Ana Cristina Rodrigues, historiadora, escritora e fomentadora cultural da literatura fantástica nacional, deu uma verdadeira aula sobre o que chamou - com razão - de "novo hype da Ficção Especulativa brasileira", no caso o gênero abordado nesta casa, o Steampunk. No blog Ficção Científica e Afins, que vem a ser uma versão Wordpress da maior comunidade em português de FC, da qual ela é a atual dona e há tempos moderadora, Ana destrinchou o contexto por trás desta "novidade", que já tem um quarto de século se considerarmos apenas sua vertente mais bem acabada, apontou várias obras em diferentes mídias que seguem o estilo steamer e relacionou tudo com a realidade do Brasil.
Vou selecionar abaixo alguns trechos, mas recomendo enfaticamente uma lida na versão integral naquele blog.
Vou selecionar abaixo alguns trechos, mas recomendo enfaticamente uma lida na versão integral naquele blog.
Steampunk é um estilo dentro da Ficção Especulativa em que se reproduz uma Era Vitoriana ucrônica, com avanços tecnológicos baseados no vapor. E vejam bem. A ênfase não é exatamente no Vapor – ou um conto sobre a minha chaleira seria steampunk – mas principalmente no ambiente que envolvia a Londres da segunda metade do século XIX.
Agora, qual o interesse em reviver essa época da história britânica?(Sim, bonitinho, Era Vitoriana foi só nos domínios ingleses…)
A Era Vitoriana compreendeu os anos do longo reinado da rainha Vitória, que governou o Reino Unido entre 1837 e 1901. Até hoje, desperta saudades nos britânicos por ter sido um período de prosperidade – para uma camada populacional bem definida, uma classe média urbana e mercantil que ascendia socialmente – e de grande pujança para o Império Britânico, sobre o qual o Sol nunca se punha. (Ok, a frase original é sobre o Império Espanhol do século XVI, mas está valendo aqui também).
Literariamente, tínhamos dos cínicos cronistas do mundo enfumaçado como Dickens aos românticos crônicos como Tennyson. De um lado, a dura vida cotidiana de órfãos, do outro, a Idade Média adoçada, fundada por Walter Scott, uma época fundadora onde teria nascido o sentimento da nação no meio de justas, torneios e belas donzelas amorosas. E claro, a literatura aventurosa, como a de Robert Louis Stevenson, de piratas e tesouros, ou de H. R. Haggard e Rudyard Kipling, em que as estranhas terras dos domínios britânicos serviam de palco para a aventura de um grande herói.
Porque essa foi também a época das grandes explorações geográficas e dos aventureiros. A Oceania, a África, a Ásia e a América – abaixo do Rio Grande, pelo menos – eram os quintais dos corajosos britânicos, impelidos pelo ímpeto da necessidade de se conhecer o Mundo como um Todo, eliminando as incomodas ‘terras incognitas‘ que ainda apareciam nos mapas. A Sociedade Real de Geografia divulgava alvoroçada os descobrimentos e as novidades em seus boletins, ricamente ilustrados com gravuras de lugares exóticos e mapas o mais precisos que fosse possível. Florestas eram desbravadas, nascentes foram encontradas, tribos foram pacificadas (algumas nem tanto). Souvenirs eram trazidos: cocares, flechas, potes, pigmeus e cabeças tatuadas de maoris.
(Sério. Até uns anos atrás, o Museu da Quinta da Boa Vista tinha duas em exibição. Não estavam mais expostas na última vez que eu fui lá, mas fuçando na internet descobri que o governo da Nova Zelândia vem pedindo desde 2003 aos museus do mundo o repatriamento dessas lembranças macabras. Alguns atenderam, a França não quis abrir precedentes e a cabeça da foto estava em exibição na Bélgica em 2008)
A ciência floresceu. Darwin escrevia sobre bicos de passarinhos ‘galapaguenses’. Faraday quebrava a cabeça tentando entender o magnetismo. E um tal de Charles Babbage começou a pensar em como seria uma máquina que pensasse.
Obviamente, nem tudo eram flores. Havia miséria – a emigração massiva de irlandeses para os Estados Unidos começou por essa época, guerras e conflitos armados grassavam nos domínios. Londres era uma cidade suja e perigosa. Afinal, Jack The Ripper é tão fruto dessa época quando o Dr. Livingstone (...)
(...)A gente realmente tinha pouco a ver com isso. Poucas obras do gênero foram traduzidas no Brasil – aliás, acho que só se você considerar o livro do Powers [Os portais de Anubis] como steampunk. Talvez parte da trilogia de Phillip Pullmann. Nos quadrinhos, tivemos a Liga de Alan Moore. No RPG, Castelo Falkenstein. Nos cinemas, a coisa foi melhor: os blockbusters chegaram todos aqui – até mesmo As loucas aventuras de James West, infelizmente.
Agora, é de se admirar que um país que nos deu o Barão de Mauá, Augusto Zaluar, D. Pedro II, Santos Dummont… não tenha produzido obras a vapor suficientemente interessantes. Poxa, nosso imperador provavelmente foi o governante mais steampunk de sua época. Seu interesse por gadgets, ciências e novidades era/é notório.
Até esse ano, aconteceram algumas tateadas. Gerson Lodi-Ribeiro, Carlos Orsi Martinho e Octavio Aragão tangenciaram o gênero – os dois primeiros em contos, o último em seu romance, A mão que cria. Mas talvez a primeira obra consciente e declaradamente steampunk do Brasil sejam os quadrinhos de Expresso! de Alexandre Lancaster. O piloto da série foi publicado em um projeto online de curta duração, mas a saga continua, já que novas HQ’s estão previstas e um conto sobre o protagonista vai entrar na primeira coletânea nacional do gênero.
A Tarja Editorial convocou alguns autores – uns experientes, outros novatos – para escrever histórias no mundo do vapor. Dessas, eu li em primeira mão três. Se as demais seguirem a qualidade destas, o livro promete. O lançamento de Steampunk – Histórias de um passado extraordinário será na Fantasticon, dias 25 e 26 de julho.
Agora, é esperar para ver se continuamos na onda do vapor – ou se escolheremos um novo hype literário.
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