor. Parece que o autor não quis deixar passar a oportunidade de fazer uma última interação literária e usa espaço demais nisso, explicando excessivamente o que deveria ser apenas um detalhe. Espaço que poderia ser empregado em mais tecnologias de caráter retrofuturista, por exemplo, que tiveram pouca participação na história.
Explicar demais não é um problema da noveleta seguinte, “Auto do extermínio”, de Cirilo Lemos, professor de história do Rio de Janeiro que, aos 29 anos, é o mais jovem dos escritores reunidos neste livro. Aqui também há um conflito envolvendo a transição do poder no Brasil, mas não uma eleição, pois voltamos a ver um país monárquico nestas páginas. Mais do que isso, é o segundo D. Pedo III da coletânea, desta vez um monarca muito idoso e que pode morrer antes de deixar um herdeiro oficial para usar sua coroa. Novamente, forças externas (e internas) intervêm nos acontecimentos para tentar influenciar o rumo de um Império no qual grupos integralistas e comunistas ameaçam tomar o poder. Manipulado pelos acontecimentos, um homem que divide seu tempo tentando criar o filho e agindo como um matador profissional, se envolve num atentado político que tumultua ainda mais a situação. Para deixar as coisas ainda mais interessantes, tanto ele quanto seu garoto são assombrados por estranhas visões: o adulto pelas de uma santa, o jovem por um super-herói de revistas pulp, o que empresta um ar de fantasia urbana misturada com elementos de alta tecnologia. Sem dúvida, o texto com a pegada mais exótica da coleção.
A penúltima noveleta é a terceira a contar com um D. Pedro III em todo o livro, dando conta de como histórias sobre impérios brasileiros alternativos fazem mesmo parte do imaginário de nossos escritores. “Cobra de Fogo”, do editor gráfico de São Paulo Sid Castro, é a história mais empolgante e divertida do livro e a que melhor emprega as possibilidades do gênero quando se pensa no básico do dieselpunk: enormes veículos movidos a óleo diesel em um mundo vagamente semelhante ao do início do século XX. O autor oferece exatamente isso, uma corrida maluca entre gigantescas locomotivas que correm fora de trilhos, por terra, céu e mar, se preciso for. Na disputa, que ocorre em torno do globo, a posse territorial da Amazônia. Tal corrida é a forma que a Liga das Nações encontrou para decidir conflitos entre as diversas potências de uma realidade em que a posse de artefatos nucleares levou a um impasse conhecido como Pax Atomica. Neste mundo, o “Grande Crack de 29” não foi apenas uma crise econômica, como no nosso, ele dá nome ao início de um ataque que começou por Manhattam e no qual Hiroshima, numa ironia cruel, foi a última das cidades bombardeadas com aquele tipo de armamento.
Sid Castro criou uma história que é bastante leve, mas sem descuidar em nenhum momento na motivação dos personagens e na dos países e impérios que eles representam. Por trás de cada um dos pilotos incríveis e de suas máquinas extraordinárias – às vezes até mesmo na ambientação e nos intertítulos engraçadinhos –, um festival de referências, quase sempre cinematográficas, aguarda os leitores. Vamos unir agora dois fatos. Primeiro: na lista de antigas atividades do autor publicada ao final do livro estão incluídas as de ex-chargista e de ex-quadrinista (ele produziu roteiros e desenhos para revistas nacionais como Calafrio e Mestres do Terror); e segundo: a Draco vai estrear brevemente um selo dedicado às HQs com um álbum do citado Octavio Aragão e sua Intempol. Fica aqui uma sugestão, pois seria ótimo ver as locomotivas M’Boitatá, do Império do Brazil, General Lee, do Estados Confederados da América, Potenkim, da União Soviética, Yamato, do Japão, e todas as outras em uma graphic novel com o selo do dragão na capa.
Para encerrar a antologia, a presença internacional que também fez parte de Vaporpunk (e não apenas parte, pois foi o autor da melhor peça daquele primeiro livro). Jorge Candeias é um tradutor português que se tornou recentemente best seller no Brasil com suas versões para os livros da série de fantasia Game of Thrones. Nesta nova oportunidade, ele retoma o universo da noveleta anterior, “Unidade em chamas”, no qual as invenções aladas do padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão foram adotadas em Portugal revolucionando a maneira daquele país guerrear contra seus adversários. Em “Só a morte te resgata” as passarolas não apenas estão mais evoluídas com o passar dos anos decorridos entre uma história e outra; agora elas são acompanhadas de veículos aéreos mais rápidos e mais ágeis, chamados de albatrozes. O protagonista agora é o piloto de um desses últimos - um brasileiro que, apesar da descendência lusitana, luta pelo lado inimigo, uma confederação de países como França e Alemanha. Jeferson é o nome do rapaz, não que ele deixe de usar outras identidades ao longo da trama, que faz a opção de combater o país de seus antepassados motivado basicamente por racismo.
