13.12.13

O retorno do Hobbit

Comparar a chegada da segunda parte da trilogia cinematográfica que Peter Jackson novamente adapta dos escritos de R.R. Tolkien com o seriado Game of Thrones exibido na HBO como versão dos livros de outro R. R., o Martin, serve como exemplo perfeito dos contrastes entre as produções que chegam aos cinemas e às que são feitas para a televisão nos EUA de hoje. As estratégias para a exibição nas salas de cinema privilegiam a grandiosidade da tela, a perfeição do sistema de som, apostam em cenários e no visual de personagens com um esmero nanometricamente calculado para causar todo o impacto que faça alguém sair de casa, pagar ingresso, estacionamento e o preço da pipoca. Já entregando seu produto diretamente no conforto da casa de seu público, os seriados, principalmente os produzidos pelos canais a cabo, investem em tramas elaboradas, na construção não menos pormenorizadas de personalidades e seus perfis psicológicos, gerando interesse por histórias que se estendem por semanas a fio e se somam a temporadas anuais. São duas estratégias distintas que podem agradar bastante os interessados em aproveitar o que cada uma tem a oferecer.

Em A desolação de Smaug, esta receita que aposta na grandiloquência do espetáculo retirando ao máximo da competência técnica do cinema chega a seu auge no que pode haver de melhor, mas não sem trazer algum prejuízo no que se refere a contar uma história. Peter Jackson tomou a decisão de dividir essa sua segunda empreitada na obra tolkieniana em uma nova série de três filmes, algo que foi defendido, no mais das vezes, apenas pelos mais fanáticos pelos criadores das versões escrita e filmada de O Senhor dos Anéis. Na prática, nada além do grande retorno de bilheteria justifica a decisão: mesmo com todos os adendos à obra original, não há na verdade história suficiente para render três longos filmes nesta jornada que ocorre cronologicamente antes da primeira trilogia. E isso gera consequências no ritmo do que se vê na tela.

Como uma história de transição, que já havia se iniciado no ano anterior e que só vai terminar mesmo no próximo ano, o filme em si é um desafio e tanto para diretor e roteiristas, no caso, uma dupla de escritoras, Philippa Boyens e Fran Walsh, além da participação de Guillermo Del Toro, que acabou preterido da direção do projeto. Com quase três horas de projeção, o filme poderia ter sido uma simples sequência de 10 ou 15 minutos caso a opção tivesse sido em transformar o Hobbit em apenas um único longa. Para preencher tamanha demanda extra, a narrativa tem o ritmo prejudicado. O primeiro terço do novo filme é um primor de ação, com os pequenos aventureiros sendo capturados por elfos e atacados por orcs. A longa sequência de ação com o combate multirracial é um feito para entrar para a história do gênero. Isso torna ainda pior o terço intermediário, uma aborrecida aparição de humanos que vivem à beira de um lago, próximo à montanha alvo da aventura. Felizmente, o terço final reserva novo interesse, com o enfrentamento do dragão do título, abruptamente interrompida para só ser retomada no próximo ano, no próximo filme.

É um espetáculo, sem dúvida, que deve ser devidamente apreciado com o que houver de melhor na tecnologia de exibição disponível para cada espectador: não faz sentido sair de casa para ver A desolação de Smaug se não for para conferir em uma sala equipada com 3d, tela enorme e aparelhagem de som de primeira. Ainda melhor seria se esses dois mundos do entretenimento não estivessem tão apartados ultimamente, se a capacidade técnica magistral na criação de cenários e na confecção de personagens do cinema estivesse mais aliada ao rigor fenomenal na confecção de tramas e de perfis vista hoje nas séries de TV. Que o diga Benedict Cumberbatch, ator inglês que vive um inalcançável Sherlock Holmes em um seriado da BBC e que no filme faz jornada dupla emprestando a voz a dois personagens vilanescos. Se em algum momento próximo estes dois mundo conseguirem se harmonizar melhor, nós, o público, só teremos a ganhar.