25.9.09

Amazônia Underground

Por Romeu Martins
Foto de Tom Banwell

Percy Harrison Fawcett me disse que sentia que ainda morreria na Amazônia. Caso eu não encontrasse um meio de ajudá-lo aquele seria o dia: o jovem explorador seria fatiado pelo homem contratado para guiá-lo naquela floresta. Torres tinha sido um caçador de negros muitos anos atrás, antes da abolição da escravatura no Brasil. Nunca confiei nele, com suas cicatrizes de cortes espalhadas pelo corpo, mas não esperava que o desgraçado fosse provocar a explosão do túnel, logo depois de deixar a caverna, me deixando desarmado e isolado. Sobrevivi porque o capacete protegeu minha cabeça do deslizamento.

As pedras barravam a passagem, deixando só uma fresta por onde eu enxergava o traidor ameaçar o garoto no lado de fora. Maldita hora em que J. Neil Gibson inventou aquela expedição! O americano ficou milionário por descobrir ouro na Amazônia quando jovem. Mas ele queria mais. Usou dinheiro para convencer o aventureiro inglês a buscar novas riquezas debaixo da mata. O ambicioso escravista brasileiro fazia o mesmo, mas usando um facão de lâmina larga, chamado machete: obrigava o rapaz a lhe contar a localização de um veio de diamantes.

Como me meti naquilo? Por sorte ou azar, conheci Gibson duas décadas atrás. Eu tinha acabado de entrar para a polícia ferroviária brasileira e salvei a vida dele no Rio de Janeiro. Minha recompensa, tantos anos depois: fez questão que eu participasse daquela empreitada. Como ele é senador nos EUA, influente junto à corte do Império do Brasil, virei voluntário contra a vontade. Todos me chamam de João Fumaça. Não é meu nome verdadeiro: minha mãe me deu à luz em um trem a vapor na Inglaterra. Sou conterrâneo de Fawcett, mas eu vim de um vilarejo chamado Wold Newton, cujo único acontecimento memorável foi uma pedra que despencou dos céus lá, 45 anos antes de meu nascimento.

Lembrar do meteorito me deu uma ideia. Como eu disse, a explosão me desarmara, tirando o capacete de exploração subterrânea, só me restava uma picareta. Ela não seria suficiente para abrir caminho pelas pedras, mas tenho meus truques. Os engenheiros que projetaram o capacete instalaram um tanque de oxigênio para eu respirar em ambientes fechados. Não era o caso daquela galeria, mesmo assim o cilindro seria útil. Eu o tirei das costas, desatei da mangueira que o prendia à máscara e o posicionei no buraco.

Sem aquela abertura eu ficaria na escuridão não fosse outra engenhosidade, a vela elétrica embutida no capacete. Graças ao brilho artificial, pude erguer a picareta e golpear a válvula de segurança do cilindro. Não foi o bastante. Provoquei faíscas que, não fossem os óculos de proteção, teriam furado meus olhos. Torres certamente ouvira o badalo. Meu segundo golpe teria que ser certeiro.

E foi: abriu o lacre e libertou o oxigênio comprimido. O assobio lembrava um furacão, como se fosse um foguete chinês, o tubo alçou voo. Meu projétil improvisado só parou depois de quebrar a coluna do assassino. Foi assim que Percy Harrison Fawcett sobreviveu à sua primeira aventura amazônica.

Um comentário:

Leonardo Peixoto disse...

Gostei da referência a obra de Philip José Farmer .
Existe uma versão completa desse conto ?
João Fumaça faz parte da Família de Wold Newton ?
Agora que J Neil Gibson entrou para a política , ele poderia alcançar a presidência americana ? Talvez com ajuda do Clube do Canhão ?