É na mente de um personagem de tal sorte controverso que Candeias nos faz mergulhar ao longo de toda sua história. Desde os momentos iniciais, quando Jeferson aparece em suas missões de voo, até a longa jornada de retorno ao Brasil, feita de maneira clandestina, envolvendo situações típicas de contos de espionagem, logo após ele receber uma misteriosa correspondência capaz de obrigá-lo a refazer todos os seus planos. Escrita de forma esmerada, com cuidado especial para os aspectos emocionais porém sem cair nas armadilhas da pieguice, a noveleta é um dos pontos altos do livro, deixando quem acompanhou esta e a história anterior ansioso por saber ainda mais deste mundo de Candeias. Numa nota à margem, não posso deixar de comentar o quanto o fato de ver pela primeira vez minha Florianópolis natal – aqui ainda chamada pelo nome antigo de Nossa Senhora do Desterro – em uma obra retrofuturista, e isto se dar pelas mãos de um autor estrangeiro, me faz pensar no quanto tem sido de fato enriquecedora a experiência que a cultura steamer tem alcançado em terras lusófonas nos últimos anos. Que tal experiência não pare por aqui e continue dando um resultado tão bom quanto este.
Revisitando mais uma vez a minha resenha de Vaporpunk, afirmei algo na ocasião que se era verdade para aquele livro, passa a ser para este. Eu disse que o primeiro, com seus oito textos, já havia sido a coletânea nacional – ou binacional, no caso – mais equilibrada que tivera a chance de ler. Pois eis que Dieselpunk – Arquivos confidenciais de uma bela época a supera neste quesito: a qualidade geral das nove narrativas reunidas neste segundo momento é ainda mais elevada e mais bem dosada. Mais não fosse, o pior conto daquela primeira antologia era bem maior, nesta, é o menor de todos, e os demais estão, na média, ainda melhores que seus antecessores. Um outro ponto a se acrescentar naquele placar. O sucesso das duas empreitadas aumenta a expectativa em relação a Solarpunk, o livro a sair em meados de 2012 e que encerrará este ciclo, desde a curiosidade em relação à cidade que estampará a capa – Manaus? Brasília? Lisboa? – até a qualidade e a imaginação das noveletas que deverão traduzir para nosso contexto o greenpunk.
6 comentários:
Como uma resenha tão grande e complexa não tem comentários ainda? rs
Até mesmo pela temática esse não é o tipo de livro que me atrai imediatamente, mas ver uma resenha tão complexa e que ressalta a qualidade dos contos e também a da pesquisa desperta minha curiosidade de leitura. É bom saber que os critérios foram altos, jogando a qualidade no geral para cima (por mais que em toda coletânea haja pontos baixos e pontos altos, mesmo os pontos baixos dessa parecem acima da média do geral). Sei que o livro é recomendável a qualquer leitor que se interesse pelo tema, o que faz a experiência mais interessante.
Olá, Romeu. Excelente resenha sobre Dieselpunk. Fiquei contente com as referências à minha noveleta, Cobra de fogo. Depois que o A. L. Costa declarou que a mesma merecia ser transformada em filme, a sua sugestão de que ela poderia ser uma graphic novel, completou meu dia.
Uma curiosidade: ao nomear meus personagens, encontrei certa dificuldade em encontrar o nome ideal para o técnico que construiu o motor da locomotiva, assumidamente inspirado no mecânico Sparky, do Speed Racer. Então me lembrei do seu João Fumaça, no Steampunk, da Tarja, e nomeei o personagem de JD... João Diesel. Grato pela resenha e pela inspiração!
Sid Castro
Opa, Carol ;-) Acho que até pelo tamanho e a complexidade é que acaba inibindo comentários, hehe Brigadão por inaugurar a caixinha ;-)
Pois é, coletâneas temáticas podem causar mesmo um afastamento de quem não é imediatamente fã do gênero em questão, mas quando tudo corre bem, uma mesma temática é trabalhada em pontos de vistas diferentes e complementares... Na minha opinião foi o que aconteceu nesta antologia, que tem material para quem curte desde política até cinema; desde contos intimistas até entretenimento puro. Um equilíbrio bem complicado de se alcançar, sem dúvida, que depende de tantos fatores... Mas deu certo aqui, com certeza! Beijão!
Olá, Sid! Prazer em conhecê-lo ;-) Como o seu trabalho era o único dos nove autores que eu ainda não havia lido, era o que eu tinha mais curiosidade em ver no livro e certamente me surpreendeu! Adorei mesmo sua coletânea e, claro, seria ótimo ver aquela corrida maluca nos cinemas em uma suprerprodução! Mas acho que com sua experiência anterior de quadrinista e com a editora inaugurando um selo de HQs... bem, eu quero ler Cobra de Fogo, a graphic novel ;-)
Olha, muito legal saber a origem do nome do JD! Eu ia mesmo comentar que, além das locomotivas gostaria de ver o personagem para saber se ele tinha algum parentesco com o JF hehe... Como curiosidade, eu não tive tempo de escrever o roteiro que imaginei para a Dieselpunk, mas cheguei mesmo a pensar numa trama e em personagens. O protagonista seria um negro parrudo apelidado de Chico Betume e que seria conhecido pelos engenheiros mecânicos alemães de uma certa Plataforma Lobato por... Franz Diesel ;-)
Mãos à obra nessa HQ! Abraço
Acho que é um problema meu, mas é muito ruim ler essa fonte branca no fundo marrom. Só uma pequena reclamação.
Admiro seu trabalho, estou pesquisando sobre dieselpunk e vim aqui.
Abraços,
Só uma pequena correção: O termo Dieselpunk não foi cunhado de um videogame, o jogo "Children of the Sun" é um RPG de Mesa, ou RPG tradicional, jogado com fichas, papeis, lápis e dados...a moda antiga!
